Enquanto os angolanos vêem o Brasil como um “irmão mais velho”, os brasileiros pouco sabem sobre o país africano com quem partilham raízes lusófonas, diz o escritor de Angola Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, de 69 anos, conhecido por Pepetela.
Em entrevista conduzida por Júlia Dias Carneiro, à BBC Brasil, o escritor angolano disse que, embora as relações económicas e políticas entre Brasil e Angola venham crescendo, as relações culturais entre os dois países ainda deixam a desejar, e são predominantemente de mão única. Vencedor em 1997 do Prémio Camões, o maior reconhecimento literário da língua portuguesa, Pepetela tem a história angolana como pano de fundo para as suas ficções, abordando temas como o colonialismo, a luta pela independência e a guerra civil angolana. O escritor esteve no Rio de Janeiro para lançar o livro “O Planalto e a Estepe” (Editora LeYa) na Bienal do Livro.
Como vê as relações entre Brasil e Angola?
As relações estão mais desenvolvidas do ponto de vista político e econômico, e também no trânsito de pessoas de um lado para o outro. Nesse aspecto, deveria haver uma maior fluidez. Nem é por mal, mas por uma questão da burocracia angolana, demora-se muito tempo para conceder vistos. Ultimamente, o Brasil também está retaliando. Agora, um angolano tem de pedir o visto brasileiro com um mês de antecedência. É retaliação, também não resolve. Prejudica até empresas brasileiras, cujos trabalhadores têm dificuldade em ir trabalhar lá. Prejudica Angola, portanto, porque a empresa não está a trabalhar como deveria. Mas penso que na parte cultural é onde há menos relacionamento, e deveria ser mais intenso. É verdade que alguns escritores (angolanos) vêm ao Brasil, e escritores brasileiros vão a Angola, ainda que raramente. Às vezes vai um músico, sai um livro, aparecem algumas coisas. Mas é muito pouco, tinha que ser muito mais.
Ainda há uma disparidade grande na imagem que um país tem do outro?
Existe, sim. Os angolanos olham para o Brasil, mas os brasileiros, de um modo geral, não olham para Angola. Desconhecem, não sabem que existe, isso é muito desigual. Os angolanos, em seu imaginário, têm o Brasil como uma das referências principais, ao passo que os brasileiros não têm a Angola sequer como uma referência.
Durante o debate na Bienal do Livro, falou no Brasil como “o irmão mais velho”. O que isso representa para Angola?
Mas é realmente, o Brasil é o irmão mais velho. É o país que se libertou primeiro, e que nós sempre vimos o Brasil como um irmão realmente – e não é só a minha família, que já tinha ligações com o Brasil, isso ocorre de um modo geral, entre as populações da costa angolana. Para alguns, era só o país do samba. Para outros, era o país do Pelé. Mas, de qualquer modo, havia um afecto particular pelo Brasil. Por exemplo, nos campeonatos do mundo de futebol, os angolanos torcem pelo Brasil. Isso vem de muito tempo. Será porque é o melhor futebol, o futebol mais bonito? Será só isso, ou será uma reminiscência de tempos antigos, em que a relação com o Brasil era a principal?
O senhor diz que o Brasil “colonizou” Angola durante 150 anos. Como explica essa ideia?
Até à independência do Brasil, 100% das exportações de Angola eram para o Brasil. A maior parte eram escravos, mas também havia outros produtos, marfim, até cera de abelha. Então, a relação com Portugal era feita a partir do Brasil. Os barcos iam de Angola para o Brasil e de Brasil para Portugal. Pessoas vinham até se tratar no Brasil. O primeiro poeta angolano com livro publicado veio tratar-se de uma tuberculose aqui ao Rio de Janeiro. Isso há 200 anos. Mas essa “colonização brasileira” acabou em 1822. Depois da independência do Brasil, deixou de haver essa relação tão próxima.
Neste ano, o mundo está vendo muitas mudanças a partir das revoltas da Primavera Árabe. Como esses movimentos foram vistos em Angola?
O regime assustou-se. Não era caso para susto, mas nitidamente o regime assustou-se. Nós temos um regime presidencialista, com um partido dominante, que nas últimas eleições teve 82% (dos votos). Esse partido (Movimento Popular de Libertação de Angola, MPLA) venceu primeiro a luta de libertação contra os portugueses e depois a guerra civil, que terminou há nove anos, e tem uma máquina que consegue controlar o Estado e o país. A oposição é muito fraca. Nas regiões onde conseguiu tomar o poder militarmente, oprimiu mais talvez do que o governo e, portanto, a população afastou-se da oposição. De qualquer maneira, é um governo ainda um pouco autoritário, embora democrático nas palavras e nos textos. E teve medo realmente do que aconteceu no norte da África.
Acredita que manifestações contra o governo podem ganhar força?
No dia 3 de Setembro houve uma manifestação em Luanda. Os números, dependendo dos jornais, vão dizer que eram 100 ou 300 pessoas. Mas, em vez de deixarem fazer a manifestação, a polícia impediu quando os manifestantes quiseram sair da praça. Então houve confrontos e alguns feridos ligeiros. Não foi muito violento, mas houve violência, e acho que não é preciso. É melhor deixar sair o vapor da panela do que fechar completamente. Penso que ainda não há condições no país para uma espécie de revolta de rua conseguir grande coisa. Podem partir algumas coisas. É o que aconteceu em Londres, o quebra-quebra. Isso não muda regimes, mas pode acontecer. Mas uma revolução, neste momento em Angola, penso que não há condições. O povo não quer confusão. Houve 40 anos de guerra. Todas as famílias sofreram com esta guerra. Ninguém quer violência neste momento. E, por isso, acho que o governo não devia usar de violência, mesmo que ligeira, para com 300 manifestantes que fossem. Deixem fazer manifestações, deixem fazer todos os sábados, é bom.