A capital gaúcha Porto Alegre será palco, no dia 25 de janeiro (próximo sábado), do lançamento do jornal Brasil de Fato (também conhecido como jornal das esquerdas). Na data, em ato político com a presença do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, do escritor uruguaio Eduardo Galeano, do Secretário Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, da líder do movimento argentino das Mães da Praça de Maio, Hebe Bonafini, será distribuída a primeira edição do veículo, cuja periodicidade inicial é semanal. O evento ocorre no coração do parque Farroupilha (da Redenção), onde se encontra o auditório Araújo Vianna. Começa às 19 horas. Para falar do projeto (cuja raiz genealógica brota dos jornais anarquistas do século 19 – entre eles o O Anarquista Fluminense, de 1835 e o Grito Anarquial, de 1848 –, desenvolve-se pelas publicações operárias do início do século 20, estende seus galhos pela Voz Operária do Partido Comunista Brasileiro (PCB), desfolha-se na imprensa alternativa dos anos 60 e 70 e rende frutos inesperados na década de 90), trocamos e-mails com o jornalista José Arbex Jr., editor-chefe do Brasil de Fato. Nesta conversa, Arbex falou do processo de formação do jornal, da relação que este mantém com os movimentos populares, tece elogios ao Fórum Social Mundial e revela a postura que o periódico assumirá frente ao governo Lula. Segue o texto.
EmCrise – Gostaria que o senhor começasse falando um pouco da história da formação do Brasil de Fato. Quais são os idealizadores? Como foram as discussões para a formação do grupo que hoje integra o conselho editorial do periódico?
José Arbex – Não houve “idealizadores”. Houve a vontade política de atacar um antigo problema da esquerda brasileira: criar e manter um jornal nacional. Não criamos um “ovo de Colombo”. Apenas prosseguimos uma tradição que data dos anos 10 do século passado, com os primeiros jornais anarquistas, passa pelos jornais diários do pcb nos anos 50, pela imprensa de resistência à ditadura militar (Opinião, Movimento, Pasquim, Em Tempo, etc.) e pela imprensa independente dos anos 90 (Caros Amigos, Reportagem, Carta Capital, etc.). A grande ofensiva orquestrada pela mídia contra os movimentos sociais, em particular pela revista Veja, principalmente a partir do ano 2000, foi o fator catalisador deste processo. Tornou-se urgente ter um jornal nacional independente do grande capital.
EmCrise – E o movimento da Consulta Popular, qual a importância que ele teve nesse processo?
José Arbex – Teve um papel muito importante, assim como o MST, a Caritas, as pastorais católicas, os representantes de correntes partidárias e partidos de esquerda, grupos de militantes estudantis, rádios comunitárias, movimentos urbanos contra o racismo e por moradia, incluindo o hip hop e o funk – todas as forças, enfim, que ajudaram a organizar o magnífico plebiscito contra a Alca.
EmCrise – Por que lançá-lo no Fórum Social Mundial?
José Arbex – Por seu espírito plural, pela esperança de que será possível construir um novo mundo, pelas oportunidades de diálogo que são abertas com correntes do mundo inteiro. Em uma palavra: aqui nos sentimos “em casa”.
EmCrise – Como o senhor avalia hoje o cenário de comunicação no Brasil, com as empresas da mídia corporativa em crise financeira? Em face dessa crise financeira e de valores, qual o espaço que o Brasil de Fato pode vir a ocupar?
José Arbex – A resposta não é simples. As empresas estão passando por uma grave crise, e hoje dependem das “tetas do estado”, o que, aliás, não é novidade. O número zero dedica uma de suas páginas ao tema, focando em particular na crise do grupo Globopar, da rede Globo. Podemos ocupar um grande espaço, já que a nossa ambição é criar um jornal que não dependa das tramóias palacianas, nem da “benevolência” das elites, mas do apoio popular. É um desafio muito difícil, mas é o único caminho para construir uma imprensa realmente independente.
EmCrise – Nos anos 90 o senhor esteve à frente de inúmeros projetos ditos “alternativos”, como a revista Caros Amigos. No que o Brasil de Fato se diferencia técnica e ideologicamente dessas outras publicações?
José Arbex – Não se diferencia, nem técnica nem ideologicamente. Diferencia-se quanto à sua periodicidade (será semanal, inicialmente, com ambição de se tornar diário) e, portanto, quanto à linguagem (já que jornal adota uma linguagem fundamentalmente diferente da utilizada na revista).
EmCrise – O Brasil de Fato está umbilicalmente ligado ao MST? Qual é a relação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra com o jornal?
José Arbex – Está “umbilicalmente ligado” a todas as forças mencionadas na questão 2, e a nenhuma em particular. Não é porta-voz de nenhuma destas forças, mas das aspirações expressas, em grande parte, na campanha do plebiscito contra a Alca e em uma ampla plataforma de defesa da soberania nacional, dos direitos humanos, das liberdades democráticas, de uma vida digna para o povo brasileiro.
EmCrise – Como você enxerga a atual conjuntura brasileira, com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva? Qual será a postura do jornal frente ao novo governo?
José Arbex – O jornal não é um partido. Não tem, nesse sentido, uma posição “programática” sobre o governo Lula. Acreditamos, como aliás o resto do país, que o governo Lula é um governo popular, até que ele prove o contrário, se é que isso vai acontecer.
EmCrise – Eduardo Galeano, Hebe Bonafini, Sebastião Salgado, Plínio de Arruda Sampaio, João Pedro Stédile, Aleida Guevara: essas pessoas e suas lutas pessoais revelam que o Brasil de Fato será um jornal extremamente combativo. Como eles atuarão? Serão colaboradores fixos? Ou produzirão de acordo com suas possibilidades?
José Arbex – As duas coisas.
EmCrise – Uma questão mais técnica. Como será o formato do jornal e sua disposição de textos? Haverá espaços para reportagens, notícias, ou Brasil de Fato será baseado em artigos analíticos?
José Arbex – Formato tablóide germânico, inicialmente com doze páginas, de reportagens e notícias, poucos artigos analíticos (que deverão aparecer na estrita medida do necessário), com a ambição de refletir a realidade de todo o país, e não apenas do “eixo Rio – São Paulo”. Para isso, estamos construindo uma rede nacional de comitês de apoio do jornal. Esses comitês enviarão notícias a uma redação localizada em São Paulo, e ajudarão a distribuir o jornal (como atividade remunerada).
*Produzido originalmente para o Intervozes.