“Quando uma mulher entra na política, muda a mulher, mas quando várias mulheres entram na política, muda a política” – Michelle Bachelet
Todo período eleitoral o assunto vem à tona, mas é a primeira vez numa eleição nacional que o número de candidaturas femininas ultrapassa os 30% exigidos pela lei de cotas. O aumento é risível, 0,7%, mas nunca as mulheres tinham conseguido nos partidos o simples respeito à lei. Entretanto, isso não quer dizer que mais mulheres se tornarão parlamentares ou governadoras, pois a maioria delas continua entrando na corrida eleitoral com pequenas chances de ser eleita.
A situação histórica é a mesma para outros segmentos organizados e considerados “minorias” – especialmente jovens e negros, que na real são também maiorias – indígenas, LGBTTs, pessoas com deficiência. Para reafirmar como as exlcusões se juntam, está entre as candidaturas de jovens (6,8%) a maior participação de mulheres (52,3%) e também de negros (45,4%). As candidaturas desses segmentos, principalmente das mulheres, são mais visíveis nos partidos de “esquerda”. É natural que as mulheres tenham um espaço mais igualitário nos partidos que se colocam contra o capitalismo, pois patriarcado e racismo estão nas bases estruturais da exploração capitalista.
Vergonhosos números
Nós mulheres, somos mais de 100 milhões (51,5%), de acordo com o PNAD 2011, enquanto os homens não chegam a 95 milhões (48,5%). Somos também maioria entre os eleitores aptos a votar – 52,13%, segundo dados divulgados pelo TSE. Somos a maioria dos assalariados (números variáveis, dependendo do IBGE, da PNAD ou outros), sem contar a larga presença das mulheres no mercado informal. E somos também maioria entre os desempregados! E recebemos cerca de 70% do rendimento dos homens, porcentagem menor ainda quanto mais estudo tem a mulher! e são elas também que estudam mais hoje em dia. E quadruplicou em dez anos o número de famílias cuja principal responsável é uma mulher. As mulheres “chefes de família passaram de 28% em 2002 para 38% em 2012, segundo a PNAD.
Sempre é bom recordarmos os vergonhosos índices da participação da mulher na política brasileira, embora estejamos sob a presidência de uma mulher. Dos 27 governadores de estados e do Distrito Federal, apenas duas (7,7%) são mulheres. Elas são Roseana Sarney (PMDB), no Maranhão, e Rosalba Ciarlini (DEM) no Rio Grande do Norte, exemplos de uma das formas mais comuns da entrada da mulher na política – herança familiar. Nas prefeituras temos atualmente um recorde histórico, 12% são comandadas por mulheres. O percentual de mulheres no Congresso é de 8,7% do total, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); entre os 513 deputados federais, apenas 45 mulheres foram eleitas nas últimas eleições gerais em 2010.
Levantamento realizado com 189 países, atualizado em maio pela União Interparlamentar (UIP), coloca o Brasil na 129a posição mundial em termos de participação política da mulher. A base do estudo é a presença de mulheres na principal casa legislativa de cada nação. Na América Latina e Caribe, onde a média de mulheres no parlamento é de 25%, o Brasil está à frente apenas da Colômbia e do Haiti; o primeiro lugar pertence à Cuba, com 48,9%. E entre os países que compõem o BRICS? Adivinha, somos os últimos: África do Sul 40,8; China 23,4; Rússia 13,6; Índia 11,4 e Brasil 8,7.
Ação afirmativa ou hipocrisia
Há um consenso entre as feministas sobre a dificuldade em conquistar espaços nas estruturas patriarcais de poder, como sindicatos e partidos. Para muitas, por experiência própria. Nos partidos e sindicatos, por exemplo, até se incentiva, que as mulheres discutam suas questões específicas, assim como os negros discutam o racismo, os “lgbtt” discutam diversidade sexual, cada qual no seu “setorial”. Comum nas organizações e instituições hoje haver o lugar das “minorias” dentro da estrutura.
Desde as “sufragistas” que lutaram na virada do século passado para que as mulheres pudessem votar, elas não pararam mais de tentar ocupar espaços em todos os campos da vida. E vem se sobressaindo em diversas áreas do conhecimento e produção humanas. “É muito grande o descompasso entre o dinamismo das mulheres na sociedade e sua representação no sistema político”, afirmou Jacira Vieira de Melo, feminista, mestre em comunicação e diretora do Instituto Patrícia Galvão, no seminário “Presença das mulheres nos espaços de poder e decisão”, promovido em agosto por Católicas pelo Direito de Decidir (CDD). “De 1992 até 2012, o avanço da representação política da mulher foi de 1% a cada eleição. No ritmo em que estamos desde a redemocratização, vamos levar 170 anos para ter paridade”.
