Ao aproximar-se a realização do Forum Social Mundial em Belém, basta conferir as tonelagens métricas e as cifras envolvidas na exploração mineral em uma das maiores províncias minerais do planeta, e analisar a síntese do geógrafo Aziz Ab’Saber sobre a região de Carajás, que abrange o Sudeste do Pará, o Oeste Maranhense e o Norte de Tocantins, para concluir que a pobreza e o desmatamento na Amazônia, particularmente no Estado do Pará, não são fatalidades nem casualidades.
“Para se compreender o que se passa com a região de Carajás é necessário observar a ótica dos empresários siderúrgicos e acompanhar o seu clássico raciocínio de viabilidade econômica e técnica de projetos mínero-metalúrgicos em regiões de baixo padrão de desenvolvimento social. Tudo é computável no balanço das viabilidades, menos os custos ambientais ou os impactos sociais negativos”, afirma o cientista no artigo “Gênese de uma nova região siderúrgica: acentos e distorções de origem na faixa Carajás/São Luís”, elaborado em 1987, por solicitação da estatal Companhia Vale do Rio Doce.
O alerta do aquecimento global, principalmente após os relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), mostram a importância de se compreender com mais exatidão o que acontece em áreas especiais da Amazônia.
É necessário modificar o quadro em que uma região rica em biodiversidade e conhecimento de populações tradicionais da Floresta Amazônica, contendo gigantescas reservas minerais e repletas de assentamentos da reforma agrária apresentam níveis de pobreza e índices de desmatamento tão elevados. Quais serão as propostas governamentais e da sociedade civil para a região? Como garantir melhores condições de vida aos habitantes e aos que continuam migrando para a região, atraídos pela esperança de melhores condições de vida?
Desde o início da jornada nacional de lutas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), milhares de famílias ligadas à organização passaram a ocupar, já por algumas vezes, a Estrada de Ferro Carajás – EFC, na região de Parauapebas, Estado do Pará. De acordo com lideranças do MST, o modelo econômico praticado na região está fundado na “exploração até o limite do intolerável da nossa biodiversidade e do nosso povo” e a Vale “é uma das principais responsáveis por esse modelo”.
Oito municípios da região sobrevivem dos royalties da exploração mineral. Dos últimos eventos minerais descobertos, 70% estão no Pará. Todos esses eventos culminam na Vale. Discutir mineração hoje é discutir o modelo Vale do Rio Doce. Há muitas glebas de reforma agrária no Sul e Sudeste do Pará, mas o modelo se encontra em crise.
O paradigma da pequena propriedade foi mantido para os assentados. O Estado não oferece e nem propõe incentivos, especialmente crédito e assistência técnica para um modelo mais adaptado à realidade do bioma amazônico, de forma satisfatória. E o pior: nos documentos públicos divulgados, quando das ocupações realizadas, o MST critica a falta de investimentos da Vale na infra-estrutura social da região, posto que a companhia não paga tributos para exportar por determinação da Lei Kandir. Um dos pontos centrais da pauta dos camponeses é o aumento de 2% da alíquota da Contribuição Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), cobrados sobre o faturamento líquido, para até 6%.
Além disso, por outro lado, de acordo com as convenções nacionais vigentes, quanto maior a utilização dos recursos naturais, maior será o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Mas não são levadas em conta as perdas de ativos não-produzidos, ou não-renováveis, decorrentes da exaustão. Em suma, o modelo atualmente adotado pelos Sistemas de Contas Nacionais dá ênfase à determinação do nível corrente da atividade, mas não apresenta soluções satisfatórias para conter a exaustão ou contínua degradação dos recursos naturais ao longo do tempo.
Um exemplo claro da “despreocupação” com as perdas de recursos naturais é o que ocorre no tratamento dispensado à extração de recursos minerais. A estimativa do valor adicionado para essa atividade é obtida pela diferença entre o valor bruto da produção e o consumo intermediário, que leva em consideração despesas com insumos e operações industriais e outras despesas correntes como impostos, taxas, royalties e outras compensações que não envolvem o pagamento das rendas primárias.
