Na travessa, ou melhor, Passagem Silva Castro, bairro do Guamá, em Belém do Pará, crianças adolescentes como Adriane, Macinaldo, Bruno, Pop Joilson, Leandro, Alexandre, Amanda e até vó Lourdes, que chega um pouco antes da chuva das 5h — pois parece que chove sempre nos horários ímpares –, contam-me, comunicam, e a mídia é a rua, histórias de Matita Pereira, Mãe D’água, Maria e João do Igarapé e até mesmo da Moça do Táxi, tão difundida pelo Gugu, pois trata-se, segundo a lenda metropolitana de Belém do Pará, de uma moça que habita o cemitério aqui do Guamá e que, de acordo com as crianças e os adultos desse lugar, anda de táxi, mas quando desembarca pede ao taxista que se dirija a uma certa casa, onde a corrida será paga pelo senhor seu pai, mas “quando o taxista chega por lá”, encontra o velho pai que lhe diz que a moça morrera já faz um bom tempo. “Eita história de arrepiar”, afirma o menino Macinaldo, morador desse bairro, que tem essa rua especialmente de paz, sem violência, uma grata exceção, pois o Guamá é efervescente em tudo, no cultural, social, e também na violência.
Eita, calor danado! E as crianças nesse espontâneo Minifórum Social, até mesmo de Mídia Livre, já que a rua, ou melhor a passagem, é ocupada como espaço de comunicar, ensinam-me geografia sobre a Baía do Guajará, o Rio Guamá. A partir de suas narrativas, viajo com o pensamento até a Ilha de Marajó. E o menino Bruno conta causos dos Igarapés que são de arrepiar, como também arrepia a realidade da Região Metropolitana de Belém do Pará. E numa demonstração de apreço e carinho, orientam-me a não andar “por aí de celular”, nem como se estivesse no Grão Pará, escoltado por portugueses da Metrópole, em total segurança real. Se os Tupinambás têm tecnologia, como diz o locutor da Rave, num agito tecnocarimbó ou tecnobrega, as coisas não são assim tudo na santa paz.
Assim nesse micro espontâneo local, acontece para minha felicidade e da garotada, um micro Fórum, pois seus familiares se aproximam, percebo que Belém está plenamente identificada, ou melhor, o estado do Pará, com os eixos temáticos que serão discutidos, conversados e debatidos no Fórum Social Mundial, pois vem à mente a freira Dorothy, a prostituição infantil, as madeireiras ilegais, e nessa viela parecida com tantas outras do Jardim Lapenna, crianças e adolescentes conhecem e contam histórias, feito Pororocas estabelecem encontros de culturas diversas. Nesse contar, somente falta um detalhe: atividades destinadas a eles tanto no Fórum Social como no de Mídia Livre aqui em Belém do Pará.
Mas os caminhos, o espaço geográfico se tornou perigoso, e não é de hoje, segundo Suely, a dona da casa a qual me encontro. Penso na possibilidade de não cantar “adeus Belém do Pará”, que tem tantos exemplos de iniquidades e desigualdades e com tantos mártires anônimos, nessa luta por justiça e dignidade.
Já é segunda-feira, aqui estou no Fórum Mundial de Mídias Livres, e soube que muitas rádios comunitárias foram fechadas e os radialistas estão presos, mas sinto-me livre para escrever o que sinto e ainda mais convicto de que fazer comunicação comunitária é preciso, pois difundir também é preciso, tudo que é necessário contextualizar sobre esse mundo. E nesse momento vêm à mente os jovens maravilhosos do Lapenna, do Quênia, da Namíbia, do Sudão, da Costa do Marfim, Nigéria, Ruanda, Sérvia, Faixa de Gaza, Israel, Quito, Palestina, La Paz, Caracas, enfim todos, com seus microfones, câmeras, jornais, internet. Visualizo então o deslocamento de uma mancha positiva, como outro dia me disse o mestre amigo Mauro, uma mancha de uma juventude conectada na mudança. Certo de que existem pessoas comprometidas com esse Fórum permanente que se estabelece, com reflexões e pressão social salutar em nome da vida, em nome de uma comunidade global, que necessita transmitir e propagar toda a sapiência, cultura e sabedoria de cada lugar, encho-me de esperança e vontade para continuar, todo o trabalho com aquela rapaziada surpreendente e perspicaz de São Miguel Paulista, na periferia paulistana, que em tantos aspectos se parece com essa do Guamá, daqui de Belém do Pará.