Por Igor Ojeda
de Porto Alegre (RS)
O cientista político Éric Toussaint, um dos integrantes do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial (FSM), é um dos defensores da proposta de que o espaço se torne uma plataforma de maior incidência política nas lutas sociais pelo mundo. No entanto, ele não se preocupa muito com a resistência de certos setores integrantes do FSM, que querem manter o evento no seu formato original. Para ele, a solução é simples. “Se o Fórum não permite isso, deve-se construir outro instrumento, não eliminando o Fórum”.
Em conversa com o Brasil de Fato, Toussaint, presidente do Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM) da Bélgica, defende um diálogo entre movimentos e partidos sobre o chamado do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, para a criação de uma Quinta Internacional. Na entrevista a seguir, ele fala sobre a crise econômica mundial, iniciativas de integração do continente latino-americano e a ascensão dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) no cenário internacional, potências que, na sua avaliação, não são uma alternativa progressista à antiga ordem. “O que buscam é negociar com os velhos imperialismos seu lugar na divisão internacional dos poderes, do trabalho, da economia mundial e do acesso aos recursos naturais”.
Brasil de Fato – Como o senhor avalia as duas visões distintas expostas no debate de abertura do Fórum Social Mundial, ou seja, em que um lado propôs o “uso” do Fórum como uma plataforma política com mais poder de ação e de incidência política, e o outro lado defendeu que o evento se mantenha com seu formato original, como espaço de troca de ideias?
Éric Toussaint – Precisamos de um instrumento internacional para determinar prioridades em termos de demandas, objetivos. Um calendário comum de ação, um elemento de estratégia comum. Se o Fórum não permite isso, deve-se construir outro instrumento, não eliminando o Fórum. Penso que ele tem sua razão de existir, tem suas vantagens, mas se um setor não quer uma evolução rumo a transformá-lo em um instrumento de mobilização, é melhor constituir outro instrumento entre as organizações e indivíduos que estão convencidos que precisamos disso. Isso não impediria continuar parte ativa do Fórum. Digo isso para evitar uma cisão, um debate sem fim que paralisa mais que ajuda. Está claro que há um setor que prefere manter o caráter de Fórum de discussão, de debate, e não de instrumento de ação.
E é um setor bastante forte, não?
Sim. De algum modo, é uma parte do núcleo histórico que convocou a criação do Fórum. Mas nem todos do núcleo histórico, porque o MST também fez parte dele. Nós também: o CADTM é parte do Conselho Internacional do Fórum desde sua criação, em junho de 2001. Mas é evidente que as organizações como o Ibase, e personalidades como Chico Whitaker e Oded Grajew se opõem à evolução rumo a um instrumento de luta. A coisa que me preocupa é chegar em Porto Alegre e ver que o seminário “10 anos depois” é patrocinado por Petrobras, Caixa, Banco do Brasil, Itaipu Binacional, e com forte presença de governos. Isso obviamente me preocupa. Eu preferiria muito mais um Fórum com muito menos apoio financeiro e mais militante. Podemos nos apoiar nas forças voluntárias militantes, alojamento em casa de militantes, ou no campo, com sua infra-estrutura, escolas…
E que novo instrumento seria esse a que o senhor se refere?
Há uma proposta que, na verdade, teve relativamente pouca repercussão. É o chamado que o Hugo Chávez fez no fim de novembro para a criação de uma Quinta Internacional reunindo movimentos sociais e partidos de esquerda. Penso que a proposta é, em princípio, muito interessante. Poderá ser uma perspectiva se houver uma reflexão, um diálogo entre partidos e movimentos sociais: uma Quinta Internacional como instrumento de convergências para a ação e para a elaboração de um modelo alternativo. Mas, do meu ponto de vista, não seria uma organização como as internacionais anteriores, que eram – ou ainda são, pois a Quarta Internacional continua existindo – organizações de partidos com um nível de centralização bastante elevado. Acho que a Quinta Internacional não deveria ter um grande nível de centralização e não deveria implicar na auto-dissolução das redes internacionais. Estas poderiam aderir a uma Quinta Internacional mantendo suas características, mas tal adesão seria uma mostra de todas as redes ou grandes movimentos nacionais de que têm vontade de irem mais além de frentes pontuais como a Cúpula do Clima de Copenhague, soberania alimentar, dívida… Temos bandeiras comuns entre muitas redes, e isso é positivo. Mas, se fosse possível conseguir se chegar a um nível de frente permanente… Com essa expressão, talvez eu esteja dando um elemento de definição. Para mim, a Quinta Internacional seria, na situação atual, uma frente permanente de partidos, movimentos sociais e redes internacionais. O termo “frente” implica, claramente, que cada um manteria sua identidade, mas daria prioridade ao que une para alcançar determinados objetivos em comum e fazer avançar a luta. Os últimos meses foram uma nova demonstração da necessidade de aumentar a capacidade de mobilização, porque a mobilização contra o golpe de Honduras foi totalmente insuficiente. É preocupante, porque, como os EUA apoiaram o golpe, legitimando as eleições, forças golpistas de todo o mundo estão considerando que essa é novamente uma opção razoável. No Paraguai, por exemplo, a discussão dos golpistas é “para quando? Como?”. Mas estão convencidos de que é preciso executar um golpe a partir do Congresso Nacional contra Fernando Lugo. Então, isso mostra que a mobilização em relação à Honduras foi insuficiente, mas também em relação à Copenhague e, agora, ao Haiti. A resposta à intervenção dos EUA no Haiti é totalmente insuficiente.
Então o senhor acredita que é possível, em uma Quinta Internacional, conciliar em torno de ações políticas comuns as distintas correntes de esquerda que formariam essa nova organização?
Sim, penso que é necessário começar com um diálogo consultivo para tentar chegar a esse resultado. Não podemos nos precipitar. A Quinta Internacional, para ser algo realmente efetivo , tem que ouvir e reunir uma quantidade muito significativa de organizações. Fazer uma Quinta Internacional com uma pequena parte do movimento não valeria a pena. Seria matar o projeto ou limitá-lo. Abrir a perspectiva de debate sobre isso me parece muito necessário.
(Leia mais na edição 361 na edição impressa do Brasil de Fato, que já está nas bancas)