Vale dos Esquecidos. Até quando?

A maioria das pessoas que moram no norte do Araguaia-MT, região que começa no município de Ribeirão Cascalheira (960 km de Cuiabá) e vai até Vila Rica (1 320 km da capital) não gosta que se refiram à região como “Vale dos Esquecidos”. Depois que o termo apareceu em um programa de TV da rede Globo, ele passou a ser popular é muitos se dirigem a nós como tal.

Mas antes de ser “Vale dos Esquecidos”, somos do Araguaia, uma região cheia de contrastes e marcada pelos conflitos humanos. A natureza se mostra viva e rica: Cerrado, Amazônia e Pantanal¹ se encontram no Araguaia. Mas essa paisagem já mudou muito desde o começo do processo de ocupação, que começou na década de 40. Aqui se instalaram latifúndios, grandes pecuaristas e por algum tempo na história a região foi considerada “rica e produtiva”, do ponto de vista da sociedade nacional.

Mas o sistema que enricou poucos deixou a maioria desamparada. E os primeiros moradores, os que povoaram a região, a massa formada pela população indígena, os trabalhadores rurais e os ribeirinhos, para serem reconhecidos tiveram que reivindicar seus direitos, sobretudo a terra. É aquela velha questão: ricos versus pobres. Essa desigualdade gerou muitos conflitos e alguns deles nunca se resolveram de fato como é o caso de Marãiwatsede², que se estende desde 1960.

De acordo com o IBGE, 50% da população que vive aqui é pobre. Em Confresa (1.165 km de Cuiabá) a renda per capita³ de um trabalhador é de R$ 484,86, menos de um salário mínimo e em São José do Xingu (930 km de Cuiabá), onde foi registrado o melhor índice da região, a renda chega a R$ 755 e 52 centavos.

A BR-158 é outra luta emblemática. São mais de 20 anos de pressão para conseguir asfaltar um trecho que possui um grande potencial para se transformar em um corredor do agronegócio. E nem mesmo com interesse econômico é possível desamarrar esse nó. E alguns chegam a culpar a Prelazia pelo “retardo”, ideia disseminada por alguns que exercem a politicagem. E assim a culpa, sempre que possível é transferida. E para completar, quando sai um convênio o governo faz questão de licenciar a obra para empreiteiras que atrasam ainda mais as obras.

A saúde, nem se fala. Pessoas continuam morrendo por falta de atendimento médico especializado e rápido. A maioria dos municípios não consegue oferecer nem o básico, se limitam em praticar aquela medicina que só diagnostica e encaminha. Os consórcios de saúde vivem com a corda no pescoço; sem recursos financeiros fica inviável construir mais leitos, possuir uma UTI e um berçário. Sem contar os gastos com o transporte dos pacientes.

A educação, um problema nacional, possui peculiaridades regionais. Os alunos das escolas rurais vivem em situações que deveriam ser observadas pela Justiça, pois fere os Direitos Humanos. Péssimas estradas, tetos caindo sobre os alunos, falta de carteiras e material didático, e nessa realidade surgem os heróis por necessidade, os professores. O acesso ao ensino superior ainda é tímido. A Unemat chegou aqui nos anos 90, com apenas cinco cursos de licenciatura. Hoje a situação é melhor, já existem outras extensões da universidade e também da UFMT, além da instalação de algumas faculdades particulares e o avanço do ensino à distância. Mas a grande maioria, pobre, continua excluída.

Os que têm uma condição melhor conseguem tirar seus filhos para estudar em outras cidades. E os outros? Esses vão ficando por aqui e logo tratam de arrumar um emprego. Que emprego? Nas fazendas, das casas de famílias e no comércio. Não há muitas oportunidades. A prefeitura ainda é a maior empresa de uma cidade. E os concursos têm cartas marcadas. O voto de cabresto ainda impera em municípios em que seus governantes insistem em manter mini-ditaduras misturadas com filme de bang bang.Neste ano, o prefeito de Novo Santo Antônio (1.120 km de Cuiabá) no dizer do povo teve uma “morte matada”, o que significa que foi assassinado, no caso por questões políticas.

Todo mundo, aqui, defende um político, um partido. Mas os eleitos pouco fizeram/faz pelo povo. Alguns que se utilizam do lema de Maluf, mas não são leais aos seus. No entanto, a forma de fazer política vem mudando; estão surgindo questionamentos sobre o atual modelo, e, sobretudo quais são os impactos dessas [ausências de] políticas no Araguaia.

No atual momento o assunto em destaque é a realização do 1º Fórum sobre a criação do Estado do Araguaia. A reunião vai acontecer em Porto Alegre do Norte (a 973 km de Cuiabá). O encontro é uma articulação do PSDB, partido de oposição do governo de Silva Barbosa, (PMDB). O interesse pela divisão não é novidade, e nem é de interesse apenas do PSDB. Outros prefeitos defendem a divisão, como é o caso do Presidente da Associação dos Municípios do Norte Araguaia (AMNA), Fernando Gorgen (PR) de Querência e até o próprio Silval já fez campanha pela divisão, mas o assunto nunca ganhou muito espaço na mídia e nem nos gabinetes dos políticos mato-grossenses.

O fato é que existe um grupo interessado em levantar essa discussão. Incentivados pelo plebiscito que vai acontecer em dezembro no Pará os favoráveis à divisão, acreditam que com a criação de um novo estado o Araguaia vai finalmente se “desenvolver”. A ideia é muito geral, e chega ser utópica, visto a imaturidade da discussão. Mas defendo manifestações como essa. Por quê? Observando a história brasileira, pude notar que as conquistas populares foram realizadas a partir da pressão. Não foi de livre e espontânea vontade que a sociedade branca devolveu a liberdade aos negros ou foi por querer que o governo desapropriar grandes áreas e as entregou para os trabalhadores rurais.O pobre sempre teve/tem que lutar. E a luta deve ser organizada. A democracia se dá através da organização dos grupos. Das ideias.

E a política é o que rege a sociedade é já que estamos dentro dela vamos ficar parado vendo uns ou outros se levantando e dizendo o que querem, defendendo poucos, nos excluindo com a nossa permissão?

A divisão do Estado não é uma lâmpada mágica. Mas levantar essa discussão é preciso, o debate simboliza a busca por um diagnóstico sobre a realidade do Araguaia. Precisamos mostrar nossa força e união ao governo de MT, da Dilma. É nosso dever apontar as soluções para enfrentar a pobreza e todos os males que ela provoca. Não dá mais pra vender voto, pra barganhar favores que sempre acabam. Essa relação nojenta entre candidato e eleitor tem que acabar. Senão, vamos continuar a ser e viver no “Vale dos Esquecidos
”.

Notas
¹ – planície localizada na porção Nordeste do estado, que é sazonalmente inundada pelo Rio das Mortes e pelo Rio Araguaia. Esta planície apresenta características evidentemente semelhantes às encontradas no Pantanal Mato-grossense . (Fonte: http://envolverde.com.br)
² – Terra indígena do povo Xavante, localizada entre os municípios de São Félix do Araguaia e Alto Boa Vista.
³ Pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV)/1º semestre de 2011.

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