Estou no sétimo de dez dias que permanecerei na África. As vezes tenho a impressão que estou em São Paulo. Só que esta São Paulo é só dos pretos. O engraxate e o doutor que está engrachando seu sapato, o motorista particular guiando um imenso Land Ronver e o dono do carro no banco de trás indo para seu escritorio na Kenyatta Avenue. O gerente do Central Bank of Kenya, a garconete do Chicken inn. Todos os clients que lotam o Chicken inn fazendo suas refeições… Mas tambêm os apresentadores na TV, presa no teto do fast-food, na primeira página dos jornais, nas capas de todas as revistas, e nos outdoors,.. é tudo preto.
Imagina se o hip-hop não é forte por aqui!?
É dificil não encontrar uma vãn, que fazem o trasporte público na cidade de Nairobi, sem que esteja toda colorida, adesivada e grafitada. Muitas vezes estampando em sua lataria os cantores de rap como 2pac, Snoop Dogg, Luda Cris. Também é comum a figura de líderes negros como Martim Luter King, Nelson Mandela, Bob Maley. O som que saem desses carros que rasgam a toda velocidade, fazendo a ponte entre a cidade e as comunidades, quase sempre é o rap ou o African-music (uma espécie de forró daqui).
A dança dos guerreiros africanos executam diversos movimentos que foram adotados pelo break, só que aqui fazem na terra, levantam poeira. Os grupos de rap local se inspiram na história de luta de Mau Mau, um guerrilheiro que libertou o Kenya do comando da Inglaterra, um líder com trajetória semelhante a de Zumbi dos Palmares, para os periféricos brasileiros. Como disse o rapper keniano Blaizer: ”O hip-hop tem na África a sua origem.”
Em meio a este cenário é inevitável mil reflexões, dilemas e algumas decisões. Entre elas, para citar uma bem prática, a de me matricular em um curso de Inglês. Quer saber porque tive de vir para a África para chegar a essa conclusão? Te digo já…
Voltei para à África para participar do debate sobre a importância da organização do hip-hop, me sinto em casa, casa da qual fiquei por 500 anos fora, e é sempre bom voltar para casa! Este econtro foi promovido pela Nação Hip-Hop Brasil durante o Fórum Social Mundial. Participaram pessoas de 15 países e três continentes diferentes. Também foi especial porque ele aconteceu no dia 22 de janeiro, exatos dois anos, fundávamos a Nação Hip-Hop Brasil, e hoje estamos exportando esta experiência.
Além de mim, o debate teve a presença do arte-educador Panikinho e o DJ Francis do grupo NUC, tudo traduzido ali na hora para o inglês pelo rapper estadunidense Justin. Abrimos o microfone para a platéia participar, solicitando que se inscrevessem uma pessoa por país.
Os kenianos que são conhecidos mundialmente pelo desempenho nas maratonas, demonstravam o mesmo fólego para participarem do debate. Só entendemos tamanha aflição quando um deles disse que não entendiam bem o que estava acontecendo. Estavamos ali debatendo sobre as coisas que estão nas letras de rap, mas não estavamos cantando. Eles nunca se deram conta que o hip-hop poderia promover debates e segundo eles, este foi o primeiro debate de hip-hop da história do Kenia. (Oia nois fazendo história!)
Achou pouco? Então pegue uma dessas vans e só desça quando chegar no ponto final de Korogocho, a segunda maior favela de Nairobi.
”Milhares de casas amontoadas, ruas de terra.” (Racionais Mc’s)
A primeira vista pode parecer mais uma favela qualquer. Só que aqui existe muito menos infra-estrutura e maior precariedade que qualquer outra favela carioca, paulista ou nordestina que eu já tenha entrado. As casas feitas de pau a pique, latão e madeira, contornam um grande terreno. Onde repousam alguns containers de aço. Dentro deles funcionam uma biblioteca comunitária, e a rádio Koch FM. A inspiração, vem da Rádio Favela de Belo Horizonte, MG. A única rádio comunitária do Kenia, irradia não apenas ondas sonoras, mas um sentimento de resistência e alegria que eche de orgulho os moradores da comunidade.
