Fotos: Direito à Cidade
Por ironia das circunstâncias, o malfadado gás pimenta, com a mão da polícia no controle, apareceu na manhã de ontem no centro da cidade do Rio de Janeiro, para dispersar manifestantes que reclamavam justamente o direito à cidade e o acesso aos seus espaços e equipamentos.
Deu pra contornar, dizem organizadores do Fórum Social Urbano, tranquilizados porque a marcha seguiu em frente e a atividade da tarde transcorreu com sucesso. Mas o fato repercutiu na mesa de abertura em que o direito à cidade foi exposto por especialistas e lideranças populares.
“Mais uma vez manifestações de movimentos sociais são recebidas por repressão policial”, disse Marcelo Edmundo, da Central de Movimentos Populares) em uma momento inicial da abertura, do participaram Movimento Sem Terra, Movimento Nacional de Luta pela Moradia, Centro Cultural Ação e Cidadania, Quilombo Pedra do Sal e a Central de Moradia Popular
A urbanista brasileira Rachel Rolnik, relatora da ONU pelo direito à moradia digna, foi a primeira a falar entre palestrantes convidadas/os e lamentou o episódio. Segundo ela, é justamente a mobilização social que pode reverter o desmonte da políticas públicas capazes de assegurar direitos urbanos. “As políticas sociais de moradia estão sendo desmontadas”, apontou, e essa luta é global. Começa, segundo ela, por uma regulação da terra que enfrente a concentração.
Sem mexer no acesso à terra, hoje regulado para permitir a exploração e a exclusão territorial, todo investimento em melhorias urbanas fica nas mãos de poucos, disse Rolnik.
A mídia também foi criticada na mesa, por outra brasileira, a professora do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da Universidade de São Paulo (USP) Ermínia Maricato, pelo modo tolerante e pouco crítico com que trata o modo como é feito o zoneamento da terra, com leis que se regem pelo mercado e não pelo interesse público. E uma vez que o mercado não inclui a todos, boa parte da população fica sem acesso e acaba ocupando a cidade de forma ilegal.
“As cidades estão piorando”, afirmou, fazendo um histórico das diversas cartas e declarações sobre o direito à cidade no Brasil, com muitas leis e normas que nunca sairam do papel.
Para Maricato, a terra é uma questão central para o Brasil e os para os países periféricos. “É preciso reinventar a luta”, frisou.
“O direito à cidade é uma verdadeira luta anticapitalista e antimilitarista”, disse o professor da Universidade de Columbia (EUA), David Harvey, ao apontar mudanças no modo como se dão os investimentos do grande capital, hoje interessado nos megaeventos espetaculares com recursos que depois não duram e aumentam as desigualdades.
Segundo o norte-americano, para minar resistências, o poder dominante – político e econômico – buscam colocar os movimentos sociais na defensiva, criminalizando, reprimindo, negando direitos e buscando dividi-los
As cidades são espaços de disputa fundamentais para mudar o mundo, lembra Harvey e, por isso, os movimentos sociais devem enfrentar as causas das crises e enfrenta-las a partir da compreensão de que o direito à cidade é para todos.
Outro convidado ao debate de abertura do FSU, professor Peter Marcuse, professor da Universidade de Columbia, acabou participando por carta, devido a problema com o visto de entrada no Brasil.
Também defendendo a retomada do direito a cidade para os excluidos, ele chamou a atenção dos movimentos para os discursos aparentemente bem intencionados, como aqueles que apregoam “melhores práticas” como ação política pelo direito à cidade, sem qualificá-las em seu alcance ou impacto. “Práticas para quem? Melhores para quem?”, pergunta em sua carta.