Outro consenso é de que devido à falta de vontade política nos partidos em superar o patriarcado, a conquista de leis para ações afirmativas, como as cotas, é insuficiente. No Brasil, elas não deram certo. “A conquista da cota (1995) foi a primeira ação afirmativa com potencial de provocar mudanças profundas nesse quadro”, falou Patrícia Rangel, doutora em Ciência Política pela Universidade de Brasília, no mesmo seminário de CDD. “Mas no Brasil isso não aconteceu, as cotas foram sistematicamente desrespeitadas e violadas pelos partidos. Na Argentina, há o sucesso da cota (36,6% mulheres no parlamento, 5º lugar na AL). Mas no início, em 1991, os partidos encontraram válvulas de escape. A diferença é que a justiça eleitoral atuou fortemente para obrigá-los a cumprir a cota. Aqui no Brasil, a justiça eleitoral só recentemente (2012) ameaçou o indeferimento das candidaturas masculinas”. Isso talvez explique o sucesso das cotas nesta eleição.
A cientista social explicou as mudanças ocorridas na lei de cotas em 2009, para melhor formular a obrigatoriedade dos partidos apresentarem o mínimo de 30% e o máximo de 70% para cada sexo (modificando a lei 9.100, de 1995) e de aplicarem pelo menos 5% do fundo partidário para promoção e difusão da participação política das mulheres. “Mas não se pode utilizá-lo em campanhas”, lamenta Patrícia. “O tempo de propaganda conquistado não pode ser usado em ano eleitoral. Movimentos feministas participavam da comissão tripartite para a reforma política, algumas sugestões nossas entraram no projeto apresentado ao Congresso, mas não conseguimos nada perto do que queríamos”. Por isso, este ano os partidos trataram de cumprir a cota.
Mesmo assim, Jacira Melo não tem dúvidas de que o sistema de cotas no Brasil é patrimônio positivo. “Trouxe a questão para o debate público nos anos 90, quando a mulher na política não era tema de discussão”, pondera a jornalista. “Todo final de eleição, os resultados saem rapidamente, e a quantidade de mulheres eleitas é notícia; serve para levar o debate da paridade em outras organizações. A contribuição é consolidada, sem o sistema de cotas a percepção da população seria ainda mais difusa”.
“Os partidos não querem as mulheres, não querem abrir mão do poder ”, sentencia Jacira. “As mulheres não competem em igualdade de condições com os homens, e os partidos tem dificuldade de encontrar mulheres para essa concorrência”. A feminista anunciou no seminário, em primeira mão, a apresentação dos resultados da última pesquisa realizada pelo IPG. Trata-se de pesquisa qualitativa, conduzida por antropóloga, entrevistadas 7 mulheres que foram candidatas a vereadoras e não se elegeram e 7 que se elegeram, das mais variadas profissões, com roteiro semelhante. “Trabalho simples”, diz a pesquisadora, “mas que já mostrou a que veio”.
Ela chamou de “entrada pela porta dos fundos”, a maneira como a qual a maioria das militantes dos partidos torna-se candidata. O primeiro dilema é ser candidata ou não, já que o espaço só acontece próximo das convenções. O segundo é a negociação com a família, conflitos aparecerão com certeza. Depois percebe que as condições não permitirão que seja eleita, mas o compromisso a obriga a levar a candidatura até o fim. “Na verdade o convite é pra preencher a cota mínima, feito de forma eficiente, com mulheres que não tenham chance de serem eleitas, mas que possam concorrer efetivamente para o coeficiente do partido”, diz Jacira. “É fácil a mulher conseguir legenda, há falta de candidatas no mercado eleitoral, ao contrário dos homens que têm dificuldade. As mulheres embarcam numa aventura no escuro, algumas candidatas dizem que foi a pior experiência da vida”.
As mulheres estão na política
Na verdade, há muitas mulheres valorosas nos partidos, sobretudo naqueles mais ligados aos movimentos sociais. “Os partidos brasileiros têm a dimensão dos mecanismos necessários para aumentar a participação feminina na política”, concorda Patrícia Rangel. “Falta vontade política. Neste e em outros aspectos, os partidos brasileiros têm se mostrado como instituições conservadoras. Além das mulheres, estão sub-representados os negros e os índios. Política no Brasil tem sido arena de homem, branco e proprietário”, disse a pesquisadora, consultora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfema), responsável pela série histórica Mulheres e Eleições 1996 – 2012, que acompanha a evolução das candidaturas de mulheres.
