Por que o Brasil não deve ratificar o Tratado de Livre Comércio Mercosul-Israel

I. Sumário:

Israel viola constantemente a lei internacional e os direitos humanos


A ocupação sionista dos territórios palestinos, a construção de assentamentos ilegais e do muro do apartheid, o deslocamento forçado dos palestinos, o cerco e o ataque militar a Gaza, bem como a ofensiva a países vizinhos por parte do Estado de Israel, incorrendo rotineiramente em crimes de guerra, constituem drásticas violações dos princípios democráticos, direitos humanos e leis internacionais. Essas violações foram assinaladas pelas agências das Nações Unidas, a Corte Internacional de Justiça e organizações de direitos humanos.

O comércio entre Brasil e Israel lucra com a violação de direitos humanos

O Brasil atualmente mantém relações comerciais com empresas que contribuem ativamente para a violação israelense da lei internacional. Companhias como Mofet B’Yehuda obtêm seus lucros de instalações industriais em assentamentos ilegais. Companhias como Elbit Systems e Israel Aerospace Industries desenvolvem e vendem armas, equipamentos e tecnologias usados para expandir a ocupação, cometer crimes de guerra e violar os direitos humanos dos palestinos.

O TLC encoraja e incrementa o comércio ilegal e politicamente condenável

O TLC (Tratado de Livre Comércio) entre Mercosul e Israel prevê explicitamente a inclusão de produtos dos assentamentos. Não há nenhuma cláusula para impedir que companhias israelenses envolvidas em crimes de guerra e na violação da lei internacional se beneficiem do TLC.

O TLC com Israel viola a Constituição e compromissos internacionais do Brasil

Com a ratificação do acordo, o Brasil violaria:

a. o artigo 4º de sua Constituição, que estipula que a política externa do Brasil seja determinada pelo respeito aos direitos humanos, autodeterminação dos povos, defesa da paz, repúdio do racismo e cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.

b. a Quarta Convenção de Genebra, que diz claramente que os signatários têm a responsabilidade de garantir que essa seja respeitada. Dado que Israel viola as Convenções de Genebra, o Brasil deveria se engajar em esforços para brecar tais violações, e não em firmar acordos como o TLC, que permitem que Israel lucre com suas violações.

O TLC viola princípios e diretrizes do Mercosul

O Mercosul explicitamente relaciona acordos comerciais aos direitos humanos, liberdades fundamentais e democracia, reconhecendo a interdependência entre a tomada de decisões políticas e econômicas. Dado que Israel não reconhece direitos humanos e liberdades fundamentais, não deveria ser considerado candidato a um TLC com o Mercosul.

De modo a cumprir com sua Constituição, com leis internacionais e do Mercosul, recomendamos que o Brasil:

• recuse-se a ratificar o Tratado de Livre Comércio em questão até que Israel cumpra com o direito internacional, a decisão da Corte Internacional de Justiça sobre o muro e todas as resoluções da ONU (Organização das Nações Unidas) relevantes;

• trabalhe por um embargo de armas efetivo a Israel e um bloqueio rigoroso de todos os produtos provenientes de assentamentos ilegais; e

• cancele investimentos e relações comerciais com empresas internacionais ou israelenses que violem os códigos éticos.

II. Lucros de crimes de guerra: Comércio do Brasil com Israel

A presente seção trata das atuais relações econômicas e acordos comerciais entre o Estado brasileiro e empresas israelenses. Ainda que exista um grande número de companhias israelenses com quem o Brasil tem relações comerciais, este estudo tratará de apenas algumas: Elbit Systems, IAI (Israel Aerospace Industries) e o Trendlines Group. Esses são exemplos das muitas companhias israelenses que estão contribuindo ativamente para e envolvidas em violações do direito internacional, incluindo graves infrações do Direito Humanitário Internacional (ou seja, crimes de guerra) e violações brutais e sistemáticas das leis internacionais de direitos humanos. As empresas fazem isso através de:

• sua participação no desenvolvimento econômico de assentamentos ilegais na Cisjordânia ocupada;

• suas posições proeminentes na indústria bélica israelense;

• seu envolvimento nas indústrias de “segurança” e “defesa nacional”, incluindo a provisão de materiais de fortificação para o muro ilegal.

