Depois de 100 anos da alemã Clara Zetkin ter proposto, durante a 2ª Conferência Internacional das Mulheres Socialistas em Copenhague, na Dinamarca, a criação de um Dia Internacional de Luta da Mulher, o movimento feminista segue batalhando para mostrar, a cada 8 de Março, o quanto nossa sociedade ainda precisa avançar em relação aos direitos das mulheres.
Em 2010, ano em que celebramos o centenário do Dia Internacional da Mulher, não será diferente. Voltamos a ocupar as ruas de São Paulo para comemorar o já conquistado nesta história de mobilização coletiva, mas também mostrar que a luta por autonomia, igualdade e direitos segue atual e necessária. Bandeiras históricas como a socialização do trabalho doméstico, salário igual para trabalho igual, o combate à violência, a reivindicação de creches para todas as crianças e o direito ao aborto para todas continuam na ordem do dia do nosso movimento.
Lutas de todas e todos
Historicamente, as mulheres saem às ruas não apenas para reivindicar em causa própria. Elas sempre lutaram pela vida, contra as guerras e a militarização; sempre defenderam uma outra forma de fazer política, mais democrática e ética; sempre pensaram na sustentabilidade do planeta, na alimentação e na saúde, até porque sempre foram as mulheres a cuidar dos filhos, o futuro.
Neste 8 de março, denunciamos a criminalização da pobreza e da violência, disseminadas em São Paulo pelo agora cassado prefeito Gilberto Kassab e pelo governador José Serra, que não dialogam com os movimentos sociais, onde é forte a atuação das mulheres. A falta de investimentos na periferia das grandes cidades, bem como a falta de um programa digno de moradia popular, associados às enchentes que vem ocorrendo, atingem diretamente as mulheres pobres e as crianças, a maior parte da população negra.
Enquanto isso, o oligopólio da mídia colabora com a criminalização dos movimentos sociais, que aumenta com a onda crescente de conservadorismo no Brasil, evidenciada pelas duas tentativas de instalação de uma CPI para investigar o MST. Os grandes jornais e programas de tv omitem as ações dos que lutam para melhorar as condições de vida do povo pobre, omitem a participação das mulheres, dos jovens, dos negros, suas formas de ver a vida e a política, ao mesmo tempo que fazem a propaganda dos valores capitalistas, consumistas e dos políticos que os defendem.
Nos solidarizamos com as mulheres do Haiti, cujo caso é emblemático. São séculos de colonização, exploração e, nos últimos anos, militarização daquele país. Após a tragédia que atingiu o Haiti, é necessário que a soliariedade prestada aquele povo seja realmente humanitária, com o envio de profissionais de saúde, de educação, de engenharias diversas, para ajudar a reconstrução do país. Defendemos um Haiti livre de violências, principalmente sobre as mulheres.
Nestes 100 anos de 8 de Março, ainda temos muito por que lutar!
Junte-se a nós contra a violência doméstica, em defesa da legalização do aborto, por igualdade no mundo do trabalho e por maior participação e mando das mulheres nos espaços de poder. Nossa luta por autonomia, igualdade e direitos ainda tem muito a conquistar, e sua participação é muito importante!
Violência doméstica
Em 2006, a promulgação da Lei Maria da Penha representou um avanço no combate à violência contra a mulher. Até hoje, no entanto, a lei sofre inúmeros obstáculos para ser de fato implementada e legitimada. No início deste ano, pelo menos nove mulheres foram assassinadas em todo o país após denunciarem seus agressores e voltarem para casa. Reivindicamos para nós o direito à vida, assegurado a todos e todas pela Constituição e dever precípuo do Estado, que deve assegurar abrigos para as vítimas de agressões e seus filhos. Também exigimos que as mulheres não sejam constrangidas nas delegacias no momento de denunciar uma violência e tenham garantida sua integridade física e psicológica.
Legalização do aborto
2010 começou com avanço do conservadorismo em relação à bandeira da legalização do aborto. No ano passado, foi ensaiada a instauração da CPI do Aborto; a igreja católica excomungou família e médicos que realizaram aborto legal em uma menina de 9 anos, grávida de gêmeos, estuprada pelo padrasto desde os 6 anos; foi ratificado o Acordo Brasil-Vaticano, ameaça ao caráter laico do Estado brasileiro; suicidou-se a dona da clínica de Mato Grosso, acusada de realizar abortos clandestinos, 4 mulheres serão levadas a juri; e, por fim, no início do ano, deu-se o recuo do governo Lula acerca da diretriz que afirma a autonomia das mulheres em decidir sobre seu próprio corpo no Programa Nacional de Direitos Humanos 3.
