Muita desinformação nutrida pelo racismo religioso medeia o imaginário das pessoas, que as levam a demonizar as crenças, rituais das religiões de matriz africana, como também classificar de acordo com suas referências, provocando indevidas confusões com a Umbanda, também digna de respeito.
A moçambicana Paulina Chiziane nos fala que Deus não é propriedade privada e cada povo e/ou cultura tem o direito de cultuar o divino a sua maneira, vale dizer que nenhuma religião pode impor universalmente a forma de se relacionar com o sagrado.
Por muito tempo o Candomblé se utilizou do sincretismo religioso para manter vivo o culto aos Orixás, Inkisses e Voduns, a depender da respectiva nação, e hoje que estamos livres, não precisamos fazer a confusão de Zé do Burro que ao prometer a Iansã/Santa Barbara, caminhou carregando uma cruz de Monte Santo até Salvador, pois o seu burro se salvou da morte. Mas, respeitando os sincréticos, as crenças e forma de culto de cada um, convém informar que Ogum não é Santo Antônio, Oxosse não é São Jorge… Cada um fique com o seu.
Seguindo… Babalorixás e Ialorixás tiveram um papel político bastante importante que transcendia a direção do culto religioso, porque traçavam, cada qual a sua maneira, formas estratégicas de proteção a sua casa e aos seus filhos de santo, em uma época em que o Candomblé era alvo de punição penal.
João Alves Torres Filho, Joãozinho da Gomeia, homem preto, gay e sacerdote do Candomblé, com a sua personalidade polêmica, levou a religião para as páginas da Revista ‘‘O Cruzeiro’’; para o teatro, em exibição das danças sacras, e trouxe para o terreiro a sociedade branca e políticos do status dos presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.
Suas posturas causavam repulsa perante as autoridades religiosas das casas tradicionais de Candomblé da Bahia. No carnaval de 1956, chocou a todos ao sair fantasiado de vedete, sobretudo o povo de santo, porém, informou ao repórter da Revista ‘‘O Cruzeiro’’ que ‘‘ […] antes de brincar eu pedi licença ao meu guia. Segundo, porque o fato de eu ter me fantasiado de mulher não implica desrespeito ao meu culto, que é uma Suíça de democracia’’.
Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1946 e, a sua maneira, contribuiu para difundir e manter firme as tradições do Candomblé, até por que em seu terreiro na Baixada Fluminense, do mesmo modo quando ainda era na Bahia, se praticava os ritos da Angola, Ketu e dos Candomblés de Caboclo.
Joãozinho da Gomeia é uma personalidade negra importante para história do Candomblé no Brasil, e, como dito, contribuiu para a resistência aos ataques que esta religião sofreu e sofre institucionalmente.
Um homem que não só enfrentou o racismo e a homofobia, mas teve coragem para ser ele mesmo, mesmo com os ataques a sua forma de ser no mundo.
Salve Joãozinho da Gomeia: o “rei do candomblé”!
Imagem: Montagem Ciranda.net (João da Gomeia no Carnaval, João da Gomeia , no terreiro da Gomeia e João da Gomeia, Joãozinho da Gomeia sentado, Joãozinho da Gomeia
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