A indústria de assentamentos: Mofet B’Yehuda

O Brasil atualmente mantém relações com corporações sediadas em assentamentos israelenses ilegais no território ocupado da Cisjordânia. Uma dessas é a Mofet B’Yehuda, que se localiza no assentamento de Kiryat Arba, próximo a Hebron. Mofet B’Yehuda oferece serviços a novos empresários e negociantes, especialmente de tecnologia de informação e eficiência, biotecnologia, aquicultura e equipamentos médicos; ela faz parte do Trendlines Group, uma companhia de marketing e exportação com foco especial no Brasil.

Ao fazer negócios com o Trendlines Group, o Brasil está violando seus compromissos e obrigações, conforme a lei internacional, das seguintes formas:

• de acordo com a Convenção de Genebra, Israel, enquanto força de ocupação, não tem permissão para alterar a composição demográfica do território palestino e não deve interferir nas vidas da população civil que se encontra sob ocupação. A construção e o desenvolvimento de assentamentos israelenses no território palestino ocupado constituem grave violação da lei internacional e crime de guerra. Empresas e instituições envolvidas na manutenção dos assentamentos estão contribuindo para a violação da lei internacional;

• os assentamentos ilegais são mecanismos básicos da tentativa, por parte de Israel, de colonizar as terras palestinas por ele ocupadas desde 1967 e promover o regime de apartheid. Aos palestinos é negado o acesso e uso de suas terras nas quais são erguidos esses assentamentos, bem como aos vastos círculos de terra ao redor dos assentamentos ilegais, reservados para crescimento e expansão desses. Israel institucionalizou o tratamento extremamente discriminatório aos palestinos na Cisjordânia ao submetê-los a um jugo militar arbitrário, enquanto aplica leis civis aos colonos ilegais que têm cidadania israelense. Aquisição de território pela força, colonialismo e apartheid são proibidos pela Carta da ONU e constituem crimes contra a humanidade de acordo com a lei internacional;

• o empreendimento colonial ilegal de assentamentos israelenses, incluindo as áreas militares, áreas-tampão (buffer zones), checkpoints e sistemas de passe (permit), é inteiramente erguido em terra palestina roubada. O desenvolvimento e funcionamento desse empreendimento viola gravemente os direitos humanos da população palestina e contribui para o estrangulamento e subdesenvolvimento da economia palestina – gerando inclusive, em certos casos, verdadeiras crises humanitárias.

Kiryat Arba é um dos primeiro assentamentos ilegais erguidos na Cisjordânia. Foi estrategicamente estabelecido no meio de Hebron, na Cisjordânia, para facilitar a perseguição direta e violenta da população palestina por colonos armados e apoiados militarmente. Os cerca de 7.500 residentes de Kiryat Arba têm fama de ser dos mais fanáticos. Em 1994, Baruch Goldstein, residente americano-israelense de Kiryat Arba, assassinou 29 palestinos que oravam na mesquita Ibrahimi, em Hebron.

Os ataques de colonos a partir de Kiryat Arba são muito frequentes; palestinos residentes na vizinha Wadi Husein são submetidos a agressões físicas e por armas de fogo, apedrejamentos e ameaças. Os colonos atacam e vandalizam casas e propriedades dos palestinos regularmente; eles os roubam e, durante o período de colheita, impedem-nos de colher suas safras. Como ocorre em todos os assentamentos na Cisjordânia, Kiryat Arba tem sido o motivo para um processo contínuo de confisco de terras, devastação de plantios e demolição de casas para abrir espaço à sua expansão.

Em boa medida como resultado da expansão de Kiryat Arba e da extrema agressividade de seus colonos, cessou-se de fato a atividade industrial e econômica de Hebron, outrora um centro econômico da Cisjordânia. Ao estabelecer relações com empresas situadas em Kiryat Arba, o Brasil apoiará a indústria colonial ilegal na área.

Empresas envolvidas em crimes de guerra

A economia israelense baseia-se fortemente nos setores militar, de “segurança e de “defesa”. Empresas que negociam com essas indústrias beneficiam-se da continuidade da ocupação e do apartheid. Elas podem testar armas, equipamentos e métodos que visam a supressão e controle de liberdades individuais e coletivas. Seus métodos são aperfeiçoados e testados nos palestinos. Cerca de 600 empresas israelenses estão envolvidas com o setor de “segurança”, produzindo um montante anual de US$ 4 bilhões, 1/4 desses com exportações. Guerras passadas – incluindo a recente agressão militar a Gaza, que matou cerca de 1.400 pessoas -, como também a ocupação em curso proporcionaram a essas indústrias oportunidades para conduzirem experiências de repressão e controle em escala massiva, incluindo o cerco e o isolamento de Gaza, a criação do muro do apartheid na Cisjordânia e a manutenção de assentamentos ilegais.

