O padrão de poder dominante é um só nos quatro
cantos do mundo. E o Fórum Social Mundial na África contribuiu para
reproduzir os paradoxos desse mesmo padrão de poder. A perspectiva
apresentada pelo sociólogo peruano Anibal Quijano, intelectual de destaque na produção acadêmica contra-hegemônica, sintetiza uma série de manifestações que ocorreram durante esta sétima edição do FSM.
Para Quijano, duas são as características centrais desse padrão (hoje
universal) de poder: a colonialidade do poder (ou o colonial moderno), que
se fundamenta na idéia de raça, e a escravidão dos trabalhadores, na qual
o controle do trabalho tem atingido altos níveis sem precedentes. “Não se produz mais emprego, mas desemprego”, resume o sociólogo, remetendo à superexploração da força de trabalho que caracteriza o cenário de paradoxo instalado entre Estado e não-Estado, mercado e não-mercado.
“O padrão de poder que faz parte da nossa vida tem muitos paradoxos. A
colonização da África se deu no século XVIII. O capitalismo se dá com base na escravidão e na exploração servil. Não se trata de uma seqüência. O sistema foi constituído sobre essa base. E é muito interessante que a idéia de raça continue sendo aplicada. Somos atualmente seis bilhões de pessoas no mundo, mais ou menos, da espécie homo sapiens. E o nosso ancestral, o fóssil mais antigo, foi encontrado aqui no Quênia há 200 mil anos”, comentou Quijano. “É fascinante estar aqui [no Quênia] de novo, mas é frustrante se dar conta de que não foi possível estabelecer um trabalho e uma comunicação com o povo da África. Pelas condições, ainda existe aqui uma hierarquização muito grande. E o trabalho deveria ter sido muito mais embaixo. Agora mesmo, nesta semana de Fórum Social Mundial, seria preciso descer muito mais. Não há sentido se não for assim. Se o trabalho ficar apenas no nível da burocracia das lideranças, estaremos mantendo a mesma hierarquia que o capitalismo impôs aqui. A única forma de romper com isso é começar a partir dos de baixo”. Para Quijano, subverter e destruir a reprodução do padrão de poder é a principal tarefa colocada para as forças políticas progressistas. A chave, segundo ele, não está apenas na organização dos movimentos sociais, mas na aferição dos movimentos de toda sociedade.
Do modo como foi organizado o encontro, enfatiza o peruano, “algo não
caminhou”. “A primeira coisa que é muito importante é que para entrar
no Fórum foi necessário pagar. Não pode ser assim. Foi mantida, na forma
de organizar o encontro, a lógica paradoxal do mercado e não- mercado”.
A declaração do Comitê Internacional Ndugu, formado por jovens negros
militantes do movimento hip hop, coincide com as reflexões de Quijano. O
coletivo realça que o povo africano não pode se desenvolver economicamente e politicamente sem que seja restabelecida a fundação cultural e sem que o mesmo povo esteja sustentado nos seus próprios valores. “Infelizmente, nós sentimos que, a despeito do fato de que Fórum Social Mundial tenha ocorrido na África, não foi realizado um trabalho suficiente voltado para as questões particulares da África e do povo africano”, coloca o comitê. O Fórum, segundo eles, também impediu a plena participação dos povos africanos cobrando preços altos pela admissão, pela comida e pela água. “Nós resolvemos que temos que organizar imediatamente um Fórum Mundial dos Povos Africanos separado, antes da participação de qualquer outro Fórum Social Mundial”.
A esquerda, complementa o sociólogo venezuelano Edgardo Lander, aprofundou durante muito tempo outros padrões de poder como a manutenção da luta do ser humano contra a natureza, por exemplo. Nesse contexto, o padrão de conhecimento europeu – como sujeito único que reduz sabedorias de outras origens como primitivas e inferiores é um dos principais alvos de Lander. O venezuelano defende a multiplicidade de conhecimentos e a autonomia dos povos em prol de um valor fundamental: ser a favor da vida.
Renovar o conceito de luta política. Essa é a pedra de toque na opinião de
Hillary Wainwright, editora da revista Red Pepper. O desafio para os vários atores hoje, discorre, está na multiplicação e não no monopólio e as
relações tendem a ser estabelecidas mais por meio de conexões do que nos moldes de uma unidade monolítica.
“Diversidade não é fraqueza”, adiciona Hassan Lorgat, dirigente da
representação da ONG Transparência Internacional na África do Sul. Lorgat ainda identifica um certo purismo e legado de preconceito na disputa entre os diversos setores da esquerda. “Todos exploram a África, inclusive a América Latina”, provocou. “Até os que dizem que não são sectários, ainda continuam sendo. Não basta resistir. Temos potencial e podemos agir. Ainda vejo muita idéia pronta”