O cúmulo do absurdo parecia improvável no Brasil em plena democracia: manifestar-se, direito previsto na Constituição Federal agora é direito de apenas uma parcela da elite brasileira, desde que acompanhada de babá ou empregada para cuidar dos seus filhotes coxinhas. Não, você não leu errado. Um trabalhador, participando de ato da Frente Povo Sem Medo em desagravo à Rede Globo de televisão, foi detido junto com o filho de apenas sete anos (diga-se de passagem, o menino berrava em desespero) pelo simples motivo de estar em um ato público com seu filho. O direito de educar nossas crianças para a democracia pode ter acabado, segundo a autoritária Polícia Militar de Brasília, justamente há menos de 15 minutos do Congresso Nacional, no último dia 24 de março de 2016, 31 anos após o fim da ditadura civil-militar no país.
A manifestação corria naturalmente desde a saída dos cerca de 300 manifestantes da região central da capital, quando chegaram a sede da Rede Bobo, digo, Globo de Televisão na capital federal, por volta das 19h. A marcha, composta especialmente por integrantes do Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST), militantes da democratização da comunicação e da Frente Povo Sem Medo pediam mais democracia, gritavam contra o golpe em curso na jovem democracia brasileira com apoio do referido canal de televisão. Foi que então, na entrada do canal, com uma linha de PMs devidamente cercando o local e impedindo qualquer acesso, que o menino brincava com bonecos, enquanto o pai tirava retratos do mesmo e o ato seguia com palavras de ordem da militância. Impaciente, um major, que negou-se a se identificar (quem conduz a criança no vídeo) tomou a criança dos braços do pai e deteve o mesmo por estar com a criança no ato. Várias outras famílias conduziam as crianças na ação, fato comum já que as classes trabalhadoras e especialmente sem teto não contam com babás ou renda extra para pagamento de creches enquanto lutam pelo direito de se alimentar e ter mínima dignidade da vida com casa própria.
Arvorada numa argumentação pífia, a PM brasiliense — de uma truculência inenarrável — arrancou o filho do pai e traumatizou a criança, conduzida aos gritos com o pai, o militante Chico Carneiro e o sindicalista Yuri Soares, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que ousou protestar contra a truculência da PM candanga.
Não satisfeitos os policiais dispararam, há menos de um metro da criança, gás de pimenta contra o grupo que se indignou com a ação violenta da PM. Na Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) de Brasília todos foram liberados por não ter sido constatado qualquer indício de ilegalidade do pai ou do menino.
Truculência desnecessária
Indignada, uma mãe se aproxima e vocifera contra a polícia: “Vocês não tem coração? Eu sou mãe, vocês não sabem o que estão fazendo. Não sabem o que isso significa pra essas crianças? Na manifestação dos coxinhas pode trazer criança? Porque nós não podemos? Seus corruptos”, denuncia a mãe negra, habituada mas não resignada a opressão contra os Sem-Teto.
Vídeo e Reportagem: Ruas e Redes