Há registro suficiente do comércio de armas entre o Brasil e essas empresas, mas elas também operam comumente no mercado “civil” de segurança residencial, que será coberto pelo acordo Mercosul-Israel.

Fazendo negócios com essas empresas, o Brasil estará não apenas legitimando a ocupação da Palestina e os constantes ataques ao povo palestino, mas também facilitando o crescimento da indústria bélica israelense. Isso permitirá que Israel continue impunemente desenvolvendo novas e inovadoras técnicas de repressão brutal.

Elbit Systems

Essa é uma das maiores empresas israelenses de “segurança e defesa”, responsável pela produção de equipamentos como Vants (veículos aéreos não tripulados) para uso bélico, sistemas eletrônicos de combate e de administração de batalhas. Em 11 de novembro de 2008, noticiou-se que Brasil e Elbit assinaram contrato no valor de US$ 187 milhões para que a companhia forneça para os jatos brasileiros AMX computadores centrais de missões de ataque, bem como sistemas de display, de controle de munição e outros. Elisra, uma subsidiária da Elbit, fornecerá sistemas eletrônicos de batalha.

A Elbit viola os compromissos constitucionais e internacionais do Brasil de duas formas, basicamente. Primeiro por meio dos Vants, sistemas eletro-óticos e outros sistemas bélicos, amplamente utilizados pela IDF (forças israelenses de “defesa”). A Elbit continua a fornecer equipamentos e tecnologia à IDF, plenamente ciente de que essa os utiliza para cometer massacres e crimes contra o povo palestino:

• na ofensiva de 2006 no Líbano e na de 2008-2009 em Gaza, foram reportados diversos casos de uso de Vants produzidos pela Elbit abrirem fogo contra civis e equipes médicas. Por exemplo, em 23 de julho de 2006, um deles atacou, em Qana, duas ambulâncias da Cruz Vermelha libanesa que transportavam feridos. Em 3 de janeiro de 2009, palestinos oravam na mesquita Martyr Ibrahim al-Maqadma, em Jabalya, no norte de Gaza, quando um Vant lançou um míssel sobre eles. Doze pessoas morreram na hora e outras três no hospital; 30 ficaram feridas.

• A Elbit fornece às forças de infantaria israelenses o Falcon (falcão), equipamento de mira acoplável aos seus rifles. De acordo com Brigada Golani, a primeira unidade da IDF a utilizar o Falcon, a mira propiciou “uma considerável melhoria na eficácia e, portanto, no poder letal do atirador mediano”. A Brigada Golani é notória pelo horrendo tratamento que dispensa aos palestinos, tendo atingido incontáveis civis desde sua fundação, em 1948. Ela esteve envolvida no massacre do campo de refugiados de Jenin, em 2002, participou do cerco ao quartel-general de Yasser Arafat naquele mesmo ano, perpetrou invasões e assassinatos em Gaza desde 2003 e participou de alguns dos mais intensos enfrentamentos na cidade de Gaza durante a recente ofensiva naquele território ocupado.

• A IDF usa o imager portátil termal e sistema de alvo MARS produzido pela Elbit, concebido para tropas terrestres. O MARS é confeccionado para combate a pequena distância e teatros de guerra urbanos, de modo que há grande probabilidade de haver sido utilizado em Gaza, onde 82% dos mortos eram civis.

Para além de suas contribuições diretas para os massacres e ações criminosas da IDF, o segundo modo como a Elbit viola os compromissos constitucionais e internacionais do Brasil é por meio de sua contribuição para a infraestrutura de “segurança” ao longo do muro erguido na Cisjordânia. A Elbit e suas subsidiárias fornecem e instalam cercas eletrônicas de detecção e câmeras de vigilância Lorros para o muro na área de Jerusalém e ainda em torno do assentamento ilegal Ariel. A Elbit também desenvolve veículos terrestres não tripulados, usados para auxiliar no patrulhamento de estradas ao longo da zona tampão de trânsito interditado. Essa contribuição ativa para a fortificação do muro contraria os compromissos e obrigações do Brasil sob a égide da lei internacional, pois o muro:

• foi considerado uma violação da legislação humanitária e de direitos humanos pela Corte Internacional de Justiça. Em seu parecer de 2004 sobre o tema, essa determinou que Israel deveria demolir o muro ilegal e prover reparação pelos danos causados às vítimas palestinas. Essa decisão da Corte foi adotada pela ONU na resolução ES-10/15 (de 20 de julho de 2004), e implica claras obrigações por parte de todos os estados signatários da Quarta Convenção de Genebra, segundo a qual

todos os Estados têm a obrigação de não reconhecer a situação ilegal resultante da construção do muro e não prestar ajuda ou assistência à manutenção da situação criada por essa construção.

• O muro é um modo primário de roubo e anexação de terra. Junto com os assentamentos, zonas militares, fossos e estradas secundárias, ele anexará de facto cerca de 50% das terras e recursos hidráulicos vitais da Cisjordânia, dividindo o território em seis guetos. Jerusalém será completamente fechada. O muro destroi milhares de árvores e pomares e serve de pretexto para extensivas demolições de casas. Funciona como ferramenta para induzir o deslocamento forçado de palestinos. Atualmente, cerca de 257 mil pessoas que vivem em 60 localidades da Cisjordânia estão ameaçadas de deslocamento caso o muro não seja imediatamente demolido.

• Israel ignorou o parecer da Corte Internacional de Justiça de 2004 e as resoluções das Nações Unidas relacionadas ao muro: sua construção está em andamento, com cerca de 500 dos 790 quilômetros totais de comprimento já edificados. As graves e flagrantes violações seguem com ímpeto, portanto, e assim outras dezenas de vilarejos e centenas de milhares de pessoas terão suas terras subtraídas e seus meios de subsistência destruídos.

Indústrias aeroespaciais de Israel

A estatal IAI está entre as maiores empresas aeroespaciais e de “defesa” de Israel. Ela elabora produtos na área da aviação militar como Vants, jatos de combate e sistemas de artilharia, bem como sistemas terrestres, incluindo o kit de blindagem da escavadeira D9.

Em junho de 2008, a IAI firmou um acordo com a Synergy Group para estabelecer uma joint-venture visando trabalhar com potenciais mercados latino-americanos, focando o Brasil em especial. A nova empresa desenvolverá, integrará e apoiará vasta gama de produtos na área aeroespacial e de defesa e fornecerá serviços de aviação comercial. Em suas atividades na área de defesa, a joint-venture oferecerá produtos como Vants, sistemas de mísseis, radares, sistemas de combate e inteligência.

A IAI viola os compromissos constitucionais e internacionais do Brasil por seu papel de destaque entre as indústrias israelenses militares e de defesa. Como no caso da Elbit, seus produtos são utilizados pela IDF em seus contínuos ataques e repressão ao povo palestino:

• Kfir e Nesher são jatos de combate produzidos pela IAI, amplamente utilizados pela Força Aérea Israelense. Jatos de combate israelenses causaram mortes massivas de civis e destruição de infraestrutura durante os ataques a Gaza.

• A IAI é uma líder na fabricação de Vants, e, como a Elbit, é suspeita de fabricá-los como sistemas de mísseis. De acordo com relatos locais, esses Vants usados para ataque foram responsáveis por cerca de 120 mortes em Gaza, em apenas uma semana.

• A escavadeira blindada D9 é usada por Israel para demolir casas, invadir áreas densamente povoadas, como os campos de refugiados, e arrasar plantações. A D9 ganhou notoriedade em 2002, quando foram utilizadas escavadeiras desse modelo no campo de refugiados de Jenin. Desde 1967, mais de 23.500 casas palestinas foram demolidas por escavadeiras, e cerca de 1,2 milhão de oliveiras foram derrubadas, com as D9s contribuindo significativamente para essa destruição massiva.

• A IAI produz o barco de guerra Super Dvora Mark-III, usado pela marinha israelense para patrulhar a costa de Gaza. A marinha israelense frequentemente abre fogo indiscriminadamente, e sem provocação prévia, contra pescadores de Gaza que vão além da costa. Dezenas deles foram feridos nesses ataques. A marinha também deteve embarcações que levavam ajuda humanitária de extrema necessidade para a Faixa de Gaza sitiada. Recentemente, Israel reduziu os limites pesqueiros além da costa de Gaza, de seis para três milhas, a despeito de o Acordo de Oslo garantir aos pescadores de Gaza chegarem até 20 milhas náuticas além da costa. O Super Dvora será usado para assegurar o cumprimento dessa restrição ilegal.

