A liberdade de expressão e a comunicação pública foram debatidas em duas rodas de conversa, na tarde do primeiro dia do Seminário Internacional do Fórum Mundial de Mídia Livre (FMML), que acontece até o dia 25, em Porto Alegre, no contexto do Fórum Social Temático 2014. A atividade, mais uma etapa do processo do FMML, tem como foco a construção da Carta Mundial da Mídia Livre e a preparação para o IV Fórum Mundial de Mídia Livre, que acontece em 2015, na Tunísia.
Rosane Bertotti, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), iniciou o debate lembrando que a liberdade de expressão é a base para a realização de uma democracia plena. A disputa do conceito, no entanto, é uma batalha que a sociedade terá de travar com o poder estabelecido. “Precisamos saber de qual liberdade estamos falando. A da mídia comercial ou de toda a sociedade?”, provocou. Os veículos da grande mídia acusam governo e movimentos sociais de tentativa de censura sempre que há qualquer tentativa de regulação da comunicação que defenda o fim do monopólio e a democratização dos meios, como aconteceu durante a I Conferência Nacional de Comunicação, em 2009; a criação do Conselho Estadual de Comunicação na Bahia – e a tentativa de criação em outros estados.
“Os meios de comunicação são os principais instrumentos ideológicos de perpetuação no poder”. Foi com essa afirmação que Jerry de Oliveira, do Movimento Nacional de Rádios Comunitárias (MNRC), defendeu o fim da propriedade cruzada dos meios de comunicação e a socialização do espectro (distribuição das frequências da radiodifusão). “O espectro tem que estar a serviço social. Toda a sociedade tem que ter o seu canal”.
Oliveira, que foi condenado em primeira instância a dois anos e meio em regime aberto por crime de radiodifusão e denunciou a perseguição sofrida pelos operadores de rádios comunitárias. Só nos últimos sete anos, mais de sete mil rádios foram fechadas. Além disso, no Brasil há mais de trinta mil pessoas processadas por manterem uma rádio sem a permissão do Estado.
Com as rádios comerciais, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) é bem mais condescendente, chegando a anistiar 450 retransmissoras que atuavam irregularmente. Mas com os comunicadores comunitários, no entanto, o Estado Brasileiro é implacável; Jerry vai recorrer da decisão, mas se perder novamente, terá de pagar uma multa. “Se eu for condenado vou fazer a campanha da moedinha de R$0,05 para pagar”, diz, irreverente.
Os fechamentos das rádios comunitárias e a condenação de seus operadores, que viola o direito constitucional à liberdade de expressão, estão amparados no Artigo da Lei 4.117/62, da época da ditadura militar, lembrou Oliveira.
Somando forças
Os participantes do debate acreditam que o movimento pela democratização da comunicação deve atuar em diferentes frentes – na disputa política por um marco legal das comunicações, na produção de mídia livre e independente, no convencimento da população sobre a importância da pauta. Além disso, é preciso convergir com as lutas de outros movimentos sociais. Bia Barbosa, do Coletivo Intervozes, acredita que o período das eleições é um bom momento para fortalecer o debate sobre a necessidade de regular a comunicação em convergência com as discussões em torno da reforma política. “Podemos trazer à tona a discussão de políticos que são concessionários de radio e televisão, o que viola o artigo 54 da Constituição Federal, por exemplo”.
Ampliar a mobilização no processo de arrecadação de assinaturas do Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Mídia Democrática também é uma necessidade apontada pelo movimento. Até o momento, cerca de cem mil assinaturas foram colhidas. Para ser protocolada no Congresso, serão necessárias mais de um milhão.
Comunicação pública
Na segunda rodada da tarde, conselheiros da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) discutiram os desafios de fortalecer a comunicação pública, levando em conta aspectos como autonomia financeira e política, aumento de produção e melhoria da qualidade na programação, maior participação popular, além da popularização da TV pública, aumentando seu alcance.
Os conselheiros da EBC Rosane Bertoti, Mário Jakobskind e Rita Freire, vice-presidenta do Conselho Curador, falaram sobre o processo de eleição do Conselho que está em curso e deve eleger mais cinco representantes da sociedade civil. Bertoti criticou a interferência do governo no processo – a presidenta Dilma elege os candidatos a partir de uma lista tríplice elaborada pelo conselho com base na votação das organizações sociais credenciadas para participar do pleito. Freire lembrou a importância do Conselho, que exerce uma função deliberativa das diretrizes da EBC.
Jakobskind destacou a importância da comunicação pública na mudança de cenário das comunicações no país. “A empresa pública tem um papel fundamental nessa peleia pela democratização da comunicação. Ela é um espaço a fortalecer e a conquistar, através do Conselho, da ouvidoria. Os meios de comunicação temem o contraponto que a EBC representa”, diz.
Comunicação na América Latina
A pesquisadora argentina Magali Yakin contou sobre o processo de criação da União Americana de Agências de Comunicação que tenta fazer um contraponto ao monopólio constituído por cinco grandes agências internacionais de notícias localizadas nos Estados Unidos e Europa. Segundo a pesquisadora, essas agências juntas produzem 80% das informações internacionais que os diários de todo o mundo têm como base para publicarem.
A União de Agências tem como objetivo equilibrar o fluxo de informações no globo e lançar um olhar do próprio continente sobre sua realidade. Brasil, Paraguai, México, Cuba, Argentina e Equador compõem a iniciativa. Yakin destacou a importância da agência local para que a produção de informação leve em conta os interesses do continente e para melhorar o diálogo e cooperação entre os países. “Como podemos não saber de nada que se passa nos países vizinhos? Só sabemos de algo que acontece na Bolívia, quando se trata de catástrofe natural ou de crimes violentos”.
Agência Jovem de Notícias, por Vânia Correia