Em um mundo globalizado, os fatos e fundamentos que sustentam a economia mundial possuem forte impacto em nossa desesperadora realidade local. A propósito, em matéria de desigualdades, as estatísticas macroeconômicas não estão muito distantes daquelas vinculadas à realidade brasileira.
Estudos elaborados pelo Conselho Econômico e Social da ONU, dez anos depois da cúpula mundial de Copenhague (The Inequality Predicament), demonstram que mais de 50% (cinqüenta por cento) da renda mundial está concentrada em apenas 10% (dez por cento) da humanidade (e isto está só piorando!). Outras pesquisas empreendidas por organizações não governamentais informam que 400 (quatrocentos) seres humanos detém 50% (cinqüenta por cento) das riquezas mundiais. São os grandes empresários, monarcas e banqueiros festejados em revistas especializadas e até listados com todos os holofotes e honras por seus feitos financeiros. Constata-se, portanto, que a concentração de renda no sistema internacional é uma difícil realidade, abrindo diariamente um abismo cada vez mais profundo entre nações desenvolvidas (minoritárias) e não desenvolvidas (cada vez mais majoritárias pelo critério demográfico).
Ao mesmo tempo, no Brasil (país que reflete uma realidade comum nas nações menos desenvolvidas – especialmente no critério de desenvolvimento humano), os índices de concentração de renda e desigualdade social permanecem vergonhosos (fato público e notório). Não existe um enfrentamento desta realidade com a seriedade necessária. Não há nem mesmo uma proposta para um esforço nacional em tal sentido (lembrando que programas demagógicos e paternalistas não merecem ser considerados, pois não são sérios e normalmente decorrem da superficialidade com que a elite política avalia a realidade social interna).
O Estado, inclusive via receita derivada (especialmente arrecadação de tributos), pode favorecer uma melhor distribuição da renda nacional, desonerando os mais pobres e onerando os mais prósperos (o que não significa confisco, ou necessário aumento da carga tributária, mas uma verdadeira revolução no sistema vigente, por exemplo, tributando menos a produção e onerando mais o capital meramente especulativo). Em importantes países europeus (a exemplo da Alemanha, França, Bélgica, Itália, Dinamarca, Noruega e Holanda), após a Segunda Grande Guerra, foram realizadas profundas reformas monetárias, estabelecendo uma tributação específica sobre o chamado “estoque de riqueza” dos grupos socialmente mais privilegiados (“imposto de solidariedade”). A própria Constituição Federal brasileira, em seu artigo 153, inciso VII, denomina este tributo de “imposto sobre grandes fortunas”. É o corolário inexorável de uma proposta séria de reforma tributária para tal fim. Contudo, vencido este primeiro desafio, ou seja, vencido o desafio da vontade coletiva, social (das elites) e política em favor de transformações para uma melhor distribuição da riqueza nacional, surgem outros a serem enfrentados: a solução do dilema exploração da mão-de-obra empregada e corrupção do Estado brasileiro.
A exploração da mão-de-obra empregada evidencia-se nos baixos salários (altamente atrativos ao capital estrangeiro corporativo, que, por mais incrível que pareça, remunera melhor e de forma muito mais digna e legítima o trabalhador interno que os empreendimentos de capital nacional, predominantemente). Não se pode ignorar outras evidências de tal exploração, afinal, o Brasil é um triste recordista do trabalho escravo, apesar dos esforços sinceros de autoridades atuantes no campo do direito do trabalho; é recordista no tráfico de mulheres, na prostituição interna de nossas compatriotas, na prostituição de crianças, turismo sexual etc. Que triste realidade é esta que vem sendo historicamente construída, alicerçada na exploração absoluta do ser humano em todos os âmbitos. É a miséria alimentando a miséria! A degradação das famílias esquecidas e abandonadas pelo Estado brasileiro, vivendo em favelas controladas por criminosos que fazem o papel de um governo ausente; homens, mulheres e crianças que se alimentam e sobrevivem nos “lixões” das grandes metrópoles brasileiras (são o subproduto, o sinal mais hediondo desta prática política e econômica que está nos devorando).