III. Compromissos e obrigações nacionais e internacionais do Brasil

Constituição brasileira

De acordo com o artigo 4º da Constituição Federal, “a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I. Independência nacional;

II. Prevalência dos direitos humanos;

III. Autodeterminação dos povos;

IV. Não intervenção;

V. Igualdade entre os estados;

VI. Defesa da paz;

VII. Solução pacífica dos conflitos;

VIII. Repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX. Cooperação entre os povos pelo progresso da humanidade;

X. Concessão de asilo político.

Fica claro que o comércio com Israel, que envolve muitas empresas que diretamente contribuem com crimes de guerra e violações das normas estabelecidas pelo Direito Humanitário Internacional, contraria todos esses princípios.

Conceder a Israel um Tratado de Livre Comércio sob as condições atuais é equivalente a ratificar a recusa de Israel à autodeterminação do povo palestino e as repetidas guerras de agressão contra os povos da região, a última das quais o ataque a Gaza.

O TLC claramente contraria os princípios de cooperação entre os povos pelo progresso da humanidade e defesa da paz, uma vez que recompensa Israel por suas políticas atuais e práticas de violação sistemática dos direitos humanos do povo palestino.

Obrigações do Brasil segundo o Direito Internacional

O Brasil assinou e ratificou, entre outros, os seguintes tratados internacionais:

• as quatro Convenções de Genebra.

• a Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial

A Quarta Convenção de Genebra

A Quarta Convenção de Genebra declara em seu artigo primeiro:

As altas partes contratantes comprometem-se a respeitar e a fazer respeitar a presente Convenção em todas as circunstâncias.

O fato de as Nações Unidas terem falhado em cumprir seu mandato e garantir a aplicação da lei internacional na Palestina não exime seus estados-membros de agir. É responsabilidade de cada Estado garantir que as convenções internacionais sejam cumpridas e os direitos humanos respeitados.

Infelizmente não temos conhecimento de qualquer ação efetiva tomada pelo Brasil que possa contribuir concretamente para a aplicação do Direito Internacional na Palestina.

O Brasil se exclui das leis internacionais ao se eximir da responsabilidade de garantir o respeito à Quarta Convenção de Genebra e à decisão da Corte Internacional de Justiça. Entretanto, ao não ratificar o Tratado de Livre Comércio entre o Mercosul e Israel até que este Estado cumpra com as leis internacionais e resoluções da ONU pertinentes, o Brasil pode contribuir com o fortalecimento do Direito Internacional.

A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial

Conforme seu artigo 2º:

(b) Cada Estado-parte compromete-se a não encorajar, defender ou apoiar a discriminação racial praticada por uma pessoa ou uma organização qualquer;

(c) Cada Estado-parte deverá tomar as medidas eficazes, a fim de rever as políticas governamentais nacionais e locais e modificar, sub-rogar ou anular qualquer disposição regulamentar que tenha como objetivo criar a discriminação ou perpetuá-la onde já existir;

(d) Cada Estado-parte deverá tomar todas as medidas apropriadas, inclusive, se as circunstâncias o exigirem, medidas de natureza legislativa, para proibir e pôr fim à discriminação racial praticada por quaisquer pessoas, grupo ou organização.

Em 9 de março de 2007, o Comitê pela Eliminação da Discriminação Racial da ONU emitiu suas “Conclusões”, seguindo seu último relatório sobre a implementação da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial em Israel. Nessas conclusões, o Comitê destaca 25 áreas de preocupação e recomendações no que diz respeito ao comprometimento israelense com a Convenção em relação aos direitos dos árabes palestinos cidadãos de Israel e vivendo nos territórios ocupados. Entre essas áreas, estava a discriminação racial que sustenta as construções do muro e dos assentamentos.

Comercializar, e mais que isso, facilitar o comércio com assentamentos e companhias que estão envolvidas e se beneficiam da discriminação racial representa apoio material e político a tais atividades e contribui para sua perpetuação.

