O curso de Direito carrega uma alta carga de conservadorismo na formação e composição dos chamados ‘‘operadores do direito’’. Se observamos que mais de 80% de magistrados no Brasil são brancos, e tal quadro se repete na promotoria, na defensoria…, e isso somado a uma sociedade racista, tem-se por produto um direito reprodutor do racismo estrutural.
Na minha trajetória acadêmica e de outros colegas pretos e pretas, pude observar relativamente uma invasão da ‘’tinta’’ na academia jurídica, mas não significou a eliminação do racismo no trato com advogados, advogadas pretas, e casos que ouvimos sobre magistrados e membros da promotoria, que são pretos e alvos do racismo em suas faces.
A advogada Jammê Freitas, por exemplo, relata nas suas redes sociais, o quanto se policiava em relação a vestes, para não ser inquirida, se de fato a mesma era advogada; mas mesmo com a roupa mais ‘‘chique’’, as checagens ou o ‘‘cara-crachá’’ era sempre dirigido aquela mulher preta, que ousava está em um lugar que a branquitude se incomoda quando vê pessoas pretas. Por outro lado, advogadas e advogados brancos sequer eram inquiridos, somente um paletó ou ‘’tayerzinho’’ lhe conferiam a idoneidade profissional.
Ser preto em uma faculdade de direito não garante as mesmas condições de mercado, pois os filhos da classe média alta branca, já possuem laços familiares e imbricados com os profissionais, entre seus pais, avós, até os mais longínquos ascendentes. Eles fazem parte de uma petit comité, que se conhecem de longa data, e logo, o filho de um juiz, vai estagiar com a advogada que é amiga de infância daquele, cujo marido promotor é primo do magistrado. Todos se encontram nos clubes sociais, nos finais de semana, e assistem a nova geração articular os mesmo arranjos que se repetem.
A meritocracia pura e simples, não garante ao preto e aos seus filhos, o acesso a este clube de privilégios branco.
O professor Adilson Moreira, Doutor e Mestre em Direito Constitucional Comparado pela Universidade de Harvard e Doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais, na obra ‘‘Pensando como um negro: ensaio de hermenêutica jurídica’’, estatui a hermenêutica jurídica como vetor da luta antirracista e suas relações de subalternidade. Compreender o direito pelo viés racial, coloca o fenômeno jurídico no caminho da decolonização de uma mentalidade velho mundista, imposta e arraigada no discurso racista do direito, ora latente, ora explícito.
‘‘Sou um jurista negro e penso como um negro. Estou afirmando que minha raça determina diretamente a minha interpretação dos significados de normas jurídicas e também minha compreensão da maneira como o Direito deveria operar em uma sociedade marcada por profundas desigualdades raciais’’ (MOREIRA, 2019, p. 29).
O capítulo III da citada obra, ‘‘Interpretando o direito como subalterno’’, me remeteu aos espaços de poder acadêmico, em que pretos são invisibilizados e precisam ser excelentes, para concorrer em mesmo patamar com um branco mediano, em colegiados majoritariamente branco.
O professor preto e soteropolitano Marinho Soares, que possui mestrado, relata fato em que foi preterido por uma mulher branca, numa seleção para coordenação de um curso de direito, em que sua concorrente sequer possuía graduação comprovada, mas sim uma cor, que lhe conferia a suposta autenticidade de seus títulos fraudulentos.
É como digo, para concorrer com as estruturas de brancos medianos, que se protegem e se beneficiam uns aos outros (E a tal meritocracia? Só serve para preto), nós temos que ser excepcionais o tempo todo, e isso é foda!
O professor preto Cristiano Lázaro, de Direito Penal e Processo Penal, é um exemplo desta excelência preta e ininterrupta no mundo jurídico. Apesar de seu talento profissional como advogado e docente, acredito que esta maratona é cansativa, não só para ele, mas para todos nós.
Contudo, seguimos decolonizando o direito numa perspectiva antirracista, nas pegadas do professor Adilson Moreira.
Imagem: montagem Ciranda.net (Adilson Moreira – Facebook)
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