Militantes seguirão em marcha pela autonomia econômica das mulheres

Na sexta-feira (12) a Marcha Mundial das Mulheres chegou a Jundiaí, após uma caminhada de 12 quilômetros desde Louveira. Desta vez, quem abriu a fila dupla de duas mil militantes vindas de todos os estado brasileiros foi a região amazônica. Ao ritmo do boi bumbá de Parintins, as mulheres do Amazonas entoaram cantos de combate à pedofilia e ao tráfico de mulheres presentes na região Norte.

As militantes da Marcha estão caminhando desde segunda-feira, quando, após o ato público de lançamento da 3ª Ação Internacional, andaram quatro quilômetros pelas ruas de Campinas. Na terça, elas tomaram a rodovia Anhanguera e caminharam 11 quilômetros até Valinhos; na quarta, foram mais 14 quilômetros até Vinhedo e ontem, oito quilômetros até Louveira.

Nesta última cidade, à tarde, aconteceu o primeiro momento de debates que reuniu todas as marchantes num só espaço (as atividades de formação anteriores aconteceram em grupos de trabalho). Nalu Faria, da coordenação da Marcha, aproveitou para distribuir a plataforma de ação, com o detalhamento dos quatro eixos de luta: pela paz e desmilitarização, por um mundo sem violência e com direito à auto-determinação das mulheres, em defesa dos bens comuns e serviços públicos (contra a privatização dos serviços públicos e da natureza) e pela autonomia econômica das mulheres.

Este último eixo foi o tema da atividade de formação aglutinadora, que contou com a presença da socióloga Helena Hirata, de Carmem Foro, representante da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), e de Rosane Silva, representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT). O debate foi aberto com o show musical das jovens Gerusa e Tuziléa, militantes da Marcha no Rio Grande do Sul.

Helena Hirata vive há 40 anos na França, para onde se mudou quando foi exilada pela ditadura militar. Ela contou às militantes da Marcha que justamente neste 8 de Março, quando começava a caminhada delas de Campinas a São Paulo, foi que enfim obteve oficialmente sua anistia. A socióloga esteve recentemente no Japão e ficou impressionada com o depoimento de moradoras de rua de lá. “Elas me contaram que eram abordadas à noite por policiais preocupados, que lhes perguntavam ‘Por que vocês estão neste desconforto? Por que não se prostituem para ter renda?”, narrou Helena. “O fato é que na praça onde as japonesas dormiam havia muitos homens, mas ninguém lhes perguntava por que eles não vendiam seu corpo para sair da miséria”, completou ela.

Segundo Helena, a autonomia econômica da mulher, em termos marxistas, pode ser traduzida como emancipação. “A luta socialista está vinculada à luta feminista. Antes era comum as mulheres ouvirem dos militantes de esquerda: ‘Companheiras, vamos lutar juntas, primeiro a gente transforma o sistema, depois cuida da situação da mulher’. Agora está ultrapassada essa dicotomia e a Marcha Mundial das Mulheres é o melhor exemplo de uma luta geral contra o capital, mas que reconhece a especifidade da opressão contra as mulheres”, avaliou a socióloga. Carmem Foro lembrou que nos espaços de militância mistos, ainda há uma resistência grande em incorporar as questões de gênero. “No discurso, essa dicotomia parece superada. Mas na prática eu canso de ouvir na Contag companheiros me perguntando por que nós mulheres estamos querendo dividir a luta”, lamentou a militante.

Trabalhadoras domésticas

Apesar dos avanços conquistados pelo movimento feminista, especialmente nos últimos cem anos, as mulheres ainda estão a léguas de distância da real autonomia econômica. Para se ter certeza disto, destacou Helena Hirata, basta olhar para a situação da categoria mais numerosa no Brasil: as trabalhadoras domésticas, que no país somam 6,8 milhões de mulheres. “Elas não têm direito ao FGTS [Fundo de Garantia por Tempo de Serviço], seguro desemprego, pagamento de horas extras nem indenização por acidente de trabalho. E o sindicato que as representa, em São Paulo, ainda se chama Sindicato dos Trabalhadores Domésticos”, recordou a palestrante.

Segundo os dados mais recentes do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), referentes a 2009, 30% do conjunto de trabalhadoras ocupadas está em situação de precariedade. Em relação aos homens, esse percentual cai para 8,5%. “Nosso grande desafio é lutar pelos direitos daquelas que estão no mercado informal. Além das trabalhadoras domésticas, outra categoria precária composta majoritariamente por mulheres é a das consultoras de venda. A qualquer congresso que você vá, há militantes vendendo Natura, Avon, Herba Life”, destacou Rosane Silva.

Beijaço

A chegada ao Centro Educacional Aramis Polis, local do alojamento da Marcha Mundial das Mulheres em Jundiaí, foi marcada por uma manifestação bem-humorada contra a lesbofobia. Casais de mulheres fizeram uma roda e se beijaram ao som dos batuques. “O beijaço é um ato político de ação direta. Pode até chocar, mas a idéia é naturalizar algo que já é natural. Isso que vocês estão vendo é realidade na vida de muitas mulheres, que sofrem preconceito”, discursou Valda Neves, militante da delegação do Rio Grande do Sul.

Nesta tarde, os debates das 16h às 19h serão sobre soberania alimentar, justiça ambiental e luta por território. Entre os pontos de discussão previamente definidos, estão: a resistência das mulheres contra o agronegócio, as transnacionais e a destruição ambiental, e as alternativas no campo da produção, comercialização e consumo. Amanhã, a Marcha segue para Várzea Paulista, onde haverá um grande ato público com lançamento de livro e show de Leci Brandão.