A rádio enfrenta como as do Brasil, pressão violenta do governo. Que só não é maior, porque a idéia de uma rádio comunitária é algo tão novo, que nem o governo sabe ao certo como combater.
Os construtores da rádio não conseguiram disfarçar a surpresa ao saberem que entre nós estava o mineiro Francis que é parceiro da Rádio Favela e participou do filme Uma Onda no Ar. Segundo Francis duas coisas foi para ele um soco no estomago. Conhecer o Safari Park, um imenso hotel com club, casino, shoping e muito luxo. E conhecer depois, perto dalí a Islam de Korogocho. Eu não posso dizer diferente, cada vez que via uma e outra coisa me lembrava do Mano Brown no 1º prêmio Cooperifa dizendo: ”Como é que agente aceita isso ai!?”
Mas foi o encontro com o ator Danny Glover com entidades do Brasil que me fez dar este título ao artigo. O ator iniciou se apresentando como ativista da associação TransAfrica e apresentando companheiros da organização como a Nicole Lee que fazem a luta pelos Afrodescendentes, e acreditam que uma vez que exista uma economia globalizada, é necessário globalizarmos nossas lutas. Pois as ações dos EUA interferem diretamente na África. Fazer a luta nos EUA está relacionado com fortalecer os movimentos sociais na América Latina. Segundo eles o Brasil reune caracteristicas e força nos movimentos sociais suficiente para determinar o futuro da humanidade.
Disse a Danny Glover que o hip-hop no Brasil fez uma porrada de jovem negro e das periferias sairem do mundo da “Matrix”. E que agora criamos a Nação Hip-Hop Brasil, a “Máquina Mortifera” para construirmos um novo mundo possível.
No final deste encontro do qual participaram entidades como MST, Unegro, Educafro, Danny Glover e seus companheiros disseram que deviam aprender Português e Espanhol e no Brasil as pessoas precisam aprender a falar Inglês (lingua official do Kenya junto com o Swahili).
Formalmente estudei um pouco de Inglês ainda criança, na prática meu curso de inglês tem sido nas ruas de Nairobi, coração da Africa, e não é só para Inglês ver.
A cultura Africana tem muitas semelhanças, e também diversas diferenças com a cultura nacional do Brasil, aqui por exemplo raramente comece feijão. Mas existe uma cultura universal chamada hip-hop que em qualquer lugar do planeta onde estiver, os manos se identificam. Assisti a apresentações de grupos de rap da Etiópia, Tanzânia, Senegal, fiquei positivamente impactado.
Em Joensburgo no Sul da Africa ou em Nairobi e outras tantas cidades africanas, ao contrario que alguns possam pensar, não existem leão, elefante nem giraffa andando pelas ruas. Tem carros luxuosos, grandes predios e sofisticados restaurantes. Por aqui é mais fácil se deparar com um jaguar de quatro rodas do que de quatro patas. Anúncio de diamantes nas revistas luxuosas é tão frequente quanto crianças nas ruas te seguindo durante quarteiros, por vezes segurando a barra de sua roupa ou sua mão pedindo um trocado, e a zebra por aqui é ver um único branco pobre.
Os Kenianos tem também uma ”malandragem” nata, no melhor sentido do termo. Todos tem um senso muito aguçado, de inteligência e de forma criativa demonstram isso na luta do dia-a-dia, pela sobrevivência.
Alguns no Brasil pensam que o racismo se resume as questões de posição social e econômica. Estes precisam vir para a África e ver us pretos na presidência da República e nas calçadas separando lixo para comer. Precisam saber que na história de Angola só houveram dois presidentes, e não é diferente nos 44 anos de idependência do Kenya onde só se conheceram três presidentes eleitos. Aí, passaram a compreender que os problemas raciais só se combatem cultural, economica, política e socialmente. E a divisão de Nairobi, a divisão do Kenya, a divisão da Africa e a divisão do mundo é o Aparthaid eterno entre ricos e pobres.
Dizem que este é o lugar.
Se este é o lugar, já era…
…Tô aqui!
*Toni C., DJ e produtor. Documentárista, organizador do livro Hip-Hop a Lápis e membro da equipe do Portal Vermelho.