A estimativa, baseada em registros feitos até o dia 21/1 no site internacional do Fórum Social Mundial (FSM), é de que no dia 26 de janeiro (domingo) aconteçam mais 560 atividades simultâneas, em mais de 72 países do mundo durante a primeira tentativa de realização de um processo totalmente descentralizado do FSM. No Brasil, elas acontecerão em 19 Estados.
Chamado Dia de Mobilização e Ação Global, o momento é marcado por um ato global de múltiplas possibilidades e vozes. São debates, marchas, encontros, discursos e múltiplas intervenções culturais, que irão conectar simultaneamente o global e o local. As manifestações ocorrem na mesma data do Fórum Econômico Mundial, que acontece na cidade de Davos (Suíça).
Para iniciar o processo, ontem (22/1), foram promovidas 22 coletivas de imprensa entre os países participantes, cinco delas no Brasil. Em São Paulo, a coletiva aconteceu na sede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP). Guto Camargo, presidente do Sindicato, inicia a coletiva afirmando que as atividades do FSM estão diretamente relacionadas com a questão da comunicação e do mundo globalizado e, por isso, o espaço está aberto a elas. “Mais do que nunca a informação circula com uma velocidade inimaginável. E, talvez por isso, ela nunca teve um poder tão grande, que pode ser transformado em arma de dominação como de transformação. Nesse sentido é absolutamente necessário que os jornalistas, o sindicato e todas as organizações que se preocupam com essas questões da mudança, da criação e da construção de um futuro têm que discutir as coisas afeitas à comunicação também.” Camargo cita os grupos que estão em mobilização para criar a I Conferência Nacional de Comunicação. “Acho que essa pode se tornar também uma parceira na construção deste novo mundo, desta nova forma de organização social, que, afinal, é o que nos traz aqui.”
Na mesa, três integrantes do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial: Salete Valesan, Oded Grajew e Chico Whitaker. E, representando as organizações locais, que estarão em atividades na cidade de São Paulo no dia 26, Josefina Bakhita, da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP); Antônio Carlos Spis, da direção executiva nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS); Suelma Inês Alves de Deus, da Soweto Organização Negra, e Graça Cremon, produtora cultural.
Chico Whitaker (confira entrevista concedida para o Setor3 sobre o FSM e desenvolvimento) abre a coletiva retomando o histórico do FSM, processo que começou em 2001, em Porto Alegre, onde foi realizado até 2003. Em 2004 foi para a Índia, em 2005 voltou a acontecer em Porto Alegre, em 2006, passou por sua primeira experiência policêntrica, acontecendo em três lugares: Bamako (Mali – África), Caracas (Venezuela – América) e Karachi (Paquistão – Ásia). Em 2007, foi realizado em Nairobi (Quênia – África). “Mais que um evento, o Fórum Social Mundial provocou um processo de encontros, criação, de realização, aprendizado, um espaço a nível nacional, regional e local. O objetivo do Fórum é reforçar a participação da sociedade civil de maneira autônoma e horizontal neste processo e para que ele se desenvolva é necessário articulação”, declarou.
Ele explica os motivos que levaram o Conselho Internacional do FSM a optar pela descentralização das atividades em 2008. “Além de juntar a articular horizontalmente queremos partir para a ação. As formas de fazer isso são necessariamente múltiplas e mundiais. O Conselho iria anunciar que em 2008 não haveria o Fórum, mas como todos os anos desde 2001 ele acontece, o Conselho lançou o desafio: que tal, se fizéssemos um Fórum absolutamente descentralizado? Então todas as pessoas participantes ou engajadas pelo mundo afora, estão convidadas a fazerem alguma coisa, no formato que acharem melhor, do dia 22 ao dia 26 de janeiro.”
Outra novidade destacada por Whitaker é o site do Fórum 2008. Com uma série de links, o site acompanhará ao vivo as atividades do evento que estará acontecendo em várias partes do mundo. “Um Fórum único no mundo, uma vez no ano, é noticiado, mas a duras penas; já com essa maneira descentralizada, capilar, muito mais gente tem acesso ao que está acontecendo. E tem também a possibilidade de perder um pouco do sentimento de impotência perante a realidade ao ver que há muitos trabalhando por um outro mundo possível.”