Quarta causa de mortalidade materna no Brasil, onde se calcula que pelo menos 25% das gestações são indesejadas, e metade delas terminam em abortamento provocado. Trata-se de um tema de saúde pública, onde é necessário que o Estado garanta o serviço médico e acompanhamento psicossocial para a mulher que escolher interromper a gravidez. Não é a Igreja ou o Estado que deve decidir se uma mulher vai ou não ter filhos. Em vez de criminalizar essas mulheres, é papel do Estado amparar a mulher para que a maternidade não seja uma obrigação, e sim uma escolha da mulher.
Trabalho
O reconhecimento do trabalho das mulheres e o questionamento da divisão sexual do trabalho estão no centro do debate sobre a autonomia econômica feminina. Ainda hoje é desconsiderado economicamente o trabalho na esfera privada, que ocorre nos lares, o cuidar dos filhos e dos idosos,
realizados em maioria por mulheres. Em média, a mulher trabalha 16 horas por dia; a maior parte é não remunerada, a outra, sub-remunerada.
Mesmo no trabalho assalariado, as atividades realizadas pelas mulheres são desvalorizadas e inferiormente remuneradas. Mesmo tendo maior escolaridade que os homens, as mulheres recebem em média 71% do salário masculino. Segundo pesquisa do IBGE de 2003, as negras e pardas recebiam salários 51% menores do que o rendimento médio das mulheres brancas. A dimensão racial também aprofunda a desigualdade no mercado de trabalho.
No contexto da crise econômica, as mulheres também foram as mais atingidas, pois elas são inseridas de forma mais precária no mercado de trabalho.Sem falar que os setores que mais receberam incentivos para superar a crise foram aqueles onde a presença masculina é mais forte. As mulheres trabalhadoras também foram as principais afetadas pelas reformas trabalhista e previdenciária. É preciso superar esta lógica, garantindo igualdade de acesso e remuneração no mercado formal de trabalho e a valorização do trabalho doméstico.
Participação política
O Brasil está hoje na 162ª posição, no ranking das Nações Unidas em relação aos espaços de poder ocupados por mulheres, à frente apenas do Haiti, Colômbia e Belize. Na Argentina, por exemplo, 45% do Parlamento é compostos por mulheres. Aqui no Brasil, representamos menos de 10% dos parlamentares!! Desde a proclamação da República, nenhuma mulher ocupou sequer um cargo na mesa diretora da Câmara dos Deputados.
Isso também acontece na direção dos sindicatos, partidos, e mesmo das empresas. Embora as mulheres representem a maioria na base de todos os movimentos e organizações, dificilmente têm seu trabalho reconhecido e ocupam cargos de direção. Desafiamos o Congresso Nacional a realizar uma verdadeira reforma política, que garanta a democratização dos recursos nos partidos, o voto em lista, garantindo a representação das mulheres; desafiamos os legisladores a garantir a diminuição da jornada, creches para todas as crianças, a criminalização do preconceito e do assédio moral.
A participação política da mulher não pode se restringir às esferas de poder institucional. É preciso ocupar espaços nos sindicatos, movimentos populares, movimento estudantil etc., mas ocupar fazendo a diferença, mostrando outra forma de fazer política. Assumir-se como sujeito histórico requer que sejamos autônomas, independentes e livres. É preciso garantir que as mulheres que nos representem estejam compromissadas com a luta feminista e com as reivindicações por igualdade, autonomia e direitos das mulheres.
Sobre a história do 8 de Março
Do final do século XIX até 1908, uma série de greves e repressões de trabalhadoras marcaram a construção do movimento feminista nos Estados Unidos. O primeiro “Woman’s day” foi comemorado em Chicago em 1908, e contou com a participação de 1500 mulheres. De novembro de 1909 a fevereiro de 1910, uma longa greve dos operários têxteis de Nova Iorque, liderada pelas mulheres, terminou pouco antes do “Woman’s Day”, realizado no Carnegie Hall, quando três mil mulheres se reuniram em favor do sufrágio, conquistado em 1920 em todo os EUA.
Neste ano, a socialista alemã Clara Zetkin propôs, na 2a Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, a criação do Dia Internacional da Mulher, que seguiu sendo celebrado em datas diferentes, de acordo com o calendário de lutas de cada país. A ação das operárias russas no dia 8 de março de 1917, precipitando o início das ações da Revolução Russa, é a razão mais provável para a fixação desta data como o Dia Internacional da Mulher. A partir de 1922, a celebração internacional é oficializada neste dia.
Essa história se perdeu nos grandes registros históricos, mas faz parte do passado político das mulheres e do movimento feminista de origem socialista no começo do século. Numa era de grandes transformações sociais, o Dia Internacional da Mulher transformou-se no símbolo da participação ativa das mulheres para transformarem a sua condição e a sociedade como um todo.