Saida Ali, de 30 anos, é uma feminista do Quênia e se destacou nessa edição do FSM por defender uma maior inclusão de jovens na luta feminista: “as vozes das gerações mais novas que se assumem feministas são poucas e não costumam ser escutadas”. Ela define assim o trabalho de sua organização, a “Young Women’s Institute”, de Nairóbi: “somos contra o imperialismo, contra qualquer tipo de discriminação e opressão às mulheres. Lutamos contra qualquer tipo de violência contra mulher, contra o tráfico de mulheres, contra a circuncisão feminina, contra o absurdo de não enviar as meninas para a escola”.
Quais as principais lutas do feminismo no Quênia?
Um grande problema aqui é que a herança familiar é dada exclusivamente para os homens. Se o marido morrer, a herança passa automaticamente para outro homem da família, seu irmão etc. Isso é um problema sério, as chances dessa mulher são limitadas e ela torna-se subordinada a esse homem. Ela tem que se relacionar com ele como se fosse seu dono e protetor. Isso expressa a visão de que uma mulher precisa de proteção e de cuidados de um homem. A tradição faz com que a mulher também seja parte dessa herança, sendo mais um complicador no que diz respeito à transmissão do vírus HIV. Ainda persiste também a circuncisão feminina. Os materiais são muitas vezes utilizados em várias meninas, um outro fator que contribui, para além de outras doenças, na transmissão do HIV.
A circuncisão acontece com freqüência?
Sim, essa prática varia de acordo com a comunidade. No Quênia, cerca de 80% das comunidades ainda fazem uso dessa prática. Entre os Somalis, por exemplo, são cerca de 95%. Isso está mudando. Essa prática traz sérios problemas de saúde e é uma violação dos direitos das mulheres. Isso interfere em sua vida sexual, seu direito de ter prazer entre outros fatores.
Como é o movimento feminista jovem no Quênia?
Estamos tentando nos fortalecer, mas o movimento feminista jovem ainda não tem a mesma força de outros movimentos. As vozes das gerações mais novas que se dizem feministas são poucas e não costumam ser escutadas, ainda que isso esteja começando a mudar. Por isso, minha organização tem focado seus trabalhos em afirmar que é importante que as feministas se assumam como tal e se identifiquem em relação aos valores e princípios do trabalho que fazemos.
Qual a maior dificuldade para envolver jovens na causa feminista?
Isso envolve vários fatores, culturais, sociais e até econômicos e políticos – por que o feminismo é bastante político. As gerações mais novas não se assumem como feministas porque precisam romper várias barreiras. Primeiro, em geral, quando uma jovem se assume feminista, associam feminismo e lesbianismo, por isso sofre estigma e discriminação. Então, se afirmar como feminista é ir contra a cultura. Muitas pessoas acreditam que as mulheres não devem ser ouvidas, não devem ser líderes.
Acredita que o movimento de jovens feministas do Quênia é muito diferente do da América Latina?
Temos algumas diferenças, porém muitas similaridades. É muito importante esta oportunidade de compartilhar. Entre as diferenças mais marcantes estão a questão da sexualidade e de direitos das lésbicas, gays e transexuais. Aqui no Quênia as pessoas nem tocam no assunto.
De que maneira a forte presença religiosa interfere na luta feminista?
A educação sexual é um bom exemplo desse tipo de desafio a ser enfrentado. Ainda que algumas organizações lutem incessantemente para que a educação sexual chegue às escolas, organizações religiosas são contrárias. Já houve até queima de camisinhas em público. A alegação é de que a educação sexual nas escolas iria incentivar a promiscuidade. Porém, algumas escolas abraçaram a idéia e têm organizações da sociedade civil parceiras em iniciativas de educação sexual para jovens. Usam o argumento de que ensinar aos jovens contribui para que tenham relações mais tardias, a partir do momento que entendem as conseqüências do sexo. Essa é uma iniciativa mais isolada, que o governo tem permitido, mas não trabalhado para que entre nos currículos escolares.
Desde quando você se assume como feminista?
Creio que sempre fui feminista, mas percebi isso de forma mais evidente em 1999, durante um treinamento de lideranças de africanas. Hoje fico muito feliz quando vejo outras jovens africanas dizendo: sou uma feminista também. Escolhi essa luta e estou nela totalmente.
Jamile Chequer, colaboração Iracema Dantas, de Nairóbi [22/1/2007]