Elas não priorizam, como os homens, a disputa pelos espaços de poder dentro dos partidos, dificilmente estão em cargos de decisão, mas compõe a maioria das suas bases e dos movimentos sociais. E no plano institucional, o movimento de mulheres tem conquistado várias políticas públicas nos últimos anos – Lei Maria da Penha, direito à propriedade e acesso ao crédito agrícola para as mulheres rurais, políticas de saúde, cotas diversas, licença maternidade maior, programas de habitação em nome das mulheres, organismos de mulheres dentro dos governos. São exemplos citados por Maria Teresa Citeli, Doutora em Sociologia (USP) e pesquisadora no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da UNICAMP, ao mostrar a grande diferença na relação institucional com o Estado e na política eleitoral.
“Nossas representantes são infiltradas, como alguém que entra no ambiente não próprio”, analisa Teresa Citeli. “As mulheres são consultoras, fazem concursos para lugares básicos, atuam nos conselhos que vieram com a redemocratização. Criamos espaços inclusive na academia com temas novos, fizemos outras opções de trajetórias, avançamos por outros caminhos no Brasil”. Conquistas como a criação da SPM ela não considera infiltração. “A conquista da SPM é algo que tem continuidade, estamos assentadas, não infiltradas, temos participação no aparelho de Estado”. Para a socióloga, “precisamos de ação coletiva para superar a defasagem.”
Mulheres melhoram a política
Em 2010, 67% dos eleitores e eleitoras votaram em mulheres – Dilma e Marina, o que prova que é preconceito e coisa muito antiga, o não votar em mulher. Pesquisa recente do Ibope Inteligencia, em parceria com o Worldwide Independent Network of Market Research (WIN), divulgada em janeiro último, aponta que 41% dos brasileiros acreditam que o mundo seria melhor se as mulheres fossem maioria no meio político. Os que pensam o contrário são apenas 9%. Outros 45% disseram que tanto faz. A média brasileira é a maior entre todos os 65 países participantes da pesquisa, que é de 34%.
Também o IPG fez uma pesquisa junto com o Ibope, no projeto “Mais mulheres na Política”. Segundo Jacira Melo, os resultados mostraram que 74% dos entrevistados acreditam que só há democracia de fato com as mulheres nos espaços de poder; 8 entre cada 10 consideram que as mulheres deveriam ocupar metade das Câmaras, Assembléias e o Congresso; 71% consideram a reforma política muito importante para garantir 50% de homens e mulheres nas listas de candidaturas; 73% defendem punição ao partido que não apresentar lista com metade de mulheres e homens. “Uma reflexão que essa pesquisa traz é a de que a exclusão das mulheres na política é a última fronteira a ser revertida, tema deve ser importantíssimo para cada uma de nós que faz política neste país”.
Há outro consenso atualíssimo entre as feministas: sem uma reforma política profunda que garanta o financiamento público, a lista fechada com alternância de gênero, as mulheres não conseguirão ampliar esses índices de participação. Teresa Citeli dá como exemplo a Alemanha, um dos países pesquisados por ela e que tem um índice de 36,5 de participação política da mulher. “Nas décadas de 1970/80, desenvolve-se um movimento feminista vigoroso na Alemanha, sobretudo no PV”, explica a professora. “Nos anos 80 elas já colocam a proposta de lista fechada, paritária, com alternância de nomes. Quando existe lista fechada como na Alemanha, é como se fosse um zíper, necessidade de entrar os dois lados para que feche”. Na América Latina, a Argentina tem índice semelhante e foi o primeiro país a implantar a lista fechada. “E não é paritária, é dois para uma; mas nos ajuda a entender um pouco a diferença grande com o Brasil. Entretanto, a energia gasta pelas companheiras para conseguir isso provavelmente não as levou a essa mesma ocupação dentro do Estado, a relação da Igreja com o Estado na Argentina é mais próxima”.
Desde 2000, as mulheres são maioria do eleitorado e decidem as eleições. Como sabido, as mulheres demoram mais para decidir, pois decidem em cima de propostas concretas, com mais critério, pois são elas que mais usam os serviços públicos. Nestas eleições, há somente 2.272 mulheres entre as 7.139 candidaturas a vagas na Câmara. Mas o percentual de mulheres vem crescendo. Nas eleições para Câmara, em 1998, o número de mulheres na disputa era de 10%; nas eleições de 2010, este percentual foi de 19%; hoje chegou perto de 31%. Veremos quantas serão eleitas. Das eleitas, veremos quantas defenderão os direitos das mulheres, sobretudo as demandas históricas que disputam com a visão dos fundamentalistas que seguem tentando controlar o corpo das pessoas. Precisamos ter mais mulheres na política, ou ter mais feministas que enfrentem o debate na sociedade pela autonomia e liberdade das mulheres?