Foto de Ana Facundes: Campanha alerta para a ocorrência de estupros a cada meia hora
A jornalista Helen Shiko é uma das ativistas da iniciativa M.A.U que participaram das reuniões de formaçao de voluntários(as) prévias ao FSM, como forma de contribuir com as atividades do encontro em Nairóbi e também de driblar o custo do credenciamento para outros tipos de participação, considerado muito alto por quem vive no Quênia.
Não foi a única forma de ajudar encontrada por Helen. Além das atividades culturais e artísticas realizadas pelo grupo M.A.U., ela mantém um programa de rádio dirigido à população de Korogocho, terceira maior favela do país, e que trata só de assuntos relacionados às condições de vida e direitos das mulheres.
O programa faz parte da grade de programação da Radio Koch e foi mais uma mídia popular a preparar o espírito da comunidade para o FSM. Após a reunião de voluntários, na semana anterior à abertura do encontro mundial, Helen Shiko falou à Ciranda especialmente sobre o seu programa, “Força de Mulher”, criado por ela para conversar com a comunidade onde viveu a infância.
“Nasci em Korogocho. Vi como as mulheres vivem lá. Lembro que minha mãe tinha que sair cedo para trabalhar e voltar tarde à noite para me sustentar. Violência doméstica sempre foi um problema. As mulheres eram espancadas”, conta Hellen, que se recorda dos casos assustadores que provocaram sua decisão de tratar do tema na mídia popular.
“O que me fez querer fazer um programa de rádio para as mulheres foi o que aconteceu cinco anos atrás, quando uma mulher foi fatiada por um homem em casa durante a noite”, relata. Quando ela era criança, muitas meninas eram estupradas, sem defesa.
“Havia gangues de estupradores que iam à sua casa e obrigavam sua mãe a deixar que você fosse com eles”. Do contrário, ela explica, os criminosos atiravam na mãe e estupravam a filha assim mesmo. “ Então, você ia com eles, acabava grávida”. Helen deixou Korogocho por segurança. “Eu tinha cerca de 8 anos e saí de lá porque era muito perigoso”.
Estupro e violência não são exclusividade de Korogocho. Em Nairóbi, cartazes espalhados pela cidade alertam que, a cada 30 minutos, uma mulher é estuprada na cidade. No hospital de mulheres, as responsáveis pelo plantão informam sobre uma média de 15 casos diários de vítimas que acabam precisando de socorro médico, em razão de abusos nas ruas ou no seio da família.
As campanhas fazem parte de um processo lento de mudança que, em Korogocho, começou a ser percebido nos útimos anos. Segundo Helen, as mulheres tornaram-se mais “empoderadas”. Há vários grupos na comunidade hoje que dão assistência às mulheres, as que são vítimas de violência, as que foram contaminadas pelo HIV, por exemplo. São todas iniciativas comunitárias, segundo ela, sem a participação do governo. “ Se fôssemos esperar por providências do Estado, as mulheres estariam todas mortas”, lamenta. A Justiça também tem uma enorme dívida com as quenianas. “Os casos de estupro não são investigados até o final”.
O trabalho de Helen, assim como de toda a programação da Rádio Koch, combina informação, entretenimento e educação. “A maneira como se educa uma criança vai determinar que tipo de pessoa ela será”, diz Helen, que acredita ter tido sorte de ir para escola e se tornar jornalista. “Quantas pessoas em Korogocho podem fazer isso?”. Sua pergunta é facilmente respondida, quando se observa que na comunidade não há escolas públicas ou gratuitas a partir do primeiro grau e a renda geralmente não alcança 30 dólares por mês. Sem emprego na cidade, as perspectivas não são boas para quem vive em Korogocho. “Quantos, especialmente mulheres, podem ter um pequeno negócio?”, insiste Hellen.
“Então, meu programa tem o objetivo de chamar a atençáo das mulheres para a necessidade de mudar sua própria situação. Elas têm que dar o primeiro passo. Falamos sobre violência doméstica, meio ambiente, direitos da mulher”.
Cerca de 500 mil pessoas ouvem “Força de uma mulher”.