Superar dificuldades coletivamente tem outro sabor de aprendizado, aquele que se internaliza mais facilmente, pois vem da vivência e não do discurso de outra pessoa. Assim tem sido as inúmeras experiências vividas pelas marchantes ao longo destes dias da Ação 2010, da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil.
Assim, o primeiro aprendizado importante para todas foi compreender o dificil trabalho que tem tido as cerca de 70 marchantes atuando fixas na cozinha, transformando em energia para nosso corpo, alimentos em parte provenientes de doações recebidas, para 2 mil mulheres!! Não é fácil cozinhar duas vezes ao dia para tantas, que chegam cansadas e famintas, depois de andar quilômetros no calor do interior paulista.
A comida foi ficando melhor e as marchantes acostumaram-se ao cardápio simples e repetitivo. A recepção preparada por elas, neste domingo, dia 14, batendo panelas quando a Marcha chegou em Cajamar, onde está instalada a cozinha, fez muitas das lideranças feministas chorarem.
Poder público e o movimento de mulheres
Muito melhor, já que os “choros” de dois dias antes, eram por causa da má qualidade do alojamento em Jundiaí, consenso entre as mulheres como o pior enfrentado até agora. Sobretudo, porque foi em Jundiaí a maior interação, na chegada, com os moradores da cidade, onde a Marcha passou por dentro dos bairros, sendo saudada e aplaudida.
No Centro Educacional Aramis Poli, espaço cedido pela Prefeitura, o espaço para dormir era muito insuficiente para o número de mulheres; para a higiene, apenas a infraestrutura conseguida pela Marcha – banheiros químicos e chuveiros frios em containers – utilizada nas outras cidades para ampliar e complementar o atendimento às mulheres.
“O pior lugar até agora foi Jundiaí”, opina Leilane Meirelles, do grupo “Sonhadoras de Lilás”, formado por mulheres jovens de Mossoró (RN). “Dormir do lado de fora da tenda foi muito ruim, pois como não havia mais lugar, demos prioridade às idosas; o espaço dos banheiros nem se fala, pois acabou a água…”. Zindzi Silva Santos, jovem ativista da Marcha na Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, concorda. “Não houve nenhuma estrutura para banho, apenas os nossos chuveiros, e além do espaço ser pequeno, havia homens querendo entrar nos alojamento, além de um time de futebol, alguns para nos vender coisas”.
Parte do coro de reclamações em Jundiaí, Eliane Lima, militante da economia solidária em Realengo, Rio de Janeiro, estava indignada: “Foi horrível, parece que não éramos bem chegadas, nenhum apoio. Aqui estão todos os estados do Brasil, o prefeito não teve nenhum respeito com a gente!”
As negociações com os poderes públicos nas cidades por onde passaria a marcha começaram quase um ano atrás, conduzidos sob a coordenação de Lurdinha Simões (MMM de Campinas), Sonia Coelho (da SOF e da MMM) e Vera Machado (do Coletivo Municipal de Mulheres do PT/SP). “Constatamos o quanto é difícil para nós, mulheres do movimento feminista”, conta Soninha, “movimento sem recursos porque é pouco reconhecido e valorizado, conseguir montar uma estrutura adequada para atender a todas as necessidades de uma marcha como essa.”
Segundo a coordenadora da Marcha, dependemos muito do poder público, onde é sempre preciso ligar dezenas de vezes, para ser atendida, depois enviar inúmeros ofícios, “só para sermos recebidas”. Depois, todas as negociações com prefeitos, de diversos partidos, exaustivas, para convencê-los da importância da marcha.
“O bom de tudo isso”, celebra Soninha, “foi constatar que a maioria das estruturas que há nessas cidades, não comportou o tamanho da nossa marcha!”.
Em todos os lugares, a Marcha precisou montar enormes tendas brancas, utilizadas durante as tardes e início das noites para as atividades de formação e apresentações culturais e, depois para dormir, quando as laterais também eram fechadas.
Governantes distantes dos governados
Ainda bem que sempre existe o outro lado, lugares onde as mulheres se sentiram muito bem, como foi em Valinhos, Vinhedo, Louveira e Várzea Paulista. “A melhor recepção foi aquela em que fomos recebidas pelo movimento com pão e rosas (Valinhos)”, lembra-se Zindzi. “Em Várzea a recepção das mulheres e do povo foi ótima”, continua, “mas a infraestrutura da cidade não suportou quase três mil mulheres, já que o número aumentou muito na sexta e no sábado, quando chegaram novas delegações que só podem marchar no final de semana”.
E porque teriam sido tão diferentes algumas recepções de parte do poder público? “Ah! Diferenças políticas”, opina a carioca Eliane. “Não deveria ser assim, porque a Marcha luta por todos, temos um ideal, mas eles devem ter olhado que era coisa junto com o MST, com a CUT… Mas nós somos brasileiras e não desistimos nunca!” Com essa análise, concorda Zindzi. “Acho que é por causa do partido que está governando a cidade. Somos de movimentos sociais e há prefeitos que não aceitam, mais ainda porque somos mulheres”.
Para Roseane Souza, a Fofa, da Marcha no Maranhão (São José do Ribamar), “nossos governantes ainda não estão preparados para governar a população; as pessoas que colocamos na administração pública, quase sempre quando chegam lá, tornam-se distantes dos problemas do povo”.
A maranhense, cujo estado tem um dos piores índices de desenvolvimento do Brasil, acha que em Valinhos e Vinhedo foi onde ficamos melhor. “Em Várzea, apesar da hospedagem não ter sido das melhores, o calor humano foi bom, a recepção do prefeito e da sua companheira, comida de primeira qualidade, e as apresentações culturais então nem se fale!”.
Ela se refere ao show de Leci Brandão, oferecido pela Prefeitura de Várzea, interagindo com o povo da cidade, que fechou a noite de sábado, levantando o astral de todas, e transformando o Espaço da Cidadania numa grande festa. Antes, havia acontecido a apresntação de uma acrobata do Teatro Mágico, iniciando uma noite realmente alto astral.
Leci, como militante que é, do movimento negro e feminista, fez discursos ótimos entre as músicas que colocaram todos para dançar. A cada fala dela, as marchantes respondiam com refrões das letras musicadas da marcha. E isso tudo misturadas ao povo da cidade de Várzea, que pode aprender um pouco mais sobre o movimento feminista.