O que é um Ecomuseu? Qual a sua importância para a comunidade de Sepetiba/RJ?
“ECOMUSEU é uma ação museológica consciente da COMUNIDADE com o objetivo de desenvolver o TERRITÓRIO que habita, a partir da valorização da História Local e do PATRIMÔNIO (natural e cultural) nele existente.” (Ângelo, Carvalho e Louvise; 2005 – Ecomuseu de Santa Cruz-Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro).
Sepetiba foi palco de importantes acontecimentos durante as três principais fases da história do país: Brasil Colônia, império e república; povoado pelos corajosos índios Tamoios, foi aldeamento jesuítico, cenário da batalha naval contra os holandeses, sua baía e praias serviram de local de desembarque para o quinto do ouro, tráfico do mesmo, tráfico de escravos,de pau-brasil, cenário da luta dos corsários dentre outros muitos acontecimentos. Personagens históricos passaram pelo bairro de Sepetiba e navegaram pela baía reconhecendo sua beleza e tranqüilidade, como D. João VI, D. Pedro I, D. Leopoldina, José Bonifácio, o Visconde de Sepetiba, Jean Baptiste Debret dentre muitos outros; abrigou republicanos e anti-republicanos; foi cenário da tragédia ocorrida durante o período de transição Império/República: o fuzilamento dos marinheiros na ilha da pescaria (Ilha dos marinheiros) dentre muitos outros acontecimentos não disseminados ou com sua veracidade ainda não comprovada.
Há indícios de que até mesmo os holandeses estiveram no local, além dos franceses é claro, que inclusive utilizaram a falta de monitoramento na Bahia de Sepetiba para invadirem a cidade, motivo pelo qual algum tempo depois D. João VI mandaria construir ali três fortes temendo uma outra invasão.
Algumas áreas do bairro possivelmente já eram habitadas por índios antes mesmo da chegada do homem branco, a prova disso encontra-se no fato de existirem três sambaquis no bairro devidamente descritos e registrados por arqueólogos, para nos assegurar da veracidade de tal afirmação basta consultar o livro Pré-história do estado do Rio de Janeiro de Maria da Conceição Moraes Coutinho Beltrão de 1978, além disso existem alguns relatos de que foram construídos pelos jesuítas túneis para facilitar fugas, transportes etc. na região, o que poderia ter sido preservado no caso de confirmada a informação. Estes são apenas alguns dos fatos que colocam Sepetiba em notória evidencia histórica.
Além da importância histórica Sepetiba ainda tem seus atributos naturais, por isso mesmo tantas personagens importantes na história do país encantaram-se com o lugar,além de artistas e naturalistas mas Sepetiba vem sendo vítima de um rápido processo de degradação há muitos anos, que vem se configurando desde o inicio do processo de crescimento da cidade, da indústria do Rio de Janeiro, enfim da expansão do capitalismo, a praia maravilhosa que era descrita em livros dos naturalistas e cientistas, pintada por artistas e da qual nossos avós tanto falavam em nada se parece hoje com as descrições que faziam dela.
As obras do Atual de Itaguaí não estavam concluídas em meados do século XX mas o estrago ocasionado pela INGÁ, dentre outros problemas como o crescimento populacional desordenado etc. já era impressionante, áreas de vegetação já haviam sido devastadas para construção de casas a vegetação nativa característica da região desapareceu, a mistura de esgoto despejado nas praias sem tratamento, lixo de todo tipo, material químico dentre outros elementos maléficos para a saúde dos humanos e dos animais, da vida em geral já era rotina no inicio na década de 1990.
A criação de um Ecomuseu em Sepetiba encaixa-se perfeitamente nas necessidades da comunidade e do meio ambiente da região, o Ecomuseu vai além da ecologia, seu conceito é muito mais complexo, o termo está ligado a numerosos outros conceitos como o de território, espaço como objeto de interpretação, sistema museográfico, instituição administrativa, reserva ambiental dentre outros, lugar de memória viva. Sepetiba é rica em histórias e memórias, havia no bairro diversos tipos de manifestações culturais, ocorriam saraus, cirandas, rodas de vários tipos, também há indícios da existência de um folclore local, mitos e lendas que eram contados para as crianças e que felizmente ainda perduram em alguns poucos discursos e relatos que precisam ser documentados e transmitidos para as futuras gerações.
Segundo Thompson (1992) é por meio da história que as pessoas comuns procuram compreender as “revoluções” e mudanças por que passam em suas próprias vidas: transformações sociais, culturais, guerras, mudanças comportamentais, econômicas, mudanças tecnológicas, degradação ambiental etc. Através da história local, um bairro ou uma cidade procura um sentido para sua própria natureza em mudança, em constante transformação e assim estabelecem-se os vínculos, foi isso o que aconteceu com muitos moradores que não são o que se pode chamar de “naturais” de Sepetiba, mas através do conhecimento da história local, do relato de moradores antigos, de velhos pescadores aprenderam a respeitar e a amar o bairro e resolveram então reagir quanto a isso, publicando textos na internet, criando blogs, perfis e comunidades em sites de relacionamento e, finalmente após o contato com os representantes do NOPH e do Ecomuseu Quarteirão Cultural do Matadouro nós, moradores entendemos o significado de Ecomuseu e percebemos como a criação do nosso seria primordial para que não deixemos acabar com o pouco que ainda nos resta de nossa memória e de nossa história.
