Mulheres comandam

O 10º Acampamento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Movimento sem Terra da Bahia foi aberto ontem – em Salvador -, e continua até segunda-feira, 8 de Março. O encontro reúne cerca de 2.000 mulheres e faz parte de um calendário de lutas estadual e nacional.

Mas as mulheres gaúchas do campo e da cidade é que balançaram – mesmo – o chão da praça e das estradas: a quarta-feira foi marcada por uma série de protestos em pelo menos 6 pontos do Rio Grande do Sul. A maioria foi comandada pelas mulheres da Via Capesina, que se dividiram em 3 marchas. As ações renderam até alguns segundos em um telejornal nacional. A cobertura do Plantão SINTRACOM procura ir mais fundo e mais longe, para que os nossos leitores entendam a extensão da jornada de lutas, e seus motivos, que não se restringiram à questão do preço do fumo.

Sim, o MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores) cobra definição de reajuste no preço do fumo (atualmente em R$150,00 por arroba), mas – também – a redução dos preços dos insumos e auxílio aos produtores atingidos pelas enchentes. Muito além disso, o MPA teve a inteligência de associar a sua pauta de reivindicações às de outros gaúchos e gauchas.

As mulheres que participaram das mobilizações denunciam, em nota pública, que mais de 95% da soja e cerca de 40% do milho que são plantados no Rio Grande do Sul são geneticamente modificados e que o Brasil é o campeão mundial de uso de agrotóxicos. Por isso, ‘a maior parte da comida que chega à mesa da população brasileira não é alimento, é veneno’. (ao final desse texto, o manifesto da mulherada que peleia).

Detalhes locais dos protestos

Porto Alegre

Dezenas de mulheres da Via Campesina (1), do Movimento de Trabalhadores Desempregados (MTD) e movimentos sindicais ocuparam o sétimo andar do prédio da delegacia estadual do Ministério da Agricultura. O ato foi contra a ‘política de desenvolvimento do governo federal que privilegia o agronegócio, responsável pela produção de alimentos transgênicos, com o uso intenso de agrotóxicos’, destacou o MST, em nota. Lá, elas espalharam sementes transgênicas de milho e arroz pelos corredores.

À tarde, um grupo de manifestantes seguiu em 11 ônibus para a UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), para questionar a implantação de um parque tecnológico de pesquisas (amplamente saudado por setores conservadores da imprensa gaúcha). Segundo a Via Campesina, o empreendimento é destinado a pesquisas para multinacionais. A assessoria de imprensa da UFRGS informa que a criação do parque ainda depende de aprovação do conselho universitário (vídeo sobre essa luta, tambem liderada por mulheres, aqui ).

A quinta-feira (4/3) foi de atividades internas no acampamento das mulheres. Na parte da manhã, ocorreram debates. À tarde, um grupo formado por camponeses, estudantes e trabalhadores urbanos usou o teatro popular para problematizar assuntos como o machismo na família e dentro de casa, no meio rural e a mercantilização do corpo da mulher.

No final da tarde, as mulheres voltam às suas regionais, encerrando o acampamento na capital dos gaúchos. Um grupo ainda fica na cidade para participar do protesto dos estudantes da UFRGS, que acontece na manhã de hoje.

Palmeira das Missões

No noroeste do estado, centenas de mulheres se reuniram em Palmeira das Missões. Elas bloquearam a rodovia RS-569 por cerca de duas horas, entre Palmeira das Missões e Novo Barreiro, em frente ao acampamento dos Sem-Terra. Elas protestam contra a lentidão do processo de Reforma Agrária no Brasil. Depois disso, por volta das 10 horas, as trabalhadoras seguiram em um ônibus para a prefeitura do município para reivindicar o combate à violência contra as mulheres. O ato se repetiu também em frente à multinacional Solae Alimentos, que fica às margens da BR-116. Caminhões que chegavam à empresa carregados com soja foram barrados na porta pelo movimento.

Esteio

Os portões de entrada da empresa Solae na cidade de Esteio (na Grande Porto Alegre), também foi ocupado por cerca de 800 mulheres. A fábrica foi escolhida por ser um dos maiores complexos de processamento de soja transgênica do Brasil: a Solae foi fundada em 2003 por uma aliança do grupo Bunge(2) (multinacional de sementes e de comida industrializada) com o grupo Dupont (produtora de agrotóxicos).