O arquiteto conclui destacando que em 2009, o FSM acontecerá em Belém (PA), na região Amazônica, onde, neste dia 26, esta informação será anunciada e comemorada em um grande cortejo.
Sobre o porquê de ser do FSM, Oded Grajew acrescenta: “Como é possível um outro mundo quando vemos tão pouca gente explorar tantas pessoas e uma concentração tão grande de renda no mundo? Isso acontece porque esses muitos perdedores da globalização não conseguem se juntar, se articular e se conformam com isso, acham que a vida é assim mesmo, que não tem jeito. Acreditam que não há outras alternativas, que não é possível fazer outras escolhas. O papel do FSM é exatamente combater esta situação. Oferecer às pessoas e às organizações espaços para se organizar, se encontrar, se articular, pensar junto e mostrar que um outro mundo é possível, que as coisas podem ser feitas de outra maneira”, justifica, dizendo que o Fórum tem relação com muitas das mudanças nestes sete anos.
Ele defende que a descentralização do FSM responde ao processo de mudanças feitas em pequenas escalas e, por isso, não ganham visibilidade. “Quando a gente tem um Fórum muito grande são 300, 400 mil pessoas. Através da mídia as pessoas acabam sabendo, mas milhões acabam sendo excluídos desse processo. A descentralização dá a oportunidade a todos de se articularem em espaços múltiplos e compartilhados.”
Salete Valesan, do Instituto Paulo Freire, destaca que as mudanças de formato são resultado do fortalecimento constantes dos processos do FSM. “Em 2006, na primeira experiência de descentralização, nós, latinos americanos, especialmente brasileiros estivemos mais presentes em Caracas, e o FSM deu mais um passo no seu processo de aprendizagem, amadureceu. Em janeiro de 2007 estivemos na África, nossa pátria irmã, e isso também fortaleceu o nosso processo. Tínhamos certeza de que era muito mais que possível, era necessário, trazer novas culturas, novos conhecimentos, novas propostas, diversificar. Que a gente deixasse de apenas falar para passar a condizer e a viver realmente com o diferente. Foi esse processo corajoso, que possibilitou estarmos ao mesmo tempo aqui conectados com outras partes do mundo pela tecnologia da informação e da comunicação. Foi nessa busca de identidade e de coletividade que se repetiu e, em 2008, corajosamente, de forma compromissada pelas pessoas que fazem parte do processo, o Fórum descentralizado, voltado a quem tem desejo de se organizar.”
Para ela, janeiro de 2009 tende a ser um momento marcante na história do FSM. “Especialmente se ele tiver o compromisso e a força dos movimentos, somado ao compromisso e à força da comunicação, seja ela da imprensa alternativa, comunitária, compartilhada, independente da imprensa comercial. Que ela entre neste processo e que dê visibilidade para que seja um impacto comum. As tecnologias e a comunicação permitem que se conectem num mesmo ciberespaço ações e pessoas, movimentos, lutas de causa. Temos um desejo muito grande neste sentido, por isso a parte de comunicação do FSM está com suas ações bastante potencializadas”, conclui.
Ação local: São Paulo
Depois do panorama global dado pelos integrantes do Conselho Internacional, a coletiva seguiu com a participação de integrantes de organizações e movimentos que desenvolverão atividades locais na cidade de São Paulo no dia 26/1.
Josefina Bacariça, da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP), falou do Sábado-Feira, nome dado à reunião de mais de uma centena de instituições sociais e grupos culturais que passarão o dia expondo seus trabalhos no Centro de Eventos do Colégio São Luis. “Todo o trabalho que desenvolvemos para realizar o Sábado-Feira foi para juntar tudo o que existe em São Paulo com relação aos trabalhos de avanços de soluções que poderiam minimizar os problemas em todas as áreas sociais: saúde, trabalho, segurança, educação, cidadania. Todas essas áreas estão representadas nas organizações que apresentaram atividades. A idéia foi justamente juntar tudo isso para trocarmos nossas experiências, nos fortalecer e aprender, chegando a um consenso do que é a caminhada para esse novo mundo possível. E vamos continuar nos reunindo para fortalecer as discussões.”
