Entre nós

Foto: Henrique Parra

Ouvia-se de longe a platéia gritando em resposta às palavras de uma queniana que clamava por tolerância. Pela vibraçao, aquele parecia mais um momento de sinergia entre participantes do FSM em sua festa de encerramento, no grande Uhuru Park, área central de Nairóbi, capital do Quênia. Ela defendia princípios elementares do Fórum como “ Respeito para todos/as! Direitos Humanos para todos/as!”

Quem falava no palco era Kasha, representando uma coalisão de organizações de gays e lésbicas africanas e internacionais, entre elas a queniana GALCK – Gay and Lesbian Coalition of Kenya. Ao público que resistia ao calor, dançando horas e horas sob o sol mais típico de um verão bem na linha do Equador, ela propunha um outro mundo possível em que homossexuais fossem aceitas/os.

As pessoas que a ouviam levantavam os braços, os punhos em disposição de luta, e bradavam do mesmo modo com que haviam gritado contra a invasão da Somália, contra a guerra, contra o imperialismo, nos discursos iniciais da cerimônia. Mas os gritos desta vez eram contra os/as gays. Eram palavras de protesto contra o discurso de Kasha.

Houve um momento em que a mulher se ajoelhou. “ Por favor, tolerância”, ela pediu antes de deixar o palco. Em um país onde a lei manda punir o homossexualismo com 7 anos de cadeia e predomina a religião católica, a disposição de aceitar a diversidade sexual pareceu bem menor na praça pública do que dentro do Kasarani, nos dias anteriores.

No estádio onde ocorreu o FSM, quenianos/as interessadas no tema procuraram pelas atividades que pudessem ajudá-los/as a se esclarecer, a se solidarizar, a se fortalecer possivelmente. Não se podia imaginar tamanha intolerância em um evento do FSM, em um momento de festa, entre participantes do próprio FSM, como nessa cerimônia de encerramento.

Ao meu lado, a fotógrafa e intérprete da Ciranda, Ana Facundes, estranhou quando dois artistas encerraram uma apresentação vibrante de reggae e se juntaram ao público, no chão da praça, para fazer protestos inflamados. Era inacreditável, mas os dois músicos convidados a encerrar o FSM estavam gritando contra a presença de gays no FSM, e contra o FSM por aceitar gays.

Havíamos dançado com eles, cantado com eles, aplaudido sua música, e agora eles reagiam às nossas perguntas e argumentos nos apontando o dedo e indagando aos gritos se também éramos lésbicas. Estávamos terminando mais um FSM, passamos cinco dias celebrando a diversidade, e soava inadmissível dar qualquer satisfação a pessoas que tentavam nos acuar em meio a uma pequena multidão. “ Talvez”, respondi, sem pensar nos riscos e movida pela indignação com aquilo tudo, e vi as mesmas mãos ágeis que antes se agitavam para inflamar a platéia agora alvoroçadas entre xingamentos que eu não compreendia. Naquele momento fomos socorridas por um amigo, que nos afastou rapidamente do aglomerado.

Soubemos, pelo Daily News, alguns dias depois, que a polícia do Quênia estava sendo instada a procurar as pessoas que assumiram e defenderam no FSM a condição homossexual. Quase um mês depois, um artigo de Stephen Barris, da Ilga (coalizão internacional de gays e lésbicas) veio nos mostrar como isso afetou as vidas a segurança de pessoas que estiveram conosco no Kasarani. Ele conta o quanto foi difícil para Kasha manter o direito à palavra, em meio às hostilidades, para dizer coisas singelas como esta frase: “Se vocês não concordam nem compreendem a homossexualidade, ao menos vão concordar com o princípio de que devemos aprender a conviver. Gays e lésbicas também têm o direito de viver em paz na África!” . E que depois de ajoelhar-se e suplicar por tolerância, Kasha se pôs a correr no meio da praça para fugir das agressões.

O artigo de Stephen Barris nos faz perceber como se sentem sozinhas essas pessoas que garantiram a pauta da diversidade sexual em mais uma edição do FSM, em um lugar onde é ilegal falar o que falaram publicamente. Elas já estão comprometidas com as jornadas globais de mobilização de 2008, quando não haverá um Fórum. Vão defender publicamente o slogan proposto por suas coalizões internacionais, “Em um mundo de diversidade, a igualdade vem primeiro!”, em nome de um mundo em que sejam aceitos/as e respeitados/as. Mas desconfiam da indiferença dos nossos movimentos sociais ocidentais.


A seguir, o artigo de Stephen Barris

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