O longo século XX termina e dá passagem ao difícil século XXI. Ainda se ouvem as taças brindando as passagens dos anos, da celebração do fim do socialismo, das monarquias, dos totalitarismos, e das rédeas que impediam o crescimento econômico desenfreado.
Wall Street à Londres comemoravam, e o livro de Francis Fukuyama pregava o fim da história e dos conflitos que afligiram a estabilidade do mundo desde então.
Após a forte onde neoliberal dos anos 1980 e 1990, os jornais e a mídia mundial traziam os recados dos grandes conglomerados financeiros, das instituições produtoras de pareceres totalitários: o capitalismo em suas infinitas hibridações venceu todas as outras formas de governo e de organização social, os consórcios e redes que pregavam as boas novas do mercado se organizaram como jamais fora visto, para divulgar a supremacia das regras e leis movidas pelo capital.
Deste então, os movimentos contrários a este processo de uma única via, vieram sendo taxados e expostos como fósseis do fim de uma era de violências, como exemplos de um mundo primitivo em lenta evolução, hora taxados de terceiro mundo, hora de submundo, subdesenvolvidos, hora também taxados por grupos rebeldes, anarquistas, revolucionários de esquerda, e atualmente taxados por terroristas.
Na atualidade há uma produção infinita de teses, propagandas e discursos que se dispuseram a negar, anular, jogar no esquecimento as histórias das lutas dos povos em todo mundo por uma globalização e uma humanidade mais igualitária, justa, solidária e equânime. Foram produzidas centenas de argumentos, teses e ideologias, que se propuseram a enterrar e jogar no esquecimento as lutas sociais, as suas narrações, suas sagas, seus mártires, em um jogo de contos de fadas e histórias mal contadas, deturpadas e desconexas com o processo histórico que segue, com a implantação de um sistema – mundo centralizador e moralmente desarraigado com os grandes dilemas humanos e ambientais do planeta.
Diante desse contexto o Fórum Social Mundial na Amazônia, não vem somente dar prosseguimento aos demais fóruns anteriores, mas se dispõe como um grande momento diante desse conturbado tempo.
Entre as inúmeras propostas e discussões a serem feitas, seguem a pauta da nova crise capitalista do setembro negro norte-americano, as invasões e intervenções motivadas por fatores políticos e econômicos no Iraque, Geórgia, e as incursões dos Estados Unidos no Afeganistão.
A crise pela qual passa a Bolívia, como também o Peru e a Colômbia, traz para as discussões, diagnósticos claros sobre a crise do modelo neoliberal e da via única, crise esta na qual causa inúmeros e incontáveis impactos sociais nestes países, pela quebra do pacto de governança dos mesmos.
O desmatamento desenfreado da Amazônia, movido aos royalties da soja e dos transgênicos, a imposição das normas de utilização predatória das florestas em todo o mundo, por parte de grandes conglomerados do agrobusiness, traz o tom das lutas e dos inimigos que deverão ser enfrentados daqui por diante.
O Fórum Social Mundial, em sua versão Amazônica, irá ocorrer em um clima de alta complexidade conjuntural, e nesse contexto os debates e reflexões deverão passar pela devida contextualização e análise dessa complexidade, na busca por compreender os rumos que devem ser tomados, das lutas sociais, das ações de preservação do meio ambiente, das políticas públicas de inclusão e desenvolvimento humano pleno, ao alcance de todos.
O recente crash do sistema financeiro dos Estados Unidos, e as recentes crises do aumento dos preços dos alimentos no mundo, sinaliza que além da história não ter acabado, o capitalismo neoliberal consumista sofre por sérios problemas estruturais e morais no seu centro. A exuberância irracional da acumulação financeira mostra seus sinais mais fracos e seus defeitos mais graves: sua falta de responsabilidade com qualquer sustentabilidade, seja social, econômica, financeira e cultural.
A instabilidade dos ditos mercados, o aumento da rotatividade de empregos, a precarização de contratos com a retração da ação sindical, o aumento dos conflitos regionais internos e fronteiriços nos países denominados por “subdesenvolvidos”, tais como na Bolívia, na Colômbia, nas favelas cariocas, no Peru, e nos países do ex – bloco soviético, como a Geórgia ou a Ossétia, sinaliza os sintomas do esgotamento do sistema sócio produtivo que se tornou hegemônico.
