O resultado desses dez anos de mobilização contra-hegemônica vai ser avaliado este ano com o modelo de Fórum, mais uma vez, descentralizado. Ele tem início com as edições comemorativas que acontecem na Grande Porto Alegre, a partir da próxima segunda-feira (25), e em Salvador a partir do dia 29, além de Kpomassé (Benin), Madri (Espanha) e Praga (República Checa). As atividades comemorativas dos dez anos do Fórum vão durar todo o ano até a edição de 2011, em Dakar (Senegal).
Comunicações
O debate sobre as comunicações se inseriu aos poucos e de diferentes formas no contexto do Fórum Social Mundial ao longo desses dez anos. Foi aos poucos adquirindo a centralidade que hoje lhe é dada ao lado de outras importantes pautas, como desenvolvimento sustentável, economia, meio ambiente e pobreza. Nas primeiras edições, como lembra Bia Barbosa, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o debate sobre a comunicação era bastante pontual. “Poucas organizações pautaram este tema nas atividades autogestionadas e a mídia seguiu fora dos ‘grandes painéis’ do Fórum”.
Com o passar do tempo e também em função da cobertura que a grande mídia passou a fazer do Fórum, acrescenta a jornalista, ficou evidente que outra divulgação e outra comunicação do Fórum também eram necessárias. “Ao mesmo tempo, o debate sobre o papel da mídia na construção de outro mundo começou a ganhar força, em paralelo à organização da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação. Articulações internacionais, ao lado de organizações brasileiras, passaram a pautar este debate no seio da programação do Fórum”.
Celso Schröder, coordenador do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), avalia também que no primeiro Fórum o debate da comunicação não teve o merecido destaque. Contudo, “no segundo Fórum houve o início dos debates sobre as formas imperialistas de comunicação no mundo, em uma atividade articulada por mim, pelo Daniel Hertz e pelo Ignácio Ramonet”, lembra.
Assim como na maioria das outras temáticas debatidas, o desafio dos participantes do Fórum na discussão da comunicação sempre foi ir além da crítica ao modelo estabelecido. Para a organização do Fórum e os militantes da democratização da comunicação, tão importante quanto identificar os problemas do modelo vigente era pensar em soluções possíveis e sustentáveis para um novo mundo e também uma nova forma de fazer comunicação. A começar pela cobertura daquele evento.
Colaboração
Como lembra Rita Freire, do Coletivo Ciranda, uma das entidades fundadoras da experiência de comunicação colaborativa no FSM, “a ideia inicial foi escapar ao crivo da grande imprensa, na produção de informações para o universo FSM, e de somar esforços humanos, já que não tínhamos os recursos materiais”. O que fez o projeto nascer, ressalta Rita, foi a aceitação enorme que a proposta de trabalhar em conjunto, em vez de competir, provocou entre as mídias, jornalistas e articulistas mobilizados. “Já era um exercício de outro mundo possível rejeitar a supremacia do jornalismo de mercado”, reafirma.
Na opinião de Bia Barbosa, um ano chave para o debate da comunicação no Fórum Social Mundial foi 2005, quando o tema da comunicação junto com a cultura ganhou espaço em um eixo específico e as experiências de compartilhamento conseguiram aglutinar mais pessoas e transmitir mundialmente. Além da Ciranda, lembra Bia, “em 2005, aconteceram o Fórum de Rádios, o Fórum de TVs e o Laboratório de Conhecimentos livres, que divulgaram outro olhar, muito mais plural e diverso do próprio FSM. E essa outra cobertura ganhou alcance, sendo difundida via satélite para vários continentes”.
Rita, por sua vez, lembra que os resultados colhidos em 2005 tiveram início em 2004, na Índia. “Tivemos uma ação compartilhada em Mumbai, em 2004, e os movimentos de software livre, tanto do Brasil quanto da Índia, fizeram uma cobrança forte que resultou em alianças decisivas quanto à tecnologia e filosofia utilizada. Em 2005 foram diferentes projetos de acolhida feitos pela e para a imprensa alternativa, TVs e rádios comunitárias e desenvolvedores de tecnologias livres”, pontua. A Ciranda, que foi a primeira experiência, já não reunia só mídias e se somava a outras iniciativas colaborativas, como Viração, no Brasil, Minga na América Latina, Flamme D’Afrique, na África, e várias outras.
Essas experiências geraram, ainda de acordo com Rita, conceitos que influenciaram as práticas de comunicação no universo FSM e ajudaram a organizar uma cobertura difícil, como em 2008, quando houve um Fórum sem centro algum e era preciso conectar atividades espalhadas pelo mundo de modo colaborativo e articulado.
Em 2008 – e em 2010 também deverá ser assim – a comunicação e a cobertura compartilhada desempenharam um papel central para reunir o planeta na edição descentralizada do FSM. “Não fossem as iniciativas e a troca permanente de informação entre as várias cidades que estavam participando do Dia Global de Ação de Mobilização, a repercussão e os resultados de 2008 seriam muito menores, e tudo nos leva a crer que este exercício também será necessário para o sucesso das comemorações dos 10 anos do FSM”, avalia Bia Barbosa.
Construção de Políticas Públicas
Para além das experiências de comunicação compartilhada, o debate das comunicações no Fórum Social Mundial fez crescer também o debate em torno das políticas públicas para a comunicação e o papel dos Estados Nacionais na garantia do direito à informação e à comunicação. Na opinião do Schröder, esses dez anos de FSM consagraram um modelo que os movimentos sociais imaginaram de produção de políticas públicas que a sociedade incide sobre os Estados Nacionais, articulando políticas nacionais e internacionais.
