Um Fórum Social Mundial realizado na África suscitou, entre as
organizações, movimentos sociais e partidos políticos brasileiros, um
desejo de falar e refletir sobre as relações do país com o chamado continente
negro. O desejo e o esforço de levar o tema a Nairóbi estão explícitos
na lista de atividades propostas por entidades brasileiras. São
dezenas os debates e ações que focam desde as tentativas de superação
do racismo no país a como tem se organizado as iniciativas para pagar
a reconhecida “dívida histórica” com os descendentes de africanos.
Afinal, estes são, pelo menos, mais de um terço da população
brasileira.
Porém, a atividade cujo título explicitava claramente o intuito
tornou-se não um debate afro-brasileiro, mas praticamente apenas
brasileiro. Convocada por institutos ligados a partidos da coligação
que reelegeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva – os instituto
Maurício Grabois (PCdoB) e Perseu Abramo (PT) -, a mesa “Relações
Brasil-África” acabou contando apenas com palestrantes brasileiros. Um
representante do governo de Moçambique foi convidado pela organização,
mas não pôde comparecer.
A platéia também foi majoritariamente brasileira – e branca. Das cerca
de 40 pessoas presentes, apenas 5 ou 6 vinham de países africanos.
O que deveria, então, ser uma discussão sobre as relações entre o
Brasil e a África acabou se tornando uma explanação de intenções do
país latino-americano em relação ao continente que recebe, desde o dia
20, a sétima edição do FSM.
Mas pelo próprio diagnóstico feito pela convidada central do debate, a
ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Extraordinária de Promoção da
Igualdade Racial (Seppir), é possível perceber que, no fundo, a
composição e os caminhos do debate refletem o status de fato da
relação entre o país e o continente.
“Nós sabemos que estamos mais identificando desafios do que realizando
mudanças”, disse a ministra ao final do evento. A julgar pelo restante
de sua exposição, a frase não contém nenhum grau de pessimismo sobre a
efetividade das ações. Ao contrário, refere-se ao fato de a questão
racial – aí inclusa a relação política com a África – ter sido alçada
ao posto de “questão estratégica” nas políticas sociais apenas
recentemente.
O próprio movimento negro no Brasil reconhece o que chamam de
“avanços” do governo Lula na área. Foram seus representantes os
primeiros, de todos os movimentos sociais, a declarar apoio à
reeleição de Lula. No debate em Nairóbi, concordaram com a ministra,
com acenos de cabeça, em chamar Lula de “o primeiro presidente negro
do país”.
Ainda assim, o principal desafio apontado durante a discussão no
Quênia é o convencimento da elite que governa o país da importância
estratégica de uma aproximação com a África.
A própria ministra admitiu que “não dá para dizer que todos os setores
do governo tem esta visão da história”, referindo-se a uma abordagem
que reconheça o protagonismo do negro na construção do país e os
efeitos da escravidão e da abolição feita apenas por critérios
econômicos sobre a vida da atual população afro-descendente. “Mas esta
é a visão do presidente Lula”, garantiu Matilde.
A questão, aqui, parece ser provar que razões “não tradicionais” devem
pesar a favor da decisão de priorizar estrategicamente a África nas
políticas de relações internacionais. “Nós temos interesses econômicos
e políticos, mas temos também interesses culturais, históricos,
sociais, baseados no reconhecimento histórico e na solidariedade”,
afirmou Matilde.
Para a vereadora Olívia Santana, do PCdoB de Salvador, o Brasil tem
também razões “tradicionais” para “refazer o caminho entre o Brasil e
a África”. Segundo ela, o país precisa pensar na sua forma de inserção
na geopolítica internacional. “Se temos que enfrentar a hegemonia
norte-americana e de países europeus, é preciso estabelecer novas
relações, que fortaleçam um novo pólo político”, afirmou. Falta saber
se os países africanos estão mesmo dispostos a encarar esta tarefa.