Um mundo estatisticamente mais educado, mas marcado pelo incoerente crescimento da guerra e da desigualdade, o que por sua vez segue impedindo milhões de pessoas a terem acesso à educação. O diagnóstico feito pelo relator especial das Nações Unidas para o Direito à Educação, Vernor Muñoz, resume de forma contundente a situação e os desafios enfrentados por governos e sociedade civil a 7 anos do prazo final para o cumprimento das metas do compromisso Educação para Todos.
As metas estabelecidas em Dakar, no ano 2000, e firmadas por 155 países, estabelecem que até 2015 sejam alcançadas metas como a universalização da educação básica, a redução em 50% do analfabetismo adulto e a igualdade de gênero no acesso à educação. A passagem de metade do prazo estipulado foi o mote da roda de conversa “Educação no mundo: um balanço”, uma das atividades do Dia de Mobilização e Ação Global do Fórum Social Mundial em São Paulo.
Em termos numéricos, avanços como a redução de 130 milhões para 80 milhões o número de crianças fora da escola parece animador. No entanto, Muñoz ressalta que até 2015 diversos países não conseguirão alcançar as seis metas de Dakar e que algumas delas, como a educação de jovens e adultos, foram simplesmente deixadas de lado.
A situação da América Latina, foco central do debate, parece confortável quando se olha as estatísticas. Por exemplo, o investimento em educação coloca o continente em posições privilegiadas nos rankings internacionais. “Mas sabemos que este dinheiro não está sendo usado onde mais se precisa. As comunidades indígenas, por exemplo, seguem sofrendo de uma falta total de estrutura educacional”, afirma o relator da ONU.
O cenário completo da educação na AL ainda inclui, segundo ele, a exclusão estrutural das populações afro-descendentes e a discriminação intrínseca aos sistemas educativos. Muñoz aponta que “temos um sistema educativo lotado de estereótipos sobre a mulher” e políticas públicas em nada sensíveis às demandas reais das pessoas portadoras de deficiência. Isso tudo resulta em um número próximo de 2,5 milhões de crianças fora da escola e um elevado índice de analfabetismo e de jovens que não concluem os períodos de educação obrigatória.
Para representantes dos sindicatos de professores, é preciso somar a este quadro um recrudescimento da tensão entre governos e representações sindicais. “Em muitos países, os governos declararam os sindicatos seus inimigos número um”, comenta a presidente da Internacional da Educação para a América Latina, Fátima Silva.
Parte do problema vem da interferência das instituições financeiras internacionais, que estabelecem metas macroeconômicas para os países e incluem entre seus “compromissos” um limite para gastos com pessoal na educação. Isso significa que as negociações salariais e as reivindicações por mais investimento na formação de pessoal, que dominam a agenda dos sindicatos dos professores em vários países, acontecem sob a mão pesada do FMI e do Banco Mundial.
O resultado, como aponta Fátima, é o choque constante entre governos e sindicatos que chegam a conflitos sangrentos, como em Guajara (México) e na Argentina, onde um professor foi assassinado por participar de uma greve na província de Neuquen.
No Brasil, o presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Carlos Ramiro de Castro, diz que este aumento da tensão pode ser verificado pelo ressurgimento de “uma lei dos tempos da ditadura” que impede que os professores possam falar publicamente sobre a educação ou o governo estadual. “A lei da mordaça acaba com qualquer intenção de se realizar uma gestão democrática da educação”, comenta.
O relator da ONU, Vernor Muñoz, recebeu um relatório preparado pelas organizações Ação Educativa e Artigo 19, em parceria com a Apeoesp, que reúne casos de coerção e até exoneração de professores enquadrados no Artigo 242 da Lei Estadual 10.261/68. Muñoz afirmou que enviará uma carta oficial ao governo brasileiro, pedindo explicações. “Uma educação para a liberdade e a democracia não pode existir onde professores seja, eles próprios, impedidos de exercitar sua liberdade de expressão”, disse o relator.