Através das ações que vem ocorrendo na região a população local foi apresentada a sua história e “tomou de volta” suas memórias, coletando relatos dos moradores mais antigos, pesquisando em arquivos etc, e com a realização da Roda de Lembranças viabilizada pela I Jornada de Formação em Museologia Comunitária que nos colocou em contato direto com outras regiões do país que passaram por problemas semelhantes aos nossos, com o Ecomuseu Quarteirão Cultural do Matadouro, o NOPH e etc. , a nossa indignação foi transformada em ação e então partimos para a elaboração do projeto para o reconhecimento da comunidade como processo ecomuseológico.
Do vínculo com o passado se extrai a força para a formação da identidade (Bosi, 2004), o que ocorria em Sepetiba era um conflito identitário grave e a ausência de vínculo dos moradores mais jovens para com seu bairro e através da orientação dada pelo Ecomuseu de Santa Cruz e pelo NOPH essa situação vem se transformando.De acordo com Pacano (2005), a memória enquanto reconstrução do passado no presente, ou enquanto determinações do passado sobre o presente, pode tanto “escravizar” como “libertar”; os moradores de Sepetiba haviam até então acomodado-se a uma visão central, à interpretação dominante da história nacional que sempre os excluiu e os esqueceu ou (manipulou os registros) e entenderam que era preciso criar um novo conhecimento que valorizasse seu território, seu bairro, sua “terra”, sua história e ainda não acreditavam em sua própria força para a transformação.
O Ecomuseu deve ser uma expressão do homem e da natureza. Por isso, o objeto neste contexto não é apenas o homem ou o meio ambiente que o cerca, mas a relação que se dá entre os dois e todas as possíveis relações entre o homem e o Real que acontecem no território determinado.Este museu é uma expressão do tempo, quando a interpretação remonta desde o momento da aparição do homem dividindo-se através dos tempos pré-históricos e históricos para chegar no tempo do homem do presente.
O Ecomuseu, em sua multiplicidade comunitária constitui-se de uma comunidade e um objetivo: o desenvolvimento desta comunidade. Devido a todo o processo de degradação ambiental famílias inteiras viram-se desamparadas economicamente, pois viviam da pesca, do turismo, e de todo o resto de atividades econômicas relacionadas com o meio ambiente, com a baía de Sepetiba.Com a degradação da baía o único meio de subsistência dessas famílias foi tirado, já não podiam viver da pesca, de seus bares e restaurantes que vendiam o famoso peixe frito de Sepetiba, o delicioso camarão etc., toda a comunidade era voltada para atividades relacionadas com o turismo e a pesca, conseqüentemente dependia das temporadas de veraneio, há uma necessidade imensa de resgatarmos a auto-estima desses homens e mulheres que se sentiram impotentes diante da drástica transformação que ocorreu em suas vidas.
O Movimento Ecomuseu Sepetiba inicia uma luta para que a auto-estima dos moradores tão castigados com todo esse processo de degradação, com a precariedade e a exclusão social, cultural e econômica a que foram expostos voltem a sentir orgulho de si mesmos, de seu bairro, de sua história e de sua baía.
O Ecomuseu ao labutar em favor do desenvolvimento da comunidade, deve levar em conta os problemas e questões colocadas em seu âmago tratando-os de maneira crítica analítica estimulando o processo de conscientização e a criatividade da população, para isso utilizando as informações do seu passado e presente para que ela venha a pensar o futuro de forma questionadora e esperançosa.
Nas palavras de Odalice Priosti de acordo com a sua experiência no Ecomuseu de Santa Cruz o Ecomuseu “é um espaço de relações entre uma comunidade e seu ambiente natural e cultural, onde se desenvolve, através das ações de iniciativa comunitária, um processo gradativamente consciente e pedagógico de patrimonialização, apropriação e responsabilização dessa comunidade com a transmissão, cuidado e transformação do patrimônio comum e, conseqüentemente, com a criação do patrimônio do futuro.
A partir dessa prática, a comunidade se conscientiza do seu papel e responsabilidade com o patrimônio, usando-o como um dos recursos para o desenvolvimento local.
“Uma educação para a libertação e não para a dominação” plantar a semente, despertar o amor, o desejo de preservação e a conscientização dessas gerações é mister para o desenvolvimento da comunidade.
Nessa atuação pedagógico-museológica criam-se situações de pesquisa, leitura e interpretação do espaço/ território e das mudanças que nele ocorrem em função do tempo, de identificação e preservação de bens simbólicos coletivos, de construção de memória e identidade, de documentação. Sepetiba está viva, tem história e aqui existe muita vontade e amor, desejo de renovação e anseio de transformação, estamos prontos para começar essa empreitada, obrigada Odalice Priosti , Walter Priosti, Bruno Cruz , a todos do NOPH, a Hugue de Varine pelo apoio e orientação e estímulo que vem nos dando e a todos os moradores de Sepetiba, esse é só o começo.
Bibliografia:
SOARES, Bruno César Brulon. Revista Eletrônica Jovem Museologia – Estudos sobre museus, museologia e patrimônio. Entendendo o Ecomuseu: uma nova forma de pensar a Museologia Volume I Número 2 ,Agosto de 2006.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2004.
. Pedagogia da Esperança – Um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2004.
CLAIR, Jean. As origens da noção de ecomuseu. Cracap Informations, no. 2-3, 1976. p: 2-4. Trad: Tereza
Scheiner.
MAGALDI, Monique Batista. Revista Eletrônica Jovem Museologia – Estudos sobre museus, museologia e patrimônio. O Ecomuseu do Quarteirão Cultural do Matadouro de Santa Cruz: estrutura e propostas. Ano I, número 1, Janeiro de 2006.