Antecipando-se à morosidade do Congresso Nacional em regulamentar o Mercado de Crédito de Carbono (MCC), um comércio ativo desses créditos já está se desenrolando de fato e sem regulamentação na Amazônia, pressionando as comunidades tradicionais.
Esse foi o alerta do antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida na conferência “Povos Indígenas e Quilombolas Face às Iniciativas de Institucionalização do Mercado de Créditos de Carbono”, realizada sexta-feira (12/7) dentro da programação da 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O evento foi apresentado pela antropóloga e historiadora Jane Felipe Beltrão, professora na Universidade Federal do Pará (UFPA), instituição que sediou a reunião anual deste ano.
Professor visitante dos Programas de Pós-Graduação em Antropologia Social e em Sociedade e Cultura da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e pesquisador da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Almeida é membro da coordenação do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA).
Almeida analisou o mercado de carbono desde suas origens até o atual estágio de implementação no país. Lançado em 1992 a partir da assinatura da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Climática (UNFCCC, na sigla em inglês) durante a Eco 92 no Rio de Janeiro, o MCC prevê a comercialização de direitos gerados por empresas e países que evitam emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) para que grandes emissores possam compensar suas deficiências.
O Brasil é signatário do acordo, mas precisa ainda passar por regulamentação e aprovação do Congresso Nacional. Dois Projetos de Lei (PL 412/2022 e 182/2024) nesse sentido estão em análise para votação.
Em sua exposição, Almeida opinou que a dificuldade de regulamentação se deve ao fato de que existe muita disputa em torno do assunto, envolvendo atores poderosos política e economicamente, grandes empresas que, segundo ele, vêm assediando as comunidades indígenas e tradicionais para “coonestar” seus interesses.
“Temos sido bombardeados com denúncias de grilagem verde, operações fraudulentas, é assustador o que está acontecendo”, afirmou. Em junho passado foi divulgado na imprensa uma operação da Polícia Federal que revelou empresas do MCC que exageram os benefícios climáticos ou atuam ilegalmente em terras indígenas entre outras irregularidades.
Segundo o pesquisador, apesar da complexidade do assunto, movimentos sociais já começaram a fazer oposição ao MCC em 2022, durante a COP 27, no Egito, quando 17 organizações referidos à Amazônia brasileira divulgaram uma carta na qual se posicionam contra a inclusão das florestas brasileiras no mercado. Entre elas estão a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Coordenação Nacional quilombola (Conaq), a Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas.
Por outro lado, há relatos de grupos ligados aos povos tradicionais e indígenas cooptados por empresas para apoiar operações do MCC em suas terras. “Contratos já estão sendo firmados com comunidades tradicionais focados apenas no comércio de carbono, deixando de lados protocolos assegurados pela convenção 169 da OIT”, afirmou Almeida, citando um documento da organização Terra de Direitos. “Então quer dizer, se toca tudo a toque de caixa, se menospreza os reconhecimentos legais, se menospreza todos os dispositivos que se tem e vai gerando uma situação de fato”, criticou.
Assista à conferência na íntegra pelo canal da SBPC no Youtube
Janes Rocha – Jornal da Ciência