Com direito a plantação de árvores e saudações dos moradores, as duas mil militantes da Marcha Mundial das Mulheres que desde o dia 8 de marco caminham de Campinas a São Paulo chegaram neste sábado a Várzea Paulista, onde à tarde realizam ato público com lançamento de livro e show da cantora Leci Brandão. Elas saíram às 6h da manhã de Jundiaí e durante quatro horas caminharam por dentro da cidade, até chegarem ao Centro da Cidadania, em Várzea Paulista.
O fato do trajeto de hoje ter sido pelos bairros, não pelo acostamento da rodovia Anhanguera, melhorou significativamente a qualidade da reação das pessoas que estavam no entorno. No lugar dos preconceituosos gritos de “ Vai trabalhar” ou “Vai lavar louça” de alguns motoristas, palmas e acenos de solidariedade dos moradores. Os gritos chauvinistas, aliás, costumam ser respondidos em uníssono pelas militantes com as palavras de ordem: “Se cuida, se cuida, se cuida, seu machista. A América Latina vai ser toda feminista”.
A plantação de ipês roxos em um trevo de Várzea Paulista, a cor do movimento feminista, simboliza um agradecimento da Marcha à excelente acolhida da cidade. Além de representar um dos quatro eixos de luta da 3ª Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres: contra a privatização da natureza e dos serviços públicos. Os outros três eixos são: pela autonomia econômica das mulheres, pela paz e desmilitarização, contra todas as formas de violência e pelo direito à autodeterminação das mulheres.
Quem abriu a Marcha hoje foram as delegações do Rio Grande do Norte (a mais numerosa, com 350 participantes), do Piauí e de Alagoas. As piauienses deram mostra de que a união na diversidade (característica marcante da Marcha) não esconde as especificidades e até reascende o orgulho regional: elas começaram a caminhada cantando o hino do seu estado.
No ato público desta tarde, que se estenderá pela noite, haverá o lançamento do livro “As origens e a comemoração do Dia Internacional das Mulheres”, de autoria da historiadora espanhola Ana Isabel Álvarez González. A publicação recupera o sentido político do 8 de março, comemorado há exatos cem anos, fruto da luta das trabalhadoras socialistas. Haverá também arrecadação de recursos para as organizações de mulheres do Haiti, que sofrem não apenas com os desastres naturais, mais principalmente com o imperialismo, a miséria e o militarismo. Encerrando o ato, show da cantora militante Leci Brandão.
Soberania alimentar e energética
Nívea Regina da Silva, da direção do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), defendeu na atividade de formação da tarde de ontem, ainda em Jundiaí, que a luta por soberania alimentar e energética é uma estratégia estruturante da Marcha Mundial das Mulheres. “As sementes, a água e a terra devem estar em controle de quem produz os alimentos, não das multinacionais do agronegócio”, afirmou Nívea. “A gente defende um modelo de produção camponesa e familiar, que privilegia o consumo local e ajuda até a combater as mudanças climáticas. Temos que afirmar a agroecologia como projeto político que ajuda a construir relações sociais mais justas, inclusive entre homens e mulheres”, completou a dirigente do MST.
Juliana Malerba, representante da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, trouxe uma reflexão sobre o aporte da luta ambiental no movimento feminista. Ela lembrou que o discurso da modernização ecológica tenta resolver a crise ambiental sem questionar o modelo de produção, com ferramentas de mercado, em um discurso conciliador que esconde conflitos sociais latentes. “O movimento feminista de esquerda ajuda a politizar o discurso ambiental, mostrando que há diferentes modos de se apropriar do meio ambiente. A organização das quebradeiras de coco babaçu no Brasil é um exemplo disto”, contou a palestrante.
As mulheres que lutam pelo acesso à terra enfrentam a resistência do latifúndio, mas também da opressão patriarcal. “No Brasil, o percentual de terras em nome das mulheres, seja como únicas titulares ou em conjunto com um homem, está estimado entre 7 a 9% do total. E esse valor baixo ainda é fruto de uma árdua conquista, porque até a Constituição Federal de 1988, as camponesas sequer eram oficialmente reconhecidas”, revelou Isaura Isabel Conte, dirigente do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC). “O MMC vem se assumindo como um movimento feminista desde 2004 e desde então vem se perguntando como fortalecer o feminismo em um território historicamente conservador. A autoria de muitas ações que protagonizamos foi atribuída a homens”, lamentou a dirigente.
A antropóloga Emília Lisboa Pacheco, representante da Articulação Nacional de Agroecologia, foi a quarta palestrante do debate, mediado pela militante paraense Tatiana Oliveira. “As mulheres são historicamente responsáveis pela produção de alimentos e pelo manejo da biodiversidade. O milho, no México, e a batata, nos Andes, que hoje possuem milhares de espécies alimentares, sequer eram comestíveis. Essa riqueza alimentar está ameaçada pelas tecnologias transgênicas e pelo latifúndio. A bandeira de limitar o tamanho da propriedade no Brasil é atual”, defendeu a estudiosa.
Amanhã, domingo, a Marcha Mundial das Mulheres segue para Cajamar. Lá haverá o encontro das caminhantes com as 75 militantes que estão trabalhando na Comissão de Cozinha e garantindo, por meio do trabalho coletivo, a refeições das companheiras que estão marchando.