Brasil e África devem conversar mais, propõe antropólogo do Mali

Foto: Marco Aurélio

“Estou há um ano no Brasil e não vi nenhuma notícia sobre o meu país”, critica o antropólogo do Mali, Modibo Diarra, que pesquisa a rota da escravidão da África para o Brasil e participou do “Diálogos com a África II”, uma das atividades paulistanas do descentralizado Fórum Social Mundial (FSM) 2008. Para Diarra, os países africanos e o Brasil têm muito em comum e deveriam conversar mais. Entre os problemas comuns, ele elege “o subdesenvolvimento e a desigualdade: uma minoria que possui tudo e uma maioria que sofre”.

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“A maneira dos africanos verem o Brasil é positiva? Acho que não. E a forma como os brasileiros vêem a África? Também não é positiva. Existe medo, e esse medo foi gravado em nós. Algo impede o diálogo entre Brasil e África”, diagnostica o pesquisador. Diarra, que também foi jornalista durante mais de 20 anos, vê a mídia como a principal responsável pelo que chama de “obscuridade” da África no Brasil e vice-versa.

O antropólogo espera que veículos alternativos e a interação entre os movimentos ajudem a quebrar o “muro” que separa os dois continentes banhados pelo Oceano Atlântico. “Há uma política que quer manter a África na escuridão. Continuando o que estamos fazendo agora [compartilhando experiências], a luz vai surgir em algum momento. É preciso confiar na África.”

Troca de experiências

Na visão de Suelma Inês de Deus, da Soweto Organização Negra, a interação com organizações africanas durante o FSM 2007, em Nairóbi, no Quênia, trouxe um imenso aprendizado. “Existe tanto na cultura como na política algo em comum. Aprendemos com as iniciativas deles, como os projetos sociais desenvolvidos nas favelas, que se relacionam com o movimento negro”.

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Gildean “Panikinho” Pereira, rapper e também membro da Soweto Organização Negra, relata a troca estabelecida no Quênia como uma quebra do mito no conceito de África. Antes de ir ao FSM de 2007 em Nairóbi, ele pesquisou rappers que tivessem engajamentos próximos aos do movimento negro daqui. Impressionou-se quando conheceu os grupos. “Eles são mais politizados que muitos rappers brasileiros, têm produções de alto nível e são mais organizados. Estão em contato com o continente todo”, descreve.

O mito, adiciona Panikinho, está dos dois lados. “Por isso é tão importante estar em contato direto. A relação com a África é muito nova. Aprendemos de que forma eles enfrentam um outro tipo de racismo e como a experiência deles pode contribuir para a nossa. De outro lado, a nossa experiência [de afrodescendentes] traz um novo olhar sobre a identidade deles.”

Quênia hoje

O convívio também permitiu uma visão diferente sobre o conflito vivenciado pelo Quênia desde dezembro de 2007, após o resultado das eleições presidenciais. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), os confrontos já causaram cerca de 800 mortes e mais de 250 mil deslocamentos. “O conflito é uma questão política”, defende o rapper da Soweto organização Negra. “Os quenianos já não estavam contentes com o governo, que estava alinhado a interesses dos países mais ricos.”

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“O problema é que a alienação do povo faz com que outras coisas que sempre existiram – mas não são centrais – tomem a cena. O governo coloca a questão étnica como central, quando não é”. Ele cita como exemplo os jovens de diferentes etnias do movimento hip hop, que estão do mesmo lado lutando pelos mesmos objetivos. “Eles já superaram esta questão étnica”.

O evento “Diálogos com a África II” deu continuidade ao “Diálogos com a África I”, encontro aberto realizado depois da viagem da Soweto Organização Negra para o FSM 2007, em que foram apresentadas as principais trocas estabelecidas entre o movimento negro brasileiro e organizações africanas.

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