As vitórias do VII FSM

O VII FSM foi encerrado na tarde do dia 25 de janeiro com um ato
político e cultural no parque Uhuru, centro de Nairobi. Assim como na
abertura, a presença dos quenianos e das delegações africanas deram o
tom colorido e a “batida” dos sons que marcaram todo o encontro. Além
dos organizadores internacionais e do Quênia, falaram representantes da
Palestina, Zâmbia e Brasil (Fernanda Lopes e a nossa companheira Sonia
Leite).

A primeira comemoração foi a própria realização do fórum. Não deixa de
ser uma façanha reunir cerca de 40 mil participantes de dezenas de
países nas condições atuais africanas e realizar o que continua sendo o
maior e mais importante encontro de organizações e militantes que lutam
para superar o neoliberalismo e sua ordem internacional.

Uma nova face africana começou a ser desenhada nesse VII FSM, essa é a
segunda vitória importante. É um desenho inicial, tracejado, de um
perfil ainda por ser descoberto. É muito significativo que diversas
organizações de resistência de diversos países da África tenham se
encontrado, pela primeira vez, no Fórum.

A terceira mudança importante é que o VII FSM busca abrir um novo ciclo
de organização dos movimentos sociais em escala internacional. Apesar de
não ter sido anunciado oficialmente o próximo Fórum deverá ser realizado
daqui a dois anos, implicando em jornadas de lutas e fóruns regionais no
período intermediário e, sobretudo, adaptando o grande encontro às
capacidades (inclusive financeira) dos movimentos sociais.

Há que se ressaltar ainda a presença brasileira e da América Latina no
processo atual de integração de movimentos e lutas para que um “novo
mundo seja possível” (ainda que seja muito difícil, mas isso é quase
óbvio: as opções “fáceis” são aquelas oferecidas pelo próprio
capitalismo). Nossa região, pelos seus avanços políticos na luta contra
o domínio imperial dos EUA, pode contribuir muito para o processo que se
abre a partir desse fórum.

Algumas das dificuldades do Fórum na África

Para as delegações latino-americanas as dificuldades começaram com o
custo da travessia do Atlântico e a reduzida oferta de hospedagem em
Nairobi (em geral hotéis de turismo, muito caros). Isso levou a
delegações menores e certamente pesou na decisão de realizar o próximo
fórum daqui a dois anos, o que é mais compatível com a capacidade de
financiamento dos próprios movimentos sociais.

O maior desafio, no entanto, estava dentro da África mesmo. Ao norte do
Quênia desenvolvem-se conflitos armados (Somália, Etiópia), o que
dificultou o deslocamento de delegações por via terrestre do norte da
África. Acresce a isso um fenômeno que conhecemos bem na América Latina
e que já começa a ser alterado pelas políticas de integração regional. É
que no mais das vezes é mais fácil ir da África para a Europa do que um
país africano para outro. Mas isso é apenas a ponta do iceberg da
dramática realidade social e política do grande continente: altas taxas
de desemprego, epidemias (como a alta incidência da aids), altos índices
de criminalidade, corrupção das elites que controlam governos,
fragmentação política e derrotas de projetos nacionais e de unidade
regional para sair da devastação deixada pelo colonialismo (apenas para
lembrar: o Quênia livrou-se o jugo colonial inglês apenas em 1963). Há
que se acrescentar ainda que a África foi palco de duas grandes
políticas internacionais propulsadas pelo Banco Mundial, FMI e outras
instituições que zelam pela ordem internacional. A primeira inaugurada
na própria Nairobi, no inicio dos anos 60, com o discurso de MacNamara
(então presidente do Banco Mundial) de políticas liberais e de
“assistência financeira” que tentaram transplantar o modelo de
desenvolvimento capitalista anglo-saxão (no estilo da Aliança para o
progresso, para a América Latina). Ela foi substituída, vinte anos
depois, pelas reformas neoliberais impulsionadas também pelo Banco
Mundial, com a Sra. Anne Krueger como economista-chefe. Seguiu-se uma
onda de privatizações selvagens e de empobrecimento generalizado.

