No Forum Social Mundial deste ano, diversas oficinas nas areas de comunicaçao, ciência e tecnologia, estão problematizando os atuais processos de controle da internet no Brasil e no mundo.
A internet baseia-se num sistema de comunicação distribuída que permite uma interconectividade relativamente horizontal entre as máquinas. No entanto, estes mesmos mecanismos podem facilmente dar lugar a instrumentos de monitoramento e controle bastante refinados. O futuro da Internet como um recurso de comunicação alternativa e de livre produção de conhecimentos ou como um dispositivo que pode servir à vigilância estatal ou corporativa, apresenta-se como um importante campo de lutas políticas.
No Brasil, está tramitando no Congresso um projeto de lei (já aprovado no Senado) que propõe uma série de medidas para a regulamentação da internet. Este projeto – substitutivo do Senado ao Projeto de Lei da Câmara no 89 de 2003 – que ficou conhecido como “Projeto de Lei Azeredo sobre Cibercrimes”, deverá ser votado em breve. Preocupados com o conteúdo do Projeto e com a ausência de um amplo debate na sociedade civil sobre o assunto, diversas organizações sociais, grupos científicos e ativistas, estão organizando atividades durante o FSM-Belém para tratar do assunto.
Na quinta-feira, aconteceu a oficina “Alternativas ao PL Azeredo”, promovida pelos grupos Epidemia, Intervozes, GPOPAI, Associação Software Livre e CTS/Fundação Getúlio Vargas, e teve como convidados o Prof.Sergio Amadeu (Fundação Casper Líbero), o Deputado Federal Paulo Teixeira, Pedro Abramovay (Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça) e Luis Moncau do Instituto de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas.
Um problema central identificado pelos participantes é que a aprovação deste projeto introduz um ordenamento penal genérico e impreciso sobre ações relativas aos meios de comunicação em rede, antes mesmo do Brasil ter construído um marco regulatório dos direitos civis na era digital. Ou seja, estaria definindo os crimes e suas penas, antes de definir os direitos e deveres cidadãos relativos à internet.
Sergio Amadeu chamou à atenção para o fato de que o caráter dúbio na redação de alguns artigos abre a possibilidade de criminalização de diversas práticas consideradas legítimas na cibercultura, além de ameaçar iniciativas de democratização no acesso à rede e de inclusão social. Segundo Amadeu, a imprecisão de diversos conceitos utilizados na Projeto (“dispositivos eletrônicos”, “titular de rede”, entre outros) revela, indiretamente, que o Projeto tem a pretensão de intervir sobre outros domínios para além das razões que o motivaram originalmente. Enquanto se apresenta publicamente como um instrumento necessário para coibir crimes através da internet, na realidade ele poderia criminalizar outras ações relativas, por exemplo, à propriedade intelectual.
A apresentação de Luis Muncau problematizou a estratégia dos defensores do PL, que objetivam obter apoio público ao apresenta-lo como um dispositivo importante para combater o crime de pedofilia. No entanto, Muncau apontou que já existem outros projetos e iniciativas recentemente aprovadas no Congresso, como por exemplo as que resultaram da CPI de Combate à Pedofilia, e que seriam mais adequadas para coibir tais crimes.
Paulo Teixeira lembrou que o PL deve entrar em pauta muito em breve no Congresso e descreveu como a mobilização social de diversos grupos interessados na temática tem sido fundamental para ajudar a informar os congressistas sobre uma temática que é pouco conhecida, contribuindo para explicitar os componentes políticos subjacentes ao projeto. Partindo de uma recente citação de Barack Obama, afirmando que a garantia da segurança não pode ameaçar a liberdade, Teixeira afirmou que o legislativo deveria estar atento à criação de regulamentações específicas, evitando desfuncionalidades na aplicação da lei.
Pedro Abramovay, do Ministério da Justiça, fez uma interessante descrição das premissas que norteiam os entendimentos do Ministério sobre a regulação da internet. Primeiramente, esta regulação não deve avançar sobre temas alheios aos objetivos originais da lei, como querer definir crimes contra a propriedade intelectual. Segundo, a lei não pode prejudicar ou ameaçar as iniciativas de democratização no acesso à rede e as políticas de inclusão social. E finalmente, a regulação penal não pode ser utilizada como mecanismo prioritário e genérico para o solucionamento de qualquer problema. Abramovay ainda criticou pontos específicos do PL que fazem um uso exagerado do princípio penal ao equiparar crimes de naturezas muito diversas, como por exemplo, tratar danos imateriais à informação como danos a um patrimônio material.
O debate que seguiu às apresentações afirmou a necessidade de se criar, imediatamente, uma ampla mobilização social no sentido de pressionar o legislativo para que sejam suprimidos aqueles artigos que ameaçam a liberdade e as possibilidades de produção e compartilhamento de conhecimento e cultura inauguradas pela internet. Ainda, os debates apontaram para a importancia de se discutir mecanismos de fortalecimento da neutralidade da rede, os direitos de comunicação digital e as políticas de retenção de dados que ameaçam os direitos civis.
No final da oficina os diversos participantes apontaram a possibilidade de, paralelamente à mobilização contra a PL Azeredo, iniciar coletivamente uma ampla convocatória para a construção de um marco civil regulatório da Internet ou uma Carta de Direitos da Rede.