Simples assim, uma ova!

Recente palestra da Profa. Tânia Bacelar, no lançamento do suplemento especial da Revista Econômica do Nordeste, apontou para algumas observações importantes, dentre as quais chamam atenção o potencial da agricultura familiar do Nordeste na produção de alimentos saudáveis, orgânicos ou agroecológicos; a necessidade de reanimar e renovar as políticas de desenvolvimento territorial; o potencial do Nordeste para conservação e uso sustentável da biodiversidade; e a grandeza da rede de instituições de ensino, pesquisa e extensão interiorizadas pela região.

Com efeito, são temas fundamentais que devem nortear o novo modelo de desenvolvimento que já se iniciou, mas que ainda depende da superação de desafios grandiosos. O maior deles, de certo, abrange quase todos os outros. Trata-se da inadiável transição ecológica – ou outro nome que seja preferível, não há tempo para discussões semânticas. Se não é exatamente autoexplicativo e tomando todos os cuidados para não vulgarizar essa expressão da mesma forma que vem sendo corrompido o conceito de desenvolvimento sustentável, para simplificar, podemos combinar que a transição ecológica é uma grandiosa mudança de rumos econômicos, sociais e ambientais no planeta, nos estados, nas cidades e nos domicílios. Sobre cada item da nossa vida, é necessário dar um freio de arrumação, avaliando os impactos de nossas escolhas, não apenas, mas principalmente, no que tange ao aquecimento global.

Será necessário darmos uma reviravolta no modelo de consumo. A aquisição de bens, serviços e infraestrutura deverá ter um efeito bem menor na nossa felicidade. Aquela máxima de “Mogli, o menino lobo” ganha uma nova importância: “Necessário, somente o necessário, o extraordinário é demais...” Ops, nós quem? Esse é o maior problema! Como propor drástica redução de consumo a quem não possui o básico? Não há como não politizar. O decrescimento, possivelmente necessário, não poderá incidir sobre os pobres e os extremamente pobres, pelo contrário, não há mundo viável sem perspectivas de justiça socioambiental. Nestas alturas, a única saída possível é a redistribuição de renda.

Então, vejamos:

– além de mudar radicalmente a matriz energética, rumo a alternativas que não lancem gases de efeito estufa;
– além de parar, definitivamente, os desmatamentos e queimadas;
– além de reduzir, significativamente, a pecuária;
– além de neutralizar todas as outras emissões de gases do efeito estufa, inclusive dos sistemas de transportes, que precisam de uma revolução;
– além de ser necessário constituir o mais sólido e sustentável programa de restauração florestal (e outros ecossistemas), com o máximo de biodiversidade;
– além de diminuir o consumo de tudo – ainda será essencial promover a redistribuição de renda? Exatamente, simples assim! Porque falar em decrescimento econômico só pode ser aceitável para os que gozam de fartura, seja do que é essencial, seja do polêmico supérfluo. Caso contrário, o planeta vai quebrar, prejudicando tanto aqueles que vão anualmente às estações de esqui, às suas casas de veraneio em alguma ilha ou à beira mar, quanto as comunidades que vivem no semiárido ou nas encostas ainda mais vulnerabilizadas pelos eventos climáticos extremos. Mas adivinhe quem tem melhores condições de aguentar o tranco? Se os de baixo não receberem parte do que abunda nos de cima, vão ser inócuas as medidas para enfrentar o aquecimento global, incluindo providências de adaptação e mitigação. E se as elites econômicas atuais forjarem artificialmente sua resiliência, pode ter certeza de que seus filhotes não serão poupados.

Atenção, estou usando a terceira pessoa e isso é quase regra quando se trata de aquecimento global ou qualquer aspecto relacionado ao meio ambiente.

Inconscientemente, achamos que os outros são os responsáveis. Por outro lado, segundo pesquisa do ITS e parceiros, publicada em fevereiro de 2021, 78% dos brasileiros acham importante o tema do aquecimento global, 92% consideram que já está acontecendo, 77% atribuem à própria ação humana e 88% compreendem que pode prejudicar as gerações futuras.

Mesmo assim, nos enganamos ou nos iludimos quanto às nossas responsabilidades. Proporcionais, mas nem sempre, ao nosso poder aquisitivo. Esse “nem sempre” também é decisivo para nosotros que somos de cima cedermos para nosotros que somos de baixo, sob pena de pesadas consequências para uns e para outros, a depender de nossas próximas escolhas. Calma aí, a pegada caliente dos de cima é muitíssimo maior, seja nos bairros nobres de Salvador ou Porto Velho, seja em Manhattan ou principado de Mônaco.

Você até pode achar chatinho essa ladainha de mudança climática, mas como diria o coelho de Alice, “está ficando tarde, muito tarde”. Talvez tarde demais...

(revisão Maria Silvia Tosato)

capa: montagem ciranda.net

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José Augusto de Castro Tosato

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