Faz tempo que o conceito de soberania alimentar está presente nas discussões de um outro modelo de desenvolvimento para os povos da Terra; de conceito virou princípio, e hoje é um direito humano pelo qual temos que lutar. Esta foi a introdução de Mario Almada, do CIP – Comitê para a Soberania Alimentar, ao abir a mesa que lotou a Tenda Panamazônica, na UFRA, nesta sexta-feira.
Para o ativista chileno, o modelo neoliberal gerou na América Latina não apenas uma crise econômica, mas uma série de crises: crise da produção, crise ambiental, crise no trabalho e crise social. A primeira gerada pelo desenvolvimento do agronegócio e da agroexportação, com a implantação de monocultivos em nossos países,que acabamo sistema de produção camponês e indígena, promovendo o deslocamento de fronteiras e destruindo a biodiversidade.
A privatização dos recursos naturais – terra, água, biodiversidade – faz cada dia mais camponeses perderem seus recursos enquanto promove a concentração da riqueza, a poluição e contaminação do solo, dos rios, do meio ambiente por insumos químicos e agrotóxicos. A questão dos preços passa a ser fundamental – duplicaram entre 2005 e 2008, e afetam os setores mais vulneráveis, já que os preços são negociados no mercado mundial, de uma forma especulativa.
Aumenta o desemprego e o subemprego, com falta total de proteção do Estado, sobretudo na agricultura. Com isso, a migração é intensa, aumentando a pobreza nas cidades e a violência rural. Segundo Almada, as mulheres sao as que mais sofrem, já que existe uma feminização do trabalho agrícola, pois elas sentem-se obrigadas a trabalhar para manter seus filhos.
Lucia Ortiz chamou a atenção sobre o tempo curto para reverter a situação e possibilitar a vida e a convivência no planeta. “A crise climática e financeira é resultado da sociedade capitalista exploradora dos trabalhadores e da natureza”. Para Lucia as soluções apresentadas são falsas, pois reproduzem o mesmo modelo, como os novos combustíveis apresentados – etanol, carvão verde, ou novas modalidades tecnológicas. “Todos os ajustes do modelo são feitos para não recair sobre os maiores responsáveis, e pergunta: para que? para quem? essa troca de fonte energética está sendo utilizada?”
A geóloga e coordenadora da Amigos de la Tierra falou também sobre as velhas “soluções” que jogam para o futuro mais problemas, como as usinas nucleares, as barragens, os transgênicos e o controle das sementes. Ironicamente, Banco Mundial e BID detem fundos para implementar esses projetos e depois oferecem ajuda financeira às populações afetadas; e ficam os países não responsáveis pelos problemas endividados novamente por falsas soluções. Citando exemplos de ações dos governos da Bolívia e do Equador, e a necessidade da campanha pela nacionalização do petróleo no Brasil, Lucia defendeu a reforma agrária e a diversificação da produção, a soberania energética dos povos, a economia solidária, para pensarmos num novo modelo para a AL que promova o bem viver.
Miriam Nobre, da Marcha Mundial de Mulheres, relatou experiências com as quebradeiras de côco da Amazonia, para ilustrar a percepção das mulheres para a mudança de clima. Para ela, “as falsas soluções tentam adequar o tempo da natureza ao tempo necessário ao capitalismo”. Citando o emblemático exemplo do eucalipto, que cresce rápido e tem a celulose até utilizada na fabricação de salsichas,exemplo típico da alimentação rápida, a presidente da MMM defendeu que revertamos rápidamente a organização do tempo, com a conquista da diminuição da jornada de trabalho e a divisão do trabalho doméstico entre homens e mulheres, por exemplo.
Outra analogia foi feita por ela em relação ao papel dos supermercados, e chamou a atenção de como o sistema das Nações Unidas vem se apropriando do discurso agroecológico, assim como se apropriou do discurso das feministas, criando inclusive confusão entre nós.
Abrindo o debate com os participantes, Josie Riffaud, francesa da Via Campesina, lembrou do encontro climático da ONU que irá acontecer em Copenhagen no final do ano, solicitando ações em todos os países. Lembrou de incluir nas falsas soluções as nanotecnologias que tentam fertilizar oceanos ou controlar a chuva e finalizou dizendo que “conforto não é sobreconsumo, que é absurdo, não deixa as pessoas felizes, basta ver o aumento de pessoas depressivas na Europa”.