O Brasil deveria se recusar a contribuir com a perpetuação de políticas de discriminação racial israelenses e, conforme exigido pela Convenção, negar-se a ratificar o Tratado de Livre Comércio Mercosul-Israel.

IV. Princípios e diretrizes do Mercosul

O Brasil também é membro do Mercosul, que explicitamente relaciona acordos de comércio com direitos humanos, liberdades fundamentais e democracia:

• O Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul (junho de 2005) declara que democracia, desenvolvimento e respeitos aos direitos humanos e liberdades fundamentais são interdependentes.

• No artigo 4º da Declaração sobre os Direitos Humanos dos Presidentes do Mercosul e Estados Associados (dezembro de 2005), os estados-membros “reafirmam o compromisso com o respeito, proteção e promoção dos direitos humanos, com base nos princípios da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais; e se comprometem a aplicar as políticas públicas para assegurar seu exercício efetivo”.

Ao firmar o TLC com Israel, o Mercosul infringirá seus preceitos de promoção e respeito aos direitos humanos e seu entendimento da interdependência entre a tomada de decisões políticas e econômicas. Israel não respeita os direitos humanos e liberdades fundamentais. O TLC entre o Mercosul e Israel tornará o sistema israelense de violações dos direitos humanos mais lucrativo e sustentável.

• A Declaração Presidencial sobre o Compromisso do Mercosul com o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (Assunção, 20 de junho de 2005) declara: “Em atenção a ele [o Estatuto de Roma], se comprometem a não celebrar acordos multilaterais ou bilaterais com terceiros estados, que sejam suscetíveis de afetar as bases de jurisdição do Tribunal Penal Internacional ou outras disposições estabelecidas no Estatuto de Roma.”

• A Declaração Presidencial sobre o Compromisso Democrático no Mercosul (Potrero de Los Funes, 25 de junho de 1996), em seu artigo 5º, estabelece que “as partes deverão incluir uma cláusula de afirmação do compromisso com os princípios democráticos nos acordos do Mercosul com outros países ou blocos de países”.

Os princípios democráticos são posteriormente definidos no Protocolo de Assunção sobre o Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul (19 de junho de 2005): “[…] o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais são elementos esenciais da democracia.”

V. Conclusões

A Constituição brasileira, os tratados internacionais que o País ratificou e seu envolvimento com o Mercosul conferem ao Brasil uma clara responsabilidade de abster-se de fazer negócios e desenvolver relações com países e empresas que violem os direitos humanos e a lei internacional. Com efeito, em vista de seus compromissos nacionais, bem como sua filiação ao Mercosul, o Brasil está obrigado pela lei internacional a adotar medidas efetivas para dar fim à ocupação e colonização da Palestina por Israel. Em contraste, o Tratado de Livre Comércio com Israel abre brecha evidente nos compromissos e obrigações do Brasil no que respeita à defesa dos direitos humanos, das liberdades fundamentais, da democracia e da lei internacional.

O Tratado de Livre Comércio, como se apresenta, inclui explicitamente produtos provenientes dos assentamentos ilegais e não possui cláusula alguma que assegure que empresas envolvidas nos crimes de guerra israelenses não se beneficiem do acordo.

Como nação signatária de convenções internacionais sobre direitos humanos, e que incorpora os princípios dos direitos humanos à sua própria Constituição, o Brasil deveria:

• recusar-se a ratificar o Tratado de Livre Comércio Israel-Mercosul até que Israel cumpra com a lei internacional, a decisão da Corte Internacional de Justiça sobre o muro e todas as resoluções da ONU relativas à ocupação;

• empenhar-se por um efetivo embargo de vendas de armas a Israel e um estrito bloqueio a todos os produtos provenientes dos assentamentos ilegais; e

• cessar investimentos e relações econômicas com Israel ou com multinacionais envolvidas em violações de códigos éticos.

O Tratado de Livre Comércio Israel-Mercosul serve para minar os direitos humanos, na medida em que dá suporte a um violador serial de direitos humanos. O tratado, bem como a continuidade das relações econômicas com Israel, efetivamente sanciona e promove as violações de direitos humanos perpetradas por Israel, ao torná-las aceitáveis e lucrativas. O Brasil e o Mercosul devem pressionar Israel a respeitar os direitos humanos, recusando-se a ratificar o TLC.

Elaboração: Stop the Wall

Tradução: Adriana Christianini
(Movimento Palestina para Tod@s)