O valor adicionado é distribuído entre remunerações a empregados e excedente operacional. Ou seja, o excedente da extração mineral equivale à diferença, na ‘boca da mina’, do valor de venda do minério menos os custos correntes de extração; porém, a extração de minério implica na diminuição do estoque de ativos não produzidos ou de estoques ambientais. Por fim, o valor monetário dessas perdas acaba embutido na receita do minerador, mas não deveria fazer parte da sua renda. Lamentavelmente, nenhum esforço é feito para retirar do excedente o valor econômico das perdas, o que contabilmente equivale ao absurdo de considerar inalterados os estoques das reservas minerais mesmo após a extração.
O MST exige um programa social de caráter emergencial, em parceria da Vale com os governos federal, estadual e municipal para a construção de moradias populares, postos de saúde, hospitais regionais e de um amplo programa de educação para a erradicação do analfabetismo e garantia de acesso à universidade publica gratuita e de qualidade.
Pede ainda a instalação de unidades produtivas e programas que garantam a geração de mais empregos, renda e diversificação da economia no campo e na cidade; a construção de escolas técnicas profissionalizantes que os atenda nas áreas da agricultura, da indústria e do comércio; o repasse sistemático de recursos dos acordos estabelecidos entre a Vale e as comunidades indígenas impactadas; e a definição de uma agenda para discussão dos projetos minerais da companhia com os movimentos sociais.
A lista de reivindicações, conforme divulga a companhia em notas públicas, “não guarda qualquer relação com a Vale” e cabe aos governos estadual e federal a condução do processo de negociação com os sem-terra. “A Vale reafirma seu repúdio a este tipo de prática criminosa, que vem sendo repetidamente usada pelos integrantes do MST, que novamente põem risco a segurança de nossos empregados, a livre circulação do trem de passageiros, bem como o abastecimento de combustível para os municípios do Sudeste do Pará, que têm na EFC sua principal rota de transporte”, adiciona o comunicado empresarial, que lamenta a “surpreendente” interrupção por parte do MST das conversações com autoridades federais e estaduais.
Outro exemplo: em outubro de 2006, as minas de Carajás foram ocupadas pelos índios Xicrin, das aldeias Catete e Djudjekô, depois que a Vale impôs um novo acordo de compensação financeira aos povos locais. A ineficiência do modelo de gestão dos recursos fora utilizada pela empresa para propor a redução do repasse anual de cerca de R$ 9 milhões, equivalente ao recurso extraído em apenas algumas horas de atividade das minas de Carajás, destinada diretamente aos índios, que vinha sendo realizado desde 1989.
Decisões da Justiça do Pará e ações protocoladas pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) determinaram o pagamento aos indígenas e a realização de um diagnóstico etno-ambiental da comunidade para posterior implantação de um conselho institucional de gestão com participação dos Xikrin. A última das decisões, assinada pelo juiz federal de Marabá, Carlos Haddad, designou a empresa a assumir os investimentos de R$ 1,34 milhão de projetos apresentados pela FUNAI para custear a infra-estrutura de uma nova aldeia Xikrin, incluindo posto de saúde, sistema de abastecimento de água e uma pista de pouso.
A Vale recorreu do despacho sob a justificativa de que o “Convênio/Termos de Compromissos entre a Companhia e os índios foram validamente rescindidos em 31 de outubro de 2006, diante da ocupação dos índios das instalações da companhia em Carajás, e que a empresa não poderia ser obrigada a “assumir responsabilidades primárias do poder público”. A Vale apresentou até uma denúncia, no mínimo curiosa, contra o governo brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) pela “ausência de políticas indigenistas”.
Enquanto isso, os números divulgados nos balanços da Vale mostram aumentos de dezenas de milhões de dólares nos gastos com publicidade e propaganda, para demonstrar que são ambientalmente corretos. Os lucros líquidos da empresa são de bilhões de dólares, praticamente o dobro do que compõem todo o Produto Interno Bruto do Pará, 13ª economia do País na divisão por estados.