Foto: Stella Oliveira/Ciranda
As quarenta e oito horas da viagem de volta de ônibus até Belo Horizonte me permitiram uma ampla reflexão sobre os vários momentos e emoções vividas durante o Fórum Social Mundial. Muito além do que desejos e retóricas, quem teve a oportunidade de participar deste importante evento, sentiu o vento das possibilidades soprarem sobre o calor típico da região.
Tendo Belém, capital do Pará, região amazônica do Brasil, como referência geográfica; janeiro de 2009, inverno (por Belém estar no Hemisfério norte, acima da linha do equador) como referência temporal e as crises econômicas, climáticas, ambientais, energéticas, o colapso do sistema financeiro americano, o esgotamento do neoliberalismo como modelo de organização política, econômica, social e cultural, o possível realinhamento do capitalismo, que segundo o próprio Marx, é auto-destrutivo, a eleição de Barack Obama nos Eua, que apesar da sua cor e ancestralidade e das enormes expectativas criadas, vai fazer de tudo para salvar o capitalismo e o imperialismo ianque, a crescente guinada para esquerda na América Latina e a solidariedade entre os paises periféricos, que juntamente com movimentos sociais exercem pressão para reestruturação de organismos internacionais e uma nova agenda mundial como algumas das referências analíticas, conjunturais e geopolíticas, este Fórum representa a união de vontades, intelectos, métodos e fazeres na perspectiva de mudanças na lógica global.
Tão certo quanto a chuva, que refrescava as altas temperaturas amazônicas, as propostas debatidas nas centenas de atividades do fórum permitiram a confirmação e a certeza de que outro mundo, muito mais do que simplesmente possível, se faz urgentemente necessário.
Aos que declararam o fim da história, vendendo a ilusão ditatorial de que não existem alternativas ao capitalismo, toda conjuntura atual denota o quanto estavam errados. A crise financeira abriu as entranhas da besta-fera e expôs o alto custo deste sistema, cujo intervessionismo do FMI e do Banco Mundial, onde atingiram seus sórdidos tentáculos, sustentaram a dilaceração de estados-nações através da macabra “receita de salvação” do neoliberalismo. Privatizaram o patrimônio público, dilapidaram direitos sociais, precarizaram serviços de necessidade primeira como saúde e educação, mergulhando nosso planeta numa jogatina planetária, consumindo a riqueza da maioria dos povos, mercantilizando a vida e patrocinando a morte.
Alguns paises, como o Brasil, com muito esforço, conseguiram através de seus movimentos sociais organizados barrar a sanha do mercado, deus invisível do capital, cujos governos reacionários e multinacionais são os mais fieis sacerdotes. Imaginem o que seria de nosso país hoje se tivéssemos deixado privatizar o BNDS, Petrobrás, Eletrobrás, Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal, importantes e estratégicos mecanismos de indução do desenvolvimento?
Com certeza, podemos afirmar categoricamente que a história não acabou. Porém, é preciso lutar, para quebrarmos as várias estruturas que sustentam este sistema injusto, excludente, antiecológico, concentrador, causador da fome, da miséria e da devastação em várias partes do mundo.
Lutar para que os paises hegemônicos assumam de vez a paternidade de todas estas crises, cujo DNA explicito é o próprio capitalismo, que como um câncer, se projeta infectando o corpo de nosso planeta. Os custos de todas estas crises serão enormes e não podemos deixar que joguem nas costas dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento a pesada carga da fatura.
E toda luta precisa de lutadores. Marina Silva, ex-Ministra do Meio ambiente do Brasil e eterna defensora das causa populares e ecológicas, de forma brilhante, explicitou na metáfora quixotesca, a luta militante, pois Dom Quixote lutava com moinhos de ventos achando que eram gigantes. Nós lutamos com gigantes acreditando sermos moinhos de vento.
E é a esperança o combustível que move estas milhares de pessoas de centenas de paises até este espaço de debate e reflexão, e acima de tudo de construção deste mundo que queremos. Um grande e caloroso abraço a todos que sonham, acreditam e acima de tudo, constroem cotidianamente, tijolo por tijolo, individual e coletivamente este novo mundo possível.