Aos 79 anos, Fatemaeh Al Kadour levou quase uma semana para conseguir chegar ao Fórum Social Mundial, em Belém do Pará. O motivo? É palestina, vive em um campo de refugiados no Líbano e aos 6 milhões de pessoas na sua condição é negado o direito de circular livremente. Sua história de resistência, determinação e tragédias foi contada durante atividade realizada no dia 30 de janeiro, no FSM. Ao seu lado, dois outros testemunhos de mulheres refugiadas na região comoveram a platéia. A iniciativa de trazê-las partiu da União de Mulheres da Jordânia, uma rede feminista no mundo árabe.
Fatemaeh é originária da cidade de Haifa, hoje Israel, uma das milhares de mulheres expulsas de suas casas em 1948 – quando foi promovida uma limpeza étnica da população civil palestina que garantiu as bases à criação do Estado sionista. Ela conta que os palestinos à época eram campesinos e viviam do que plantavam. “Não pensávamos em guerra. Surgiram as tropas sionistas fascistas e seus aviões começaram a atirar papéis.” As mensagens, recheadas de ameaças, eram claras: “Não os queremos aqui.” A isso seguiram-se os massacres sobre um povo desarmado, incluindo mulheres e crianças.
Fuga em massa
A Fatemaeh e sua família não restou outra alternativa senão deixar seu país, somente com a roupa do corpo. “Fomos para o Líbano e nos instalamos em um campo de refugiados da ONU (Organização das Nações Unidas. Era como um barraco, em que cada família de dez pessoas dormia em um quarto de 2x2m, sem janelas. Era dezembro e nevava muito.” Num campo de refugiados no Líbano, essa palestina vive até hoje em condições precárias, com sete de seus 14 filhos – cinco vivem espalhados pelo mundo e dois desapareceram nos massacres dos campos de Sabra e Chatila em 1982, em que foram assassinadas quase 7 mil pessoas. Desse campo, denuncia ela, as pessoas não podem sair depois das 20h, vigiadas por soldados libaneses. Seus filhos que vivem fora não conseguem visitá-la. O FSM serviu de ponte a que reencontrasse um deles, após 15 anos, o qual veio da Holanda a Belém do Pará para poder matar as saudades da mãe. Fatemaeh provocou os presentes: “Diante dessa situação, eu pergunto se todos que estão aqui não teriam interesse em regressar a sua pátria.”
A palestina Malikeh Al Ekair é refugiada dentro de sua própria terra – foi deslocada de sua aldeia natal, Abu Amar, também em 1948. “Saímos pensando que voltaríamos em um dia, uma semana. Passamos dez anos em tendas de campanha, enfrentando um calor infernal no verão e um frio terrível no inverno. Depois de uma década, a ONU construiu casas muito pequenas para nós.” Detalhe: nos campos de refugiados, essas submoradias não têm banheiro, que é coletivo. Malikeh tem dois filhos presos, outro perdeu um olho ao ser atingido por uma bala e um quarto foi assassinado, cuja foto exibia no FSM, ao lado das chaves de sua casa na Palestina, que ainda preserva 60 anos depois de ter sido expulsa. “Sigo conservando-as e vou passar aos meus filhos até que devolvam minha casa.”
Aasheh Al Ameer tinha apenas nove anos em 1967 e vivia em uma cidade no Norte da Palestina. Na Guerra dos Seis Dias, em que Israel expandiu a ocupação, anexando os territórios de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental, além da síria Golã, nem por isso foi lhe dada alguma chance. “Naquele ano, em junho, acordamos com ruídos de aviões sobre as casas, não sabíamos o que estava acontecendo. A história se repetiu igual a 1948. Quando fomos expulsos, minha irmã tinha sete anos e a outra apenas três dias de vida.” No trajeto para um campo de refugiados na Jordânia, a família foi obrigada a beber água suja e a comer grama, para não morrer de sede e de fome. “Vimos muita gente morta no caminho.” Mesmo no campo, houve ataques aéreos. Atualmente, ela se encontra em um deles e, assim como Fatemaeh e Malikeh – espera que o direito ao retorno a sua terra, reconhecido pela ONU, seja um dia cumprido. “A Palestina é minha pátria.”