A comunicação compartilhada no FSM e a construção de uma Outra Comunicação para Um Outro Mundo Possível
O Fórum Social Mundial começou a propor há 10 anos que a comunicação alternativa aos grandes meios fosse feita de modo compartilhado. Era uma proposta conjunta com as mídias alternativas participantes, sem pretensão de negar outras iniciativas de difusão do FSM à imprensa convencional. Porém as chances da visibilidade do FSM na mídia de mercado logo se revelaram as mesmas encontradas pelos movimentos e organizações que fazem o FSM. Quando produzem ações de resistência e alternativas ao atual modelo, são criminalizados e estereotipados. A imagem do FSM na mídia começa por enfrentar o que essa mídia faz com o universo de lutas e alternativas expressas no FSM
O desafio de comunicar para Um Outro Mundo Possível fez surgir no FSM o que até então era difícil de imaginar: a cobertura jornalística baseada em um pacto midiático coletivo e aberto entre o FSM, as midias alternativas, articulistas e comunicadores marginais. A primeira Ciranda, em 2001, foi um convite a esse acordo, renovado nos anos e edições seguintes.
As necessidades mudaram. As tecnologias facilitaram. As experiências se multiplicaram com outros nomes, outros protagonistas, mas particularmente no continente em que o FSM nasceu, desde a Casa Macunaíma, no Forum Social Brasileiro, a Minga dos Movimentos Sociais, no Fórum Social das Américas, o Laboratório de Comunicação Compartilhada, no Fórum Social Pan-Amazônico ou a iniciativa Tequio, que surge neste FSM Temático do México, buscando parceiros jovens nas universidades.
Cada nova iniciativa veio fortalecer as possibilidades de compartilhar, somando-se ou incorporando as anteriores, criando um tecido de ligações que não se rompe facilmente. As vezes são coberturas e memórias a serem resgatadas, como os vídeos de Florença, Mali, Naiobi, Mumbai e Belém. As vezes são práticas colaborativas invisíveis, como as diferentes comunidades de software livre que neste momento fazem um mesmo sistema funcionar para a Ciranda , para a comunicação da Conferência dos Povos sobre o Clima, na Bolívia, a plataforma do Enlazando Alternativas, em Madri, ou aqui perto, o site do Indymedia do México.
A comunicação do FSM é e deve ser maior que o espaço FSM e este é o ponto.
A resposta aguardada até hoje
É certo que o FSM foi muitas vezes ocupado como laboratório das coberturas conjuntas e do uso colaborativo de ferramentas. Gerou grupos, iniciativas e movimentos de comunicação, entre jovens que tiveram na proposta compartilhada do FSM os primeiros contatos com o fazer midiático coletivo. E que hoje contribuem para distintas organizações, mídias e movimentos. Mas não é possível dizer que estes grupos sigam considerando a comunicação do FSM como um laboratório seu. Deveríamos pensar sobre isso.
O motor da comunicação compartilha é a parceria entre o processo FSM e os meios, em que o primeiro é estimulador do encontro e intercâmbio e os segundos fazem a gestão de suas coberturas com autonomia e troca de esforços. O objetivo é que esse conceito seja levado aos demais universos, espaços temáticos e geográficos do FSM, mas isso requer política, metodologia e interesse concreto do FSM à aproximação dos coletivos e mídias alternativas.
Em 2004 e 2005, uma centena de integrantes do então GT de Comunicação do FSM desenhou e executou um conjunto de iniciativas que acolhessem as várias expressões da midia alternativa, integradas em 4 projetos compartilhados: Ciranda, Forum de Radios, Fórum de Tvs e Laboratório de Conhecimentos livres. Um extenso relato enviado ao CI da Holanda mostrava o acerto da experiência, seu potencial mobilizador e propunha a comunicação compartilhada como política de comunicação do FSM. E que se realizasse um Seminário sobre o tema.
É compreensível que o Conselho Internacional ainda não estivesse sensibilizado o bastante para a importância estratégica da comunicação por se tratar de mudança de cultura – em que o interesse pelo espaço na mídia dá lugar à luta pelo direito integral à comunicação. E sem retorno do CI, nos dois anos seguintes, as mídias alternativas se relacionaram mais diretamente com os eventos do FSM aos quais tinham maior acesso e proximidade do que com o processo do FSM. A energia dos projetos compartilhados não foi percebida pelo CI como um esforço de construção conjunta.
Por outro lado, a comunicação do FSM deu passos. Em 2007, a Comissão de Comunicação CI conseguiu ampliar aprovar um projeto – também iniciado em 2005 – voltado a organizar a comunicação interna e externa do FSM com base em orçamentos mínimos e partindo do princípio que as organizações do CI poderiam/deveriam assumir as atividades contidas no projeto, combinando remuneradas e não remuneradas.
Era uma proposta distinta mas não excludente da proposta dos projetos compartilhados e alguns itens foram reformulados para contemplar a atividade de articulação das mídias alternativas e o Fórum de Radios. Mas foi um tentativa de acomodação de processos bastante diversos, que precisariam ser compreendidos de modo distinto.
Os esforços dessa comissão, pelos 3 anos seguintes, foram decisivos para que o CI incorporasse a comunicação entre os seus temas sensíveis. Este foi um avanço que levou o CI finalmente a indagar: de onde vem as políticas de comunicação do FSM? São consequentes com a afirmação de que Um Outro Mundo é Possível?
Dentro dos limites que essas questões representam, é possível afirmar que o trabalho da Comissão de Comunicação tem sido transparente e aberto, expressa a sensibilidade para incorporar e valorizar a articulação das mídias alternativas e deve ser apoiado pelo Conselho Internacional.
Mas é importante compreender esse avanço não resolve ainda as demandas de um outro processo, aquele cuja proposta é de mobilização para a comunicação, e que ainda espera do FSM um sinal de acolhida.
Para de fato implementar uma política de comunicação no FSM é preciso convocar a todos os movimentos, mídias alternativas, comunicadores sociais e desenvolvedores de tecnologia para um grande debate sobre essa construção. Que práticas, que ferramentas, que enfrentamentos, alternativas e estratégias de comunicação devemos compartilhar para que o universo do FSM avance no seu direito coletivo à comunicação?
Somente este chamado trará aqueles movimentos de comunicação e fazedores de mídia que estão entre nós e entre os movimentos onde estamos também, que não deixaram o FSM, que participam dos seus eventos, mas que não percebem a comunicação do FSM como uma enorme construção coletiva e compartilhada onde sua contribuição será fundamental.
Nós acreditamos firmemente que esse chamado deve ser feito pelo Conselho Internacional do FSM, assegurando as condições para que este debate grande e aberto se realize como uma das urgência do processo do Fórum Social Mundial.
São Paulo, 25 de Abril de 2010
Ciranda & Projetos Compartilhados
Documento apresentado à Comissão de Comunicação do Conselho Internacional do FSM para a reunião na Cidade do México, em maio de 2010
Proposta inialmente aprovada na Assembléia da Associação Internacional da Comunicação compartilhada (Participaram também Laboratorio de Comunicação Pan-Amazônico, Focuspuller, de wsftv, e representantes do Grupo de Trabalho de Memória)