A sensação em Nairóbi era de desconforto. Na África, as contradições da vida contemporânea adquirem o gosto amargo da realidade nua, crua, ao vivo e a cores. Um Fórum Social em crise discutiu os destinos da próxima edição, provavelmente em 2009 no Brasil, em Salvador ou Curitiba.
Nairóbi expôs as feridas e fragilidades do maior encontro internacional contra o imperialismo e o neoliberalismo. Enquanto quenianos ávidos por representação e participação acotovelavam-se no portão de entrada do Moi Sports Center em busca de um lugar ao sol, comerciantes de todas as tribos ocupavam o solo em busca da oportunidade de sobrevivência. Suecos, canadenses, estadunidenses (a maior delegação do Fórum, seguida da brasileira) consumiam roupas, artesanatos e bugigangas.
Na entrada, havia caminhões da CelTel, uma multinacional de telecomunicações. O restaurante era a maior rede fast-food local e o preço do almoço, impagável para boa parte dos quenianos. Uma manifestação no terceiro dia rompeu a porta de entrada, que acabou liberando os “locais” do pagamento de U$ 20 dólares, necessários para dar voz aos excluídos. Uma mulher Malai me disse que os U$ 6 cobrados por uma refeição equivale ao custo da comida da semana para ela e toda a sua família, de 7 crianças. Ela e cerca de 100 manifestantes locais invadiram o restaurante ao som de tambores e gritos de ordem, expulsaram os clientes e banquetearam à vontade e de graça.
A chamada “cultura local” nunca foi tão indigesta e incômoda. A sensação de desconexão com os problemas reais do planeta era evidente. O desconforto diante da impunidade do neoliberalismo está atrelado à agonia de um movimento que luta para não tornar-se inócuo.