Foi muito produtiva a roda de conversa promovida pelo Conselho Curador da EBC – Empresa Brasileira de Televisão -, realizada no penúltimo dia do Fórum Mundial de Direitos Humanos, em Brasília: “Os direitos humanos e a diversidade como pilares da construção da comunicação pública”. Pena que a maioria dos presentes era da EBC, o debate foi bem rico para todos que lutam por uma comunicação democrática. Por outro lado, foi muito importante para aqueles que estavam lá, a troca de idéias entre trabalhadores da empresa e conselheiros foi bastante inovadora – ambos os lados estavam felizes pela conversa franca – e produtiva para o aprimoramento da nossa comunicação pública.
Juliana Cézar e Rita Freire
Coordenado pela atual vice-presidenta do Conselho, Rita Freire, o debate começou com uma boa notícia. Ricardo Soares, diretor de programação da EBC, disse que a partir do próximo ano, ainda no primeiro semestre, a TV Brasil Internacional contará com uma programação especial sobre direitos humanos. O projeto escolhido por meio de seleção é da autoria de Soares, e tem por nome fantasia “Jogo da Paz”, provisoriamente. O programa, segundo o diretor, “mostrará um Brasil que não conhecemos”, reunindo duas comunidades numa competição, e ao final uma visitará e conhecerá a realidade da outra. Bastante interativo e sem ser “institucional, chato, assistencialista; será um programa agradável”, concluiu Ricardo Soares. Também uma parceria com a Secretaria de Comunicação da Prefeitura de São Paulo levará brevemente outro programa – já pronto – para a TV Brasil.
Espaço público privado
Estudioso de muito tempo sobre a participação da sociedade nas políticas de comunicação, o professor Edgard Rebouças, nos deu uma aula maravilhosa. Ele se disse feliz por existir um Conselho Curador na EBC desde o início, pois as esperanças que ele tivera antes de “algum controle social sobre a mídia, além do controle remoto, não aconteceram”. O professor, que já coordenou Observatórios de Mídia em Pernambuco e no Espírito Santo, está hoje cedido para o Ministério da Educação, mas disse não estar ali como “ponto gov”. De cara, Rebouças afirmou que suas críticas à televisão pública são bastante semelhantes as que ele tem em relação à TV comercial. Na verdade, algo sentido pela maioria de nós; ainda não existe televisão diferente no Brasil, todas perseguem o padrão da conhecida campeã de audiência.
“Os índices de violência aumentam no país e é isso que vemos na cobertura jornalística televisiva”, analisou. Não se debate o porquê das coisas. “Se a vida no planeta acabasse, a referência que ficaria seriam os programas jornalísticos da mídia, como ‘espelho’ da realidade. Mas qual realidade? A de quem vê, não a que realmente é”. O professor analisou a publicidade oferecida pela televisão, comparou-a ao jornalismo e questionou a série de desrespeitos que, segundo ele, “são praticados pela mídia, visando manter esse estado de coisas, pois isso interessa a determinadas camadas da sociedade”. Citou violações vistas no cotidiano e temas que não são objeto de matérias no nosso jornalismo, muito menos de análises: desarmamento, redução de maioridade penal, invasão de privacidade, erotização precoce, exposição das minorias, criminalização dos movimentos, etc…
Com o professor Rebouças, discutimos o “padrão de qualidade que deve existir na TV pública”, que não pode ter como referência sempre a BBC inglesa. Menos ainda tentar copiar a TV comercial, que apela para a baixaria para atingir a população de menos renda, na ávida venda ao novo público consumidor no mercado. Debatemos também os jornalistas, que cada vez mais passam a considerar a atuação nesse jornalismo ideológico comum, incluindo concordar com práticas que deveriam ser objeto de consciência do profissional da informação – invadir privacidade, utilizar identidade falsa, etc… Isso tudo fere os direitos humanos. “A sociedade passou a ocupar papel de coadjuvante de seu direito à comunicação”, falou o prof. Rebouças. “O espaço público passou a ser ‘propriedade’ dos donos da mídia e não mais do povo, do cidadão”.
A conselheira Maria da Penha (foto), conhecida militante feminista, – cuja lei para a proteção da mulher contra violência doméstica leva seu nome – também esteve na mesa de debate. Acabara de receber das mãos da presidenta Dilma e do ex-presidente Lula, uma das homenagens como defensora dos direitos humanos, pela sua luta pela igualdade de gênero, em cerimônia que ocorreu dentro da programação do FMDH. Contou-nos da emoção e emocionou-nos com sua história. Ofereceu dois livros em que conta sua vida para sortear entre os presentes.
Então, foi a vez de Juliana Cézar Nunes, coordenadora da Radioagência da EBC, jornalista premiada algumas vezes por suas reportagens em defesa dos direitos humanos. Aliás, ela lembrou na sua fala dos tempos em que era chamada de “setorista de quilombola e churrasco na laje” e considera que isso avançou um pouco, jornalismo sobre direitos humanos agora dá premio. Juliana acredita no Conselho Curador e no fortalecimento do caráter público da EBC. “A promoção dos direitos humanos e da diversidade estão no planejamento da empresa como valores”, analisa, “difícil retratar esses direitos sem que o ambiente interno reflita isso”.
Juliana, que também é feminista e militante por igualdade racial, defendeu a retomada de alguns estudos, como o negro na televisão pública, o manual de jornalismo da EBC. “As empresas públicas devem ser a vanguarda na promoção dos direitos humanos”, disse a radialista, que “aposta na autonomia em relação ao governo” e sugeriu o direito de resposta como base de um debate incisivo sobre a mídia e defendeu a existência de editais com propósitos afirmativos, para incluir na produção e realização de programação os segmentos excluídos.