Em Esteio, as camponesas e camponeses ficaram por cerca de 4 horas. Durante a manifestação, as mulheres simbolicamente ‘amamentaram’ esqueletos para denunciar que os efeitos nocivos dos agrotóxicos e dos transgênicos. Os caminhões carregados com soja só puderam ingressar na empresa depois das 11 horas , quando o bloqueio dos trabalhadores foi supsenso. Eles estavam com bandeiras, faixas e alimentos. Pouco antes do meio-dia, o grupo saiu em diversos ônibus pela BR-116 em direção a Porto Alegre.

Santa Cruz do Sul

Em Santa Cruz do Sul – capital do fumo gaúcho – o MPA escolheu o momento da visita da governadora Yeda Crusius à região e a grande aglomeração de pessoas por conta da abertura da grande feira agropecuária anual da região para ter mais visibilidade.

O MPA estava acampado no parque de eventos de Santa Cruz do Sul desde a terça-feira. Por volta das 7:30 horas, os agricultores levantaram acampamento e embarcaram em ônibus até a rodovia BR-471 (Santa Cruz-Rio Pardo). Logo após chegar, os manifestantes montaram um bloqueio sobre a rodovia, pegando de surpresa motoristas que seguiam para a Expoagro. Meia-hora depois, o MPA retomou a marcha, por uma das pistas da rodovia. Segundo a coordenação do movimento, 2.000 pessoas participaram desta caminhada. Na chegada a um pedágio, os manifestantes voltaram a interromper o trânsito. Dali, a caminhada seguiu até um cruzamento da BR com uma estrada pequena, onde os agricultores se depararam com uma barreira montada por PMs munidos com escudos, a maioria do Pelotão de Choque do Batalhão de Operações Especiais. Neste local, houve disparos, que feriram uma agricultora no rosto (foto abaixo). Cerca de 1.000 pessoas tentaram furar o bloqueio da polícia, que reagiu com tiros de balas de borracha.

O coordenador do MPA, Gilberto Tutenhagen, afirma que a manifestação dos produtores ocorria de forma pacífica. ‘ Não tínhamos um pedaço de pau e uma enxada, e fomos recebidos com bombas e balas de borracha. Várias pessoas foram feridas, inclusive uma mulher com ferimentos na cabeça’ – contou Gilberto.

À tarde, o MPA se instalou na Praça Getúlio Vargas, no centro de Snata Cruz. Durante um ato político, o vereador Wilson Luiz Rabuske (PT), coordenador local do movimento, recebeu um mandado proibitório de um oficial de justiça. Segundo Rabuske, o documento estipula multa de R$ 50.000 por dia, caso o MPA invada as dependências da Souza Cruz. Ao fim da tarde, os agricultores retornaram a suas casas.

Hulha Negra

Por volta das 11 horas, cerca de 50 integrantes de 20 assentamentos do interior do município de Hulha Negra (na Região da Campanha, fronteira sudoeste do RS), chegaram à frente da prefeitura do município. Eles exigiam uma reunião com o prefeito para reivindicar melhorias nas estradas vicinais da região.

O grupo deixou o assentamento na tarde anterior e acampou de noite na localidade do Passo do Neto, distante cerca de 20 quilômetros do centro da cidade.

De acordo com um dos representantes dos agricultores, Mário Vodzik, uma reunião com o prefeito Machado havia sido agendada para a semana passada. Causou surpresa a eles o aparato de segurança montado pela BM. “Tinha uma porção de viaturas pela estrada, outras na frente da prefeitura”, comentou Vodzik. “Nos sentimos ofendidos e humilhados”, completou Ildo Pereira, outro representante dos assentados. Foi a partir deste fato que resolveram se mobilizar e marchar rumo à prefeitura.

Reunidos (e esclarecidos) muitos dos fatos, sugerimos, agora a visualização de um vídeo da retransmissora estadual da Rede Globo (aqui), para ajudar a guardar na memória essa jornada. Em mais de uma fonte, está assinalado que integrantes da Via Campesina afirmaram que outros protestos serão deflagrados em diversos pontos do RS por estes dias. Portanto, fiquemos atentos..

O manifesto das gaúchas

Mulheres do campo e da cidade unidas na luta contra o agronegócio e pela soberania alimentar

Neste mês em que se comemoram os 100 anos do 8 de março como dia internacional de luta das mulheres, nós trabalhadoras do campo e da cidade do Rio Grande do Sul estamos novamente nas ruas. Este ano nossa mobilização tem como principal objetivo denunciar para a sociedade que a maior parte da comida que chega a mesa da população brasileira não é alimento, é veneno.