De outro lado…

O VII FSM introduziu a África como um grande tema de reflexão e ação na
agenda dos movimentos sociais. Nesse sentido, aquelas redes mais
internacionalizadas – Via Campesina (MST entre outros), Mulheres (Marcha
Mundial das Mulheres entre outros), Movimento Negro, Juventude,
Meio-Ambiente, movimentos ati-guerra, contra o livre-comercio e a
dívida, por novas instituições internacionais, entre outros – puderam
entrar em contato com organizações de resistência de diversos países
africanos. Importante assinalar que no âmbito do movimento sindical, que
tem a nossa CUT como um dos principais impulsionadores, já vem se
desenvolvendo há mais tempo iniciativas na região, com destaque para a
África do Sul. Essas iniciativas, de modo geral, podem oferecer aos
movimentos sociais africanos um quadro de referencia e participação mais
estruturado e com mais acúmulo político. Claro que isso implicará em
novas e difíceis tarefas no sentido de consolidar essa conquista ainda
incipiente mas muito significativa.

No aspecto propriamente da organização interna do Fórum há que se falar
de um ponto positivo que foi a concentração das atividades num só
terreno, o grande conjunto esportivo Kazarami, nos arredores de Nairobi.
Mesmo com essa vantagem, o VII FSM não apresentou momentos unificadores,
a não ser a assembléia final dos movimentos sociais. Isso não é apenas
um problema organizativo e provavelmente tem a ver com a dificuldade de
combinar dois elementos fundamentais nos processos de organização
internacional, o de ser profundamente internacional e ao mesmo tempo
profundamente regional. Essas características apareceram com força, por
exemplo, nos fóruns realizados em Porto Alegre e em Caracas.

Pensamos que esses avanços, e ao mesmo tempo alguns problemas, fazem
parte de processos mais longos de acumulação de forças e de construção
de identidade política e social de grandes movimentos. Não é possível
manter o tempo todo avanços; enfrentar problemas pode ser uma maneira
também de superar limites atuais.

A possibilidade de um novo ciclo de organização internacional

A idéia de “esticar” a distância entre os fóruns sociais mundiais vinha
sendo elaborada por movimentos sociais antes desse fórum em Nairobi. Em
Cochabamba, na Cumbre Social realizada em dezembro último por ocasião da
reunião da Comunidade de Nações Sul-Americanas, já era visível como uma
alternativa que permitiria reforçar os processos regionais, como aqueles
que vêm se desenvolvendo na América Latina. Na nossa região a unidade
regional dos movimentos sociais vem crescendo. Um dos exemplos é a
Aliança Social Continental e seu papel articulador no movimento sindical
(onde se prepara a fundação de uma entidade unificadora do movimento
sindical em todo o continente) e junto aos demais movimentos. Mas é
muito importante também a crescente relação internacional dos movimentos
camponeses, de mulheres, de juventude, e pela própria integração
regional com justiça social e democracia.

Um dos grandes desafios na nova modalidade do fórum social mundial
parece ser o de combinar diferentes realidades e dinâmicas regionais. Em
parte ele pode ser suprido no âmbito de cada grande rede de movimento
social, mas permanece a questão de buscar uma certa unidade para o
movimento mais amplo de internacionalização das lutas e da construção de
uma plataforma alternativa à ordem neoliberal-imperial.

O PT e o Foro de São Paulo na relação com o FSM

Olhando o “mundo” através do VII FSM, podemos destacar a contribuição
dos movimentos político-sociais da América Latina nesse novo momento.
Depois de anos de hegemonia neoliberal, nossa região vem experimentando
uma combinação de processos de conquista de governos por forças
populares e de esquerda, de diálogo entre esses governos e movimentos
sociais e de retomada do Foro de São Paulo (que une partidos populares e
de esquerda para a busca de uma agenda comum de superação do
neoliberalismo). Sem subestimar nossos próprios problemas e sem
substituí-los por outros, mas buscando situa-los dentro da nova dinâmica
do FSM, podemos dizer que a América Latina tem uma contribuição especial
e que quanto maior for sua própria integração maior poderá ser seu apoio
à luta por um novo mundo.

O texto é assinado pelo membro do coletivo de relações internacionais do PT e do Diretório Nacional, Carlos Henrique Árabe, pela secretária de Combate ao Racismo, Sônia Leite, pelo secretário de Mobilização, Martvs das Chagas, e pelo membro da Executiva Nacional, Gleber Naime

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