Malaika nakupenda malaika. Malaika nakupenda malaika. A canção, entoada em suaíli, chegou a arrancar lágrimas numa das participantes do Fórum Mundial de Mídia Livre na manhã de hoje (25). Foi assim que o queniano David John Bwakali (das organizações Environmental Africa e Indy Media) iniciou sua fala sobre as dificuldades de se exercer a liberdade de expressão, mesmo num país democrático como é o Quênia. Outros casos de violações desse direito, em contextos ditatoriais e democráticos, foram discutidos na atividade “Imaginemos um mundo sem mídia livre”, organizada pela ONGs francesa Ritimo e a brasileira Ciranda.
Bwakali apresentou as dificuldades que comunicadores populares e midialivristas enfrentam mesmo na democracia queniana. Diferente da situação do Chade , país africano onde há 25 anos o mesmo presidente se mantém no poder, no Quênia não se é preso ou exilado pela divulgação de qualquer tipo de conteúdo. Porém, na favela Korogocho, na capital do país, a rádio Kosh não consegue levar sua mensagem para fora da comunidade, pelas limitações de transmissão semelhantes às das rádios comunitárias brasileiras. Nesse caso de comunicar para além das fronteiras de uma localidade, a internet acaba sendo uma saída, como acontece com a experiência de uma blogueira de Ruanda que conseguiu divulgar um discurso contra-hegemônico através do Facebook, com dezenas de milhares de curtidas e compartilhamentos, fazendo valer uma disputa contra a mídia que incitou o genocídio de 1994, conhecido pelos brasileiros principalmente através do filme Hotel Ruanda (2004).
O contexto brasileiro se assemelha, em alguns aspectos, ao queniano. A jornalista e consultora da ONG Conectas, Laura Daudén, falou sobre a liberdade de expressão na perspectiva dos direitos humanos e a dificuldade de aplicação dos parâmetros para a prática concreta. O Brasil ainda tem como desafios a regulação da comunicação e a aplicação da Lei de Acesso à Informação, que foi promulgada no bojo das revisões acerca da ditadura militar brasileira e já completa três anos no próximo mês de maio. Sua aplicação, porém, ainda não é efetivada. “Pedimos para a Polícia Militar o número de pessoas feridas nas manifestações de rua de 2013, e ainda hoje não obtivemos uma resposta”, disse Laura Daudén.
A jornalista e integrante do Coletivo Intervozes Bia Barbosa pontuou que, além das questões políticas, o direito à comunicação também é limitado pelo poder econômico. “A concentração midiática faz com que no Brasil a mídia não reverbere a pluralidade e diversidade culturais que existem no país”, afirmou.
A canção queniana, que dizia “anjo, eu te amo, anjo” trouxe ternura para a dureza do debate, que contou com casos de pessoas que chegam a ser presas e expatriadas por exercer o direito à comunicação. Um mundo sem mídia livre talvez não demande um grande esforço de imaginação, seja em ditaduras ou regimes democráticos.
Por Mônica Mourão, jornalista e integrante do Coletivo Intervozes, e Pedro Vilela, jornalista e secretário-executivo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).