Um terço dos habitantes de Nairóbi, no Quênia, vive na maior favela africana: Kibera. Essa cidade esquecida, de quase 800 mil habitantes, costuma ficar fora dos roteiros turísticos do país. O cenário da próxima edição do Fórum Social Mundial, que será realizada entre os dias 20 e 25 de janeiro, coloca os participantes diante de uma verdade implacável e urgente: um outro mundo não só é possível como indispensável.
Muita expectativa envolve a edição africana do FSM. Não só porque o evento tem um forte caráter agregador – a participação dos países vizinhos é sempre muito intensa -, mas também pela necessidade de se colocar a África na linha de frente do combate à fome e à pobreza. “A cor desta edição do FSM será diferente, sem dúvida. E esperamos que seja melhor e que a África, berço da humanidade, ganhe com o Fórum, um espaço mais central nas preocupações do mundo”, afirma Francisco Whitaker, membro do Comitê Organizador do Fórum Social Mundial e da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
No ano passado, Bamako, em Mali, já tinha dividido a sede do Fórum com mais dois países: Venezuela (Caracas) e Paquistão (Karachi). Mas é a primeira vez que um país africano recebe sozinho o evento principal do FSM. Em 2001, 2002 e 2003, o evento global aconteceu em Porto Alegre (RS). Em 2004, foi realizado em Mumbai, na Índia. Em 2005 voltou para Porto Alegre. E, finalmente, no ano passado, foi feita a experiência do Fórum policêntrico.
Francisco Whitaker conta que o Fórum de Nairóbi terá duas características especiais e inovações metodológicas importantes. “O quarto dia será reservado para pensar a ação para os próximos anos. Vamos discutir o espaço organizado, os objetivos etc. A outra coisa é que as atividades do meio-dia serão só para temáticas africanas”, explica Whitaker.
Para Ricardo Mello, coordenador de comunicação do Centro de Ação Comunitária (Cedac) e coordenador da Abong-Sudeste, o Fórum de Nairóbi será um desafio e um marco ao mesmo tempo. “Na história dos movimentos sociais, talvez as atenções nunca tenham se voltado tanto para o continente africano. E, por conseqüência, para as mazelas, suas causas e as dificuldades inerentes a uma sociedade com as políticas públicas em frangalhos”, acredita.
Segundo ele, entre os temas que deverão receber mais destaque nesta edição, estão as questões relacionadas ao meio ambiente e ao uso e soberania sobre os recursos naturais. Além disso, Mello destaca os debates referentes aos processos de integração política e econômica em curso. “Como os que pretendem promover uma cultura de paz diante dos conflitos potenciais em níveis nacional e mundial.”
O representante da Abong acredita que as questões africanas terão, inevitavelmente, uma atenção especial nessa edição. “O esgarçamento secular de um tecido social imposto pelo ocidente escravocrata e a desigualdade racial em suas diversas formas de manifestação serão, e com toda propriedade, a tônica forte desse FSM”, prevê.
Segundo Cândido Grzybowski, diretor do Ibase, há uma grande mobilização local pela realização do Fórum. “Depois da África do Sul e do Senegal, o Quênia é o país que mais tem organizações sociais”, diz. Ele conta ainda que a organização estava preocupada com o valor que seria cobrado de cada participante local, pois uma das formas de buscar a autonomia do Fórum é cobrando mais. “Chegamos à quantia de 5 euros e, em Kibera, estão desde outubro fazendo eventos e rifas para conseguir essa quantia e achando importante conseguir fazê-lo”, conta.
Uma das preocupações tanto dos participantes quanto dos organizadores é como fazer do Fórum um evento cada vez mais mundial. “No ano que vem, decidimos não ter mais um evento central. Teremos jornadas de mobilização na última semana de janeiro, quando acontece o Fórum de Davos. Será uma experiência diferente para tentar dar um caráter mais horizontal ao evento. Mas com um dia comum de mobilização”, explica Grzybowski.
Para Ricardo Mello, da Abong, colocar o FSM na agenda mundial ainda é um grande desafio para os participantes e organizadores. “Não podemos dizer ainda que o mundo já o tenha inserido em sua agenda, pelo menos no sentido a que o Fórum se propõe. Mais do que sublinhar a fome, a pobreza, a miséria e principalmente a desigualdade extrema, com o olhar focado sobre a África, o FSM busca inserir na pauta global a necessidade urgente de modificações profundas”, afirma. Segundo ele, o Fórum é um processo em que se discute e a sociedade civil acumula conhecimento para elaborar suas proposições.
“É onde a sociedade civil se qualifica para elaborar propostas e construir estratégias para sua implementação, no sentido de promover mudanças efetivas na sociedade injusta e desigual contra a qual nos voltamos – ONGs, movimentos sociais e múltiplos atores que se somam ao processo”, acredita Mello.