De volta ao Brasil, o Fórum Social Mundial 2009 teve como foco a Amazônia e sua importante diversidade. Em Belém, o FSM é revigorado com a força dos movimentos sociais, a receptividade do povo e a chuva equatorial que nos lembra, todos os dias, o quanto esse território deve ser abraçado e preservado. Em entrevista, o diretor do Ibase, Cândido Grzybowski faz avaliação política do processo FSM que está em seu nono ano.
Ibase – O Fórum Social Mundial voltou ao Brasil, onde não acontecia como evento central desde 2005. Que aspectos de amadurecimento do processo FSM você pode destacar?
Cândido Grzybowski – Ele voltou a um Brasil expandido e não apenas ao Brasil, mas à Amazônia que é compartida por nove Estados. Embora estejamos em uma cidade brasileira, o sentido desse FSM é a própria Amazônia. Como sempre a cidade tem um poder irradiador. É em Belém que se irradia o Fórum.
Ainda é cedo pra perceber, mas olhando o processo Fórum, temos uma escolha, que é a Amazônia, que se revelou extremamente oportuna, associada ainda com a crise e o vazio que ela deixa. Então você ocupa um espaço vazio com elementos novos por causa da Amazônia, entram as questões de justiça ambiental, ecologia, terra, território. Este FSM não discutiu tanto as soluções financeiras, mas sim o que está por trás do modelo de desenvolvimento aplicado.
Uma marca em nosso processo é quando o Fórum Econômico em Davos caminha para baixo e nós, para cima. Enquanto eles estão em um velório, nós estamos em uma celebração. Isso ajudou nesse contexto, esse é um primeiro elemento que eu destacaria. O segundo é que nós afirmamos a diversidade, mas de fato ela é muito maior do que se representa no Fórum. O FSM destaca algumas diversidades, que apontam para outras ainda maiores.
Ibase – Quais seriam elas?
Cândido – Ribeirinhos, Indígenas, amazônidas comuns, caboclos, quilombolas que estão envolvidos em movimentos e a sua vida. Não é verdade dizer que a Amazônia é vazia. Isso dá um enraizamento enorme para o Fórum. Voltamos, aqui, a ter um grupo local extremamente forte. Eles assumiram o Fórum. Teve também o aspecto da juventude, que estava muito presente. O mais importante é ver que a juventude se importa com política, não é só festa. Claro que até pode ter um pouco disso, mas nesse Fórum estiveram jovens que deviam ter 8 ou 10 anos quando o processo FSM começou e, agora, assumem o processo FSM.
Eu participei da Assembleia de povos indígenas contra a mercantilização, em defesa da terra e da vida pelo bem viver. Cursando um novo paradigma. E foi bem produtiva. Cobrávamos que não tínhamos propostas, agora temos inúmeras.
Ibase – Esse modelo de assembleias no último dia do FSM foi inaugurado em Nairóbi?
Cândido – Em Nairóbi foi um início, tivemos um tipo de convergência. Mas essas assembleias definiram metas e objetivos. E são construções que vem de antes do dia do FSM. Também começaram a definir um plano de ação. No Fórum ficam definidos muitos fóruns temáticos, muitas agendas concretas. São 2.310 atividades inscritas, uma complexidade criativa, foram 135 mil inscritos no FSM, 15 mil no Acampamento da juventude, 3 mil Crianças e Adolescentes e 5 mil de apoio, 2 mil jornalistas, 2.500 jornalistas credenciados para receber informações pela web. Dentro disso 1.400 quilombolas, 1.900 indígenas de 120 nações indígenas. Eles marcaram o Fórum.
Ibase – Em que ainda é preciso avançar?
Cândido – Tem coisas que continuam não dando certo. Nós não precisamos, para exprimir nossa diversidade, de 2.310 atividades inscritas. A autogestão precisa ser includente, é preciso buscar convergências com outros e discutir. Isso está inviável logisticamente. O resultado é que tem atividades que não acontecem porque, durante o Fórum se descobre que uma ou duas atividades inscritas têm afinidades e as entidades propositoras resolvem juntá-las na hora. Temos alguns problemas nesse processo. Mas problemas existem e vão existir. Mas o meu balanço é de que o Fórum sai revigorado.
Ibase – O fato de O FSM voltar a acontecer no Brasil ajudou para que fosse revigorado?
Cândido – Eu não sei se isso é determinante. É mais determinante a densidade social de organizações. Aqui foi maior do que em Nairóbi. Essa edição teve menos estrangeiros, isso não é determinante.
Ibase – Este é o nono ano do processo FSM. Nos primeiros a contraposição à Davos era muito marcante. E hoje?
Cândido – Agora é Davos que tem que fazer contraposição ao FSM. Estou defendendo até a mudança de data, afinal, convenhamos, é uma data ruim para todo mundo. É boa apenas pra ir à uma estação de esqui, que é o que eles em Davos vão fazer fazer. Eles nos criticam, dizendo que o FSM é uma festa, mas o que eles vão fazer lá nessa época? É porque têm outros interesses também.
Ibase – Você acha que a relação do FSM com a mídia ficou diferente?
Cândido – A mídia foi muito mais positiva em relação ao Fórum dessa vez, do que em outras. Mas sempre existem muitas críticas. Tem muita gente questionando se o FSM não está perdendo a autonomia, devido à relação com governantes. A intenção não é essa. Apenas mostra que nós não damos as costas ao Estado. Nós não estamos nos aliando, estamos dialogando, o que faz parte do processo de construção. Isso vai ser um ponto a pensar. Do que eu senti, e a maioria acha que é um marco, é que em vez de irmos à uma cúpula governamental, os governantes vieram a cúpula social. É uma inversão simbólica importante. Nós somos mandatários deles, nós os constituímos.
Ibase – Já há alguma preparação para o FSM 2010?
Cândido – Teremos uma discussão, e acredito que a discussão mude em função das assembleias realizadas, pois elas dão o mapa da mina. Talvez uma estratégia seja fortalecer essas iniciativas, incorporar os vários fóruns temáticos, decidir um dia comum de mobilização, ou ainda, ver o que tem maior densidade de atividades propostas e dentro disso propor uma expansão. Não haverá um fórum centralizado no ano que vem, essa é uma decisão anterior . Mas em 2010 acontece fórum nos Estados Unidos, e esse pode ser mais aberto ao mundo em função da mudança governamental por lá. Há também propostas de que algo seja feito na Faixa de Gaza.