O Brasil é campeão mundial do uso de agrotóxicos, que são venenos muito perigosos usados na agricultura que provocam muitas doenças para produtoras/es e consumidoras/es e grandes impactos ambientais. Além disso, a maior parte dos produtos industriais que comemos é fabricada com soja transgênica que também causa muito mal à nossa saúde.

E quem come esta comida envenenada? Somos nós, pobres. São as mulheres e homens trabalhadores que recebem baixos salários ou estão desempregados e escolhem os alimentos pelo preço não pela qualidade. São as pessoas sem terra, sem teto, que se alimentam graças às cestas básicas. Os ricos têm opção de comer produtos orgânicos, cultivados sem venenos.

Os agrotóxicos e os transgênicos não servem para matar a fome do povo, e sim para matar a fome de lucro das empresas do agronegócio, a maioria delas multinacionais. Esses produtos envenenam as terras, as águas e principalmente as pessoas.

Leite materno só é fonte de vida quando as mães comem alimentos saudáveis

Nesta mobilização estamos amamentando esqueletos para denunciar a população em geral, e principalmente às mulheres, que quando comemos comida envenenada e damos o peito aos nossos filhos ao invés de alimentarmos a vida transmitimos a morte.

As doenças causadas por agrotóxicos são transmitidas de geração para geração, e um dos modos de transmissão é através do leite materno. No entanto, o mesmo governo que faz campanhas para incentivar as mulheres a amamentar, financia o agronegócio que produz a comida envenenada para o povo pobre, contaminando o leite da maioria das mães brasileiras.

A gente não quer só comida

Nós mulheres que passamos boa parte de nossas vidas envolvidas no cultivo e/ou no preparo da comida para garantir saúde à nossa família estamos nas ruas para gritar em alto e bom som que gente não quer só comida, a gente quer alimento saudável, a gente quer soberania alimentar!

Para o agronegócio o lucro está acima da vida. O agronegócio faz mal a saúde do povo e do meio ambiente! E os governos estadual e federal que financiam o agronegócio estão usando o dinheiro público para bancar o envenenamento da população pobre, a contaminação de nossas terras e águas.

Estamos em luta contra

Contra o agronegócio, um modelo de produção agrícola que se sustenta na superexploração do trabalho das pessoas, na contaminação dos alimentos, na destruição de nossas riquezas naturais. Lutamos contra o uso de recursos públicos para financiar a contaminação do povo e do meio ambiente; Estamos em luta contra todas as formas de violência contra mulheres, incluindo a imposição de um padrão alimentar que não respeita os costumes alimentares e causa muitos males à saúde.

Estamos em luta por

Soberania Alimentar – com reforma agrária, com geração de emprego e vida digna para as populações camponesas, com agricultura ecológica que respeita a diversidade de biomas e de hábitos alimentares. Os governos se dizem preocupados com a segurança alimentar, querem que as pessoas tenham várias refeições por dia. Mas tão importante quanto a quantidade da comida é a qualidade do que comemos. Por isso não basta segurança alimentar, precisamos construir a Soberania Alimentar.

Mulheres da Via Campesina, do MTD, da Intersindical e do coletivo de mulheres da UFRGS.

Porto Alegre, março de 2010.

8 de Março: já que ‘estamos’ no RS, indicamos a leitura do texto ‘100 anos de Historia de Luta pela Igualdade’ (aqui), da sindicalista gaúcha Abgail Pereira (da direção nacional da CTB), que saúda o legado de Clara Zetkin (ilustrada abaixo) e de todas as mulheres que sonham com um mundo mais fraterno.

Notas

(1)Via Campesina é uma organização internacional de camponeses que tem por objetivo defender os interesses desses trabalhadores. Para seber mais, clique aqui.

(2) Uma história – infelizmente exemplar – do mau relacionamento da Bunge com seus trabalhadores pode ser lida aqui.

Texto de Marko Ajdarić para o Plantão SINTRACOM, com informações de CTB, CUT RS, MAB, MST, Centro de Estudos Ambientais (CEA), Zero Hora, Capital Gaúcha, CEA, RBS TV, Jornal Minuano, Diário Regional e Gazeta do Sul (Santa Cruz do Sul), Rádio Gaúcha, Rádio Guaíba, Agência Estado, Agência Folha, Globo Rural, Canal Rural e G1