O filme Um Sonho Possível, sob direção de John Lee Hancock, com o jovem Quinton Aaron e Sandra Bullock exibe um roteiro que mexe com os paradigmas da cultura ocidental e traz um aspecto a seu favor, ao ser inspirado em uma história real. O longa-metragem remete, de certa forma, a uma outra obra – Pedagogia dos Sonhos Possíveis – de Paulo Freire, publicada em 2001, postumamente à sua morte, sob organização de Ana Maria Araújo Freire, pela Editora UNESP.
Em ambas as produções, há a ânsia pela quebra de preconceitos e de fronteiras físicas e mentais. Ao mesmo tempo, tratam da essência das palavras respeito, esperança e persistência. Nada de chavões, mas reflexo de uma realidade que integra os desafios da sociedade nos dias de hoje.
Como dizia Freire – “para mim, desde o início, nunca foi possível separar a leitura das palavras da leitura do mundo…”. Ao discutir os desafios sobre a alfabetização de jovens e adultos, ele proporcionava uma reflexão sobre o sentido da comunicação quebrar as barreiras das fachadas. Para isso, ele refletiu sobre a experiência prática do dia a dia. Com isso, concluiu que não deveria impor aos camponeses conhecimentos pré-concebidos, mas deixá-los à vontade para que trouxessem seu conhecimento sobre o seu contexto local e de mundo e sua habilidade para expressá-los com sua própria linguagem.
O personagem Michael Oher, interpretado por Aaron, também aguardava alguém que o enxergasse e ouvisse, para que pudesse expressar e reconhecer a potencialidade de seus anseios e sonhos, se abrisse para o aprendizado das letras, da matemática e das ciências, mas acima de tudo, para o universo das relações. Fruto de uma família desestruturada, sem lar, esse jovem não havia perdido o bem mais precioso a um ser humano, a dignidade. Mesmo sem roupa, sem um endereço para voltar, e somente com uma oportunidade aberta em uma escola – que também teve de desconstruir modelos pré-concebidos para aceitá-lo integralmente- ele se reconheceu com um ator importante nesse mundo.
Mas o que foi necessário? Simplesmente oportunidade, mas vale ressaltar que significou uma iniciativa de mão dupla. A personagem de Sandra Bullock, a bem-sucedida Anne Tuohy, também precisava dar um sentido aos seus discursos e valores. E foi assim, que as vidas dos dois se cruzaram e transformaram sonhos em ações concretas e conscientes. Ambos se doaram e se reconheceram em suas habilidades e fraquezas e, assim, puderam crescer juntos.
Uma premissa que rege o caminho da educação libertadora proposto por Freire. Um de seus pensamentos destacado em Pedagogia dos Sonhos Possíveis reforça essa tese -“aquele aluno que sabe ouvir implica um certo tratamento de silêncio e os momentos intermediários do silêncios. Aqueles que falam de modo democrático precisam silenciar-se para que se permita que a voz daqueles que devem ser ouvidos emerja…”.
Uma reflexão profunda e sábia…Há o tempo de falar e o de ouvir, para que existamos na plenitude e não fiquemos submersos em um sistema de opressão, que castra perspectivas e realizações.
Fonte: Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk – www.twitter.com/SucenaSResk