As manchetes recentes e de outrora são claras e traduzem uma realidade tão antiga quanto o Brasil: as poucas chances de distribuir renda através do Estado são ineficientes diante da demagogia das elites políticas, da corrupção predominante em todos os escalões da República, em todas as suas esferas administrativas e Poderes, com a participação ativa de empresários, banqueiros, profissionais liberais, operadores do direito etc, lembrando que não existe corrupto sem corruptor. A cultura da corrupção (verdadeira “burrice do demônio”) permeia nossa sociedade, atingindo até mesmo as relações privadas (o que justifica a facilidade com que o crime organizado tem comandado ações impressionantes e até mesmo espetaculares, não só no Estado de São Paulo, mas com ramificações em todo o país, recrutando excluídos e esclarecidos para suas ações nefastas). Nossa geração está colhendo os amargos frutos de séculos de descaso e falta de combatividade às reais causas de nossas mazelas. A propósito, vale transcrever a assertiva de John Patrick Diggins, contida na introdução da obra “Max Weber. A Política e o Espírito da Tragédia”: “Tanto Weber quanto Tocqueville acreditavam que política sem cultura e sensibilidade moral seria pouco mais do que cobiça privada do capitalismo realizando-se através de meios públicos”.
Surge o dilema: como vencer as forças externas que empurram a humanidade para uma desigualdade cada vez maior entre as nações? Como vencer as dificuldades internas oriundas de elites alienadas e insensíveis que corrompem o Estado e exploram os recursos locais à exaustão (incluindo os recursos humanos)? Não há uma resposta simples, mas algumas necessidades são urgentes, a partir de algumas conclusões:
– A globalização é inevitável e isolar-se enquanto nação representaria verdadeiro suicídio econômico diante do intrincado conjunto de relações macroeconômicas hegemônicas. Contudo, os organismos internacionais precisam ser repensados em um esforço mundial de diminuição das desigualdades entre os povos. Por exemplo, a Organização Mundial do Comércio (OMC) precisa urgentemente revisar seu papel de mera homologadora dos ditames das nações mais desenvolvidas (entenda-se G-7), considerando que as nações menos desenvolvidas (ou seja, 80% – oitenta por cento – da população mundial) estão perdendo 2 (dois) bilhões de dólares ao dia com a atual política mundial de comércio, especialmente no setor agrícola (base das economias/exportações no Hemisfério Sul).
– A Organização das Nações Unidas (ONU) urge por mudanças que possam movimentar a opinião pública mundial em favor de suas decisões que favoreçam efetivamente o equilíbrio e a paz. Resumindo: marketing com conteúdo, pois o referido organismo institucional tem feito muita propaganda institucional, sem viabilizar uma maior transparência no seu papel na mediação de conflitos e respectiva eficácia. A propósito, os EUA estão sendo obrigados a repensar sua política penal para os acusados de terrorismo, inclusive diante do desgaste internacional da imagem desta poderosa nação deste 11 de setembro de 2.001, obrigando-se a respeitar as convenções internacionais sobre prisioneiros e a própria Constituição norte-americana no que se refere ao direito ao contraditório, ampla defesa, devido processo legal e não imposição de tribunais de exceção, inclusive para o bem da própria democracia americana. É o resultado da opinião pública internacional em ação e aliada aos próprios movimentos sociais e políticos naquele país que não desejam a destruição de valores fundamentais ao mundo ocidental!
– Internamente, o Brasil, com a máxima urgência, pois o desequilíbrio social está em um limite insustentável, necessita combater males antigos. Fortalecer instituições como o Ministério Público (em todos os níveis), viabilizar uma Imprensa que seja verdadeiramente mais independente dos favores governamentais, ouvir os movimentos e manifestações culturais (artes, como o cinema nacional independente e crítico), combater a cultura generalizada da corrupção, dando o próprio bom exemplo institucional (no coletivo e no individual), moralizando os Três Poderes e educando verdadeiramente nossa população (antes de tudo!) são passos imprescindíveis para “começar” uma revolução que não é de ideologias ultrapassadas, radicalismos, xenofobia, caos social ou qualquer outra conduta que aprofunde a crise, mas nasce de uma transformação na maneira como se enxerga o país e suas instituições (mudanças endógenas).
Como poderemos auxiliar na mudança da realidade internacional, se não somos capazes de internamente alterar comportamentos destrutivos tão ancestrais? Qual é a nossa autoridade moral para tanto? Será que os “Senhores do Poder” (principalmente suas eminências pardas) continuarão a nos canibalizar? Será que a honestidade continuará a ser eventual virtude, mérito (e não dever), quando não é uma vergonha (verdadeiro capitis diminutio)? Será que continuaremos a ser os novos colonizadores em uma terra sempre explorada à exaustão, quando deveríamos construir uma nação de compatriotas e cidadãos?
Cristovam do Espírito Santo Filho – Cidadão e Advogado em Goiânia – Goiás.
OAB/GO 17324
Bibliografia:
1. GONÇALVES, Renato, A herança e a ruptura (cem anos de história econômica e propostas para mudar o Brasil), Garamond Universitária, Rio de Janeiro, 2003.
2. DIGGINS, John Patrick, Max Weber. A Política e o Espírito da Tragédia, Record, Rio de Janeiro, 1999.