I, too, sing America

É pena que o Jornalismo caminhe tão ao largo da Literatura. Os relatórios vigentes, considerados bons textos, não aguçam, não estimulam, não podem ser comidos com voracidade. Daí é que se chega tarde para cobrir uma conferência, mesmo num hiper-mega-super evento como o FSM. Falta de profissionalismo? Foi, sim. Mas nada ali precisava ser tão profissional, estressante, as condições de pressão e temperatura reproduzidas iguaizinhas à da imprensa de verdade (boceja).

Entro numa das salas da PUC, querendo me esconder do furo. Parece que a cobrança pelo inédito, pela cobertura genial paira sobre nossa cabeça como um guarda-chuva. A vontade é de sair correndo para o outro lado. Decido, ali, fazer reportagens sobre os moais, que nunca se mexem.

Mas nessa sala, o que me atrai são os diversos negros que compõem a mesa. Não reconheço o negro estadunidense de voz grave e discurso feroz, falando em Inglês. Ele conta da eterna exclusão dos negros em seu país. Lembra-me um pastor, daqueles que conduzem o sermão em resposteiro – o pregador fala, o público responde com “Amém” ou “Deus seja louvado”.

Entusiasma ouvir o estranho. Não, ele não parece mais um pregador qualquer. Sua poética, o ritmo e a intensidade com que fala lembram o pastor e pacifista Martin Luther King. Lembram também Walt Whitman, um poeta dos EUA. Ah, claro! Isso parece Literatura! Então, liga o gravador, pega o bloco, que vale a pena registrar!

“Nossos rios são profundos”, ele diz. “Nossas almas são mais profundas que os rios. Mas nos tiraram os rios. Agora, o que nos sobrou?” Espera aí: isso não é um poema do… do… “Temos que ser honestos e transparentes nas questões dos negros! Temos que discutir as trocas entre a África e a diáspora, mas nos sentimos isolados, nos Estados Unidos. Ninguém aqui parece saber como os afroamericanos se sentem sobre a possibilidade da guerra. Mas estamos nos mobilizando contra, reafirmando nossa posição quanto a como os EUA respondem à diáspora. A OMC e o FMI são os responsáveis pela submissão da África. Eles perpetuam o legado da escravidão na África e nos EUA, também. A situação dos negros em meu país é a mesma do Brasil. 40% dos infectados pelo vírus da Aids são afroamericanos e latinos. Essa é a mesma estatística da África! Temos de inflamar nosso povo para construir relações e nos manifestar. Isso é um imperativo para nosso povo! Precisamos discutir concretamente a política de reparação!”.

Aí o sujeito, inflamado, manda um um poema. É Hughes, só pode ser. É um trecho de Epilogue!

I, too, sing America.

I am the dark brother.

They send me to eat in the kitchen

When company comes,

But I laugh, And eat well,

And grow strong.

Tomorrow,

I’ll sit at the table

When company comes.

Nobody’ll dare

Say to me,

“Eat in the kitchen,”

Then.

Besides,

They’ll see how beautiful I am

And be asheamed,–

I, too, am America.

Inacreditável: ele desconcertou parte da audiência. Meu amigo, a meu lado, tirou o fone da tradução simultânea: “Meu, a tradutora está inventando ou o cara fala bem, mesmo? Estou ficando arrepiado”.

Aparentemente só eu não o reconheci, eu que estou para a cultura hollywoodiana como um presidente estadunidense está para a Bolívia. O sujeito era o ator Danny Glover. “Ah, um ator”, alguém dirá. Atores representam. É, legal. Acho que devíamos representar assim, também. Com paixão e Literatura, para empolgar, e com fé e convicção, pela credibilidade.

Permitam-me celebrar o referido seminário, ainda hoje: foi duca. Minha cobertura, essa não saiu. Deu nisto aqui, no EmCrise, e é o bastante. O resto são impressões indeléveis que a gente carrega pela vida afora.

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