Diante do caos no horizonte do norte do planeta, que nem as Olimpíadas afugenta, o Fórum torna-se mecanismo central da proposição de novos projetos de sociedade, novos modelos produtivos centrados no ser humano, não no lucro e na ganância esquizofrênica dos ditos mercados de capitais. Sendo assim o momento é único, e marca o encontro de todas as forças e movimentos não somente anti – globalização, mas das centenas de milhares de minorias, que no fim são as maiorias, cenário ideal da arena consagrada a luta por um outro mundo, uma outra globalização, renovo da utopia, da práxis por uma outra história.
É um momento emergente e oportuno para a ampliação das redes de economia solidária, do aprofundamento das parcerias entre organizações e movimentos da sociedade mundial e brasileira, visando ações que abranjam atuar frente aos grandes temas e desafios sócio – ambientais mundiais. Momento que pede pelo aprimoramento das ações de educação e conscientização, das populações mundiais sobre as possibilidades da construção de um novo período histórico e de um novo modelo de desenvolvimento humano.
Momento oportuno de trazer à tona as grandes reflexões dos intelectuais orgânicos e das lideranças dos movimentos sociais sobre novas possibilidades de ação e mudança, e a discussão dessa farta produção intelectual e de práxis, ante o processo histórico conjuntural, na construção de teorias que sustentem novas práticas, solidárias, ambientalmente sustentáveis, humanas e justas.
Outras propostas factíveis e emergenciais, que acredito, devam ser discutidas e colocadas nos plenários poderão ser:
a)a organização de estruturas e ambientes que desenvolvam uma produção teórica e prática para divulgação – formação dos cidadãos em todo o mundo, principalmente daqueles que ainda não tiveram contato com os fóruns anteriores e com as aspirações daqueles que compõe o FSM;
b)a composição de um grupo de estudos permanente, que se disponham a tematizar e identificar grandes temas passíveis de pesquisa, discussões e fóruns permanentes, espalhados pelos quatro cantos do planeta, e que venha a se constituir em um grande centro de referencia a todos os movimentos;
c)a proposição de ações políticas em âmbito mundial, sistematizando e agindo em grandes temas como a fome, ou a economia solidária, fortalecendo grandes movimentos, divulgando e organizando ações integradas e em rede, em diversos países, como o movimento dos sem terra, sem teto, etc;
d)a proposição de uma ampla denuncia sobre a geopolítica internacional que incide na Amazônia e outras ecossistemas mundiais, debaixo da camuflagem e do discurso da “preservação ambiental”, provenientes de agências e organizações de atuação duvidosa, provenientes de países do G-8;
e)constituir-se no maior espaço de organização de redes de desenvolvimento sustentável da Amazônia da história. Concretizando parcerias entre movimentos preservacionistas (do ambiente, da cultura, costumes amazônicos) com movimentos simpáticos a causa amazônica em todo o Brasil e o mundo. Por fim, movimentos e espaço este que firme a soberania de governo dos países e dos povos amazônicos, contra qualquer interferência internacional que coloque em risco a soberania territorial;
f)a afirmação inequívoca da região Amazônica como patrimônio inalienável dos povos da floresta e das populações da região, e patrimônio ambiental da biodiversidade mundial. Dessa forma as apropriações indevidas e predatórias das reservas florestais e territoriais amazônicas, deverão ser denunciadas e a apuração dos crimes ambientais como o apresentado pelo programa Fantástico (Rede Globo), de uma madeireira ilegal dentro dos assentamentos do INCRA em Mato Grosso deverão sofrer apurações rigorosas. Mas isto só ocorrerá se o governo passar a sofrer forte pressão das lideranças pró – Amazônia;
Enfim, é hora de consolidarmos as lutas, renovarmos todas as esperanças, juntarmos os sonhadores por um mundo melhor, focarmos os novos desafios, fortalecermos as ações pragmáticas de base.
Que venha Belém.
Prof. José Gonçales Junior
Expectativas do Fórum Social Mundial em Belém
Gostei muito da proposta de compor um grupo de estudos permanente, que se disponha a tematizar e identificar grandes temas passíveis de pesquisa, discussões e fóruns permanentes, espalhados pelos quatro cantos do planeta, e que venha a se constituir em um grande centro de referencia a todos os movimentos. Só acredito em mudanças processuais, em desenvolvimento pelo estudo-ação-estudo. Vamos em frente. Se precisar de ajuda, estou a disposição. Forte abraço.