Foto: Bia Barbosa, mandato do deputado Ivan Valente (PSOL-SP)
Com uma gestão marcada pelo descaso, abandono e ações higienistas contra a população carente do município, Gilberto Kassab foi eleito o pior prefeito que São Paulo já teve. O diploma seria entregue a ele quando de sua saída da missa pelos 458 anos da Capital, realizada na Catedral da Sé em 25 de janeiro. À sua espera, cerca de 2 mil manifestantes, que protestavam contra a desocupação no Pinheirinho, na zona sul de São José dos Campos, no último dia 22, e no bairro paulistano da Luz, na área denominada Cracolândia, a partir do dia 3 do mesmo mês.
Kassab se esquivou de receber a comanda, saindo pelos fundos da igreja, sob a proteção do aparato repressivo do Estado. Gás pimenta, bombas e cassetetes foram usados para dispersar os participantes do protesto. O prêmio não foi entregue, mas com certeza foi dado o recado, direcionado também ao governador Geraldo Alckmin – o qual tem se notabilizado pelo autoritarismo e consequente uso arbitrário do efetivo policial, como aconteceu na Cracolândia, no Pinheirinho e no ano passado na desocupação da reitoria da USP (Universidade de São Paulo). O tucano não compareceu à cerimônia religiosa, mas se fez representar pelo seu vice, Guilherme Afif Domingos. “Não nos representam” e “Criança morrendo, governo se escondendo” foram algumas das palavras de ordem que ressoaram ao redor da catedral.
Pinheirinho
Presente ao ato, Maria da Silva contou que há seis anos morava no Pinheirinho. Sobre a ação da polícia, relatou: “No domingo, às seis horas da manhã, entraram de repente. Botaram todo mundo para fora, bateram até em criança, não deu tempo de tirar nada. Famílias foram separadas, eu e meu companheiro estamos na igreja, minhas filhas estão num colégio.” Há cinco dias sem poder ver sua prole, ela aguardava uma solução. “Até agora a Prefeitura de São José dos Campos não disse nada. Queremos ter direito a moradia e nossas coisas de volta.” Luiz Carlos Prates, o Mancha, do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), denunciou: “As pessoas estão sendo tratadas como animais, colocadas em abrigos como se fossem campos de concentração.” A Marcha Mundial de Mulheres lembrou que a mulher é uma das vítimas principais e quem mais sofre nessa situação.
Roberto Nicolosi, do Comitê de Solidariedade ao Pinheirinho, informou que um dos caminhos para mudar esse quadro perverso é pressionar o governo federal a desapropriar a área do Pinheirinho. São mais de 1 milhão de metros quadrados, entregues na reintegração de posse à massa falida da empresa Selecta, pertencente ao empresário Naji Nahas – o qual chegou a ser preso em 2008 por evasão de divisas e lavagem de dinheiro, mas aparentemente mantém seu poder de influência nos círculos da alta política. “O que imperou nesse caso foi a especulação imobiliária. O objetivo é que o terreno volte à comunidade que lá morava (9 mil pessoas).”
Sobre as iniciativas programadas na busca por garantir o atendimento dessas reivindicações, ele citou panfletagem que ocorreu na manhã deste dia 26 em diversas estações do metrô de São Paulo esclarecendo sobre o assunto; atos públicos em diversas partes do País; coleta de material para assistência emergencial aos desabrigados, em especial água e fraldas; e campanha de arrecadação financeira para as famílias (no site http://cspconlutas.org.br). Está ainda programado um grande ato nacional em São José dos Campos, na manhã do dia 2 de fevereiro.
“Uma vaia ao STJ (Superior Tribunal de Justiça, que acabou por validar a decisão estadual de reintegração de posse) por tratar a questão da moradia como caso de polícia. Nosso repúdio ao Prefeito de São José dos Campos e a Alckmin, que agem pela repressão. E à ambição do governo federal, que poderia ter garantido há oito anos moradia digna ao pessoal do Pinheirinho. Nosso repúdio a Kassab por sua política higienista”, discursou o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) durante o protesto. Também estiveram presentes os parlamentares estaduais Carlos Giannazzi (PSOL) e Adriano Diogo (PT).
Luta internacional
O ato – que englobou passeata e terminou com uma intervenção cultural na área que era conhecida como Cracolândia – teve a presença de representantes do Comitê de Solidariedade ao Povo Sírio e da Frente em Defesa do Povo Palestino. Entre eles, Muhamad Kadri, que afirmou: “Essas lutas por terra, justiça, moradia se casam. Só que lá (na Síria) temos uma ditadura e aqui, uma ‘democracia’. Na Palestina, temos um regime de ocupação, aqui não.”
Além de estarem na pauta direitos humanos fundamentais em todas essas batalhas, outro ponto que as aproxima foi destacado por Kadri: a premência em denunciar as formas de repressão e opressão, que são semelhantes. “Vivenciamos isso quando estivemos nas marchas pelo direito de retorno dos palestinos a sua terra, na fronteira da Jordânia (em 15 de maio de 2011).”
Na sua ótica, portanto, as lutas têm que ter essa perspectiva internacionalista. “A parceria com Israel para o fornecimento de armas e tecnologia de defesa serve para fortalecer a repressão aqui.” A referência é aos acordos militares que têm sido firmados pelos governos sionista e brasileiro. É preciso, assim, conforme Kadri, exigir a ruptura dessas relações – o que, além de contribuir para a manutenção da ocupação israelense, reflete na criminalização dos movimentos sociais e da população carente em território nacional. Esse tem sido um dos focos da campanha brasileira por BDS (boicote, desinvestimento e sanções) ao apartheid de Israel, lançada em setembro último pela Frente em Defesa do Povo Palestino, que congrega dezenas de organizações representativas da sociedade civil brasileira.