Antônio Carlos Spis, da direção executiva nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) fala da importância da mídia priorizar um espaço significativo para construir a mobilização representada pelo FSM. Além da panfletagem, que será realizada entre os dias 24 e 26, a atividade desenvolvida pelo CMS acontece em parceria com a categoria do teatro, uma encenação, inspirada na peça Rei Lear, de William Shakespeare, em que um mítico império é deposto para dar lugar a um novo mundo, baseado em valores como a solidariedade e a esperança.
A produtora cultural, Graça Quemon, explicou o processo de construção da encenação. “As cores primárias versus o branco, que é o império, é tudo que nos oprime. O branco ficará em frente à Prefeitura. O clã amarelo, em frente ao Teatro Municipal, que representa as minorias – que são as maiorias -: mulheres, negros. Tem o clã azul, representando a luta dos estudantes, dos sindicalistas, que ficará na R. Líbero Badaró. E o clã vermelho, na Rua Direita, que representa as questões rurais, de integração na América Latina. E todos poderão se ver. A idéia é que cada um deles, do meio-dia às 14h, seja um micropalco, a concentração”, disse Graça, pedindo auxílio da imprensa na divulgação.
“As pessoas precisam fazer uma escolha de cor, que significa escolher sua palavra de ordem, simbolizado por clãs. Fazer teatro é fazer política. O palco é o palanque e, sendo para direita ou para a esquerda, nós estamos sempre nos manifestando politicamente. E também o teatro contribui no sentido de que temos uma teoria e cadê a prática? Então se um outro mundo é possível, de que forma a gente pode criar isso de forma que todos vamos entender na rua, de forma coletiva? Outra coisa também que a gente está discutindo ao fazer um teatro de massa, coletivo, é a morte do ator indivíduo, da celebridade. Aí o ator passa a ser um grupo coletivo, um clã, que tem no mínimo 50 pessoas.”
Às 14h, os grupos se reúnem em frente à Prefeitura da cidade, onde vão simbolicamente colorir o branco. Às 15 horas, se dirigem para a Praça Ramos de Azevedo, em frente ao Teatro Municipal, para o ato político de encerramento das atividades. “Com criatividade, nós vamos ter críticas. Vai sobrar para o prefeito, para o governador e para o Lula também do ponto de vista crítico. Nós não vamos construir um outro mundo possível leiloando áreas de petróleo, renovando com a TV Globo por 15 anos sem dar uma TV para o MST”, ressalta Spis.
Suelma Inês Alves de Deus, da Soweto Organização Negra, compartilhou um pouco a experiência da ONG nos FSM e apresentou a atividade “Diálogos com a África II”, que vão desenvolver no Sábado-Feira, no dia 26. “Será um espaço para trocas especialmente em relação ao Quênia, onde aconteceu o FSM 2007, e que está passando por uma onda de violência e precisando de ajuda. Todos estão convidados a participar e refletir sobre os problemas que acontecem na África e não só lá. Mas não queremos que se resuma nos eventos. Durante todo o ano, até 2009, esperamos ter ações concretas, porque, para esse mundo ser diferente, precisamos de ações.”
Grupos de todo o mundo podem cadastrar suas atividades no site. Durante a coletiva, compareceram para assistir pessoas que vão realizar outras atividades de forma independente pela cidade. Entre elas, Maria Luiza Franco, do departamento da mulher do Sindicato dos Securitários do Estado de São Paulo. Luiza contou que no dia 26 o sindicato promoverá uma marcha cidadã chamada “Responsabilidade com as próximas gerações”, que sairá do Viaduto do Chá, às 10h, e vai em direção ao Parque do Ibirapuera. Antes disso, o grupo apresentará mensagens escritas em cinco idiomas nas escadarias do Teatro Municipal de S.Paulo.