Países como o Uruguai e a Argentina, lembra o coordenador do FNDC, estão repensando as suas políticas de comunicação. A Argentina, por exemplo, já fez mudanças e em 2009 aprovou uma nova lei para os serviços de radiodifusão que atualizou o marco regulatório das comunicações do país. Schröder acredita que esses avanços podem também ser atribuídos às idéias geridas e difundidas pelos processos do Fórum Social Mundial e deve continuar pautando como uma onda as ações de outros países nessa direção.
Entre as atividades que o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação está propondo para a edição do FSM que acontece na Grande Porto Alegre, uma delas é sobre os resultados da 1ª Conferência Nacional de Comunicação e a agenda para 2010. “A ideia desse painel é justamente trazer a Conferência, que foi um grande acerto dos movimentos sociais e do governo, para um debate internacional para consolidar o que lá foi discutido e quem sabe para pautar outros países que ainda não aderiram a essa agenda”, pontua Schröder. Ele ressalta ainda que “precisamos de uma ação pós-conferência a exemplo do que aconteceu na Argentina, quando os movimentos colocaram 40 mil pessoas nas ruas e só depois disso a lei foi implementada. Precisamos dar essa força, esse suporte para que as resoluções tornem-se políticas”.
Um dos eventos mais esperados de comunicação compartilhada, além da própria produção de notícias e informações, é o encontro das Rádios Koch, de Nairóbi, e Favela, de Belo Horizonte, há muito esperado. A rádio africana surgiu em um contêiner da favela de Korogocho porque seus criadores conheceram pelo filme Uma Onda no Ar a história de resistência da rádio mineira. Essa atividade das rádios comunitárias, que vai se repetir em Salvador, já é fruto de esforços da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias, Associação Mundial de Rádios Comunitárias, Ciranda e coletivos da comunicação compartilhada. “Em 2010 vamos compartilhar não só a ação midiática, mas reflexões quanto ao futuro. Será o início de uma articulação com a África, rumo à cobertura compartilhada do FSM 2011, em Senegal. E vamos cobrir as atividades do FSM 10 Anos de forma conjunta”, anuncia Rita.
Já o Intervozes fará uma atividade centrada na avaliação das ações da mídia tradicional frente às mudanças que pretendem colocar o debate do direito à comunicação na ordem do dia. A ideia, segundo Bia Barbosa, é debater e analisar a cobertura e os pontos apresentados como polêmicos da I Conferência Nacional de Comunicação, do III Programa Nacional de Direitos Humanos e da Conferência Nacional de Cultura, pelos veículos da mídia tradicional.
Fonte: Mariana Martins – Observatório do Direito à Comunicação
[en]The year 2010 marks an important period for the unity of social movements on a global scale. This January sees the commemoration of one decade of the World Social Forum (WSF), which was first held in 2001, in Porto Alegre. Thousands of people from around the world came together in opposition to the agenda of the World Economic Forum in Davos, which meets annually in order to determine global policy according to wealth and the major world powers.
The results of these ten years of anti-hegemonic mobilization will be evaluated this year, using the same decentralized format that the Forum usually takes. It starts with commemorative events taking place in Grande Porto Alegre from this Monday (25th), and in Salvador from the 29th, as well as in Kpomassé (Benin), Madrid (Spain) and Prague (Czech Republic). The commemorative activities celebrating ten years of the Forum will continue throughout the year until the 2011 edition, in Dakar (Senegal).
Communications
The debate about communications has gradually, and in numerous ways become part of the World Social Forum throughout the last ten years. Little by little it has gained the central position that it occupies today alongside other important issues, such as sustainable development, the economy, the environment and poverty. In the first editions, remembers Bia Barbosa (Intervozes – Brazilian Collective of Social Communication), the debate about communication was brief. “Few organizations listed this issue in their suggested topics, and the subject of media remained outside the ‘major panels’ of the Forum.”
The journalist added that with the passing of time, and also due to the lack of coverage of the Forum by the mainstream media, it was evident that another means of spreading and communicating information about the Forum was necessary. “At the same time, the debate on the role of the media in the construction of a different world began to gain force alongside the World Summit on the Information Society. International groups, along with Brazilian organisations, started to bring this debate into the heart of the Forum’s programme.
Celso Schröder, coordinator of the National Forum for the Democratization of Communication (FNDC), also explains that at the first Forum the debate on communication did not receive the attention it deserved. However, “at the second Forum there were the beginnings of debates about imperialist forms of communication in the world, during a session set up by me, Daniel Hertz and Ignácio Ramonet”, he remembers.
As with the majority of the other debated issues, the challenge of the Forum’s participants in the discussion of communication was always to go beyond criticism of the established model. For the Forum’s organizers, and the activists supporting the democratization of communication, it was important not just to identify the problems with the model currently in force, but also to come up with possible and sustainable solutions for a new world, and for a new way of communicating: starting with the coverage of that event.
Collaboration
Rita Freire, from the Ciranda Collective, one of the founding groups of the collaborative communication experiment at the WSF, remembers “the initial idea was to escape the filtering by the mainstream press in the production of news about the WSF, and to combine human efforts, since we did not have many material resources.” What gave life to the project, Rita emphasizes, was the enormous backing that the idea of working together, instead of competing, encouraged amongst the different media organizations, journalists and activists. “It was an exercise in the possibility of a different world, rejecting the supremacy of market journalism”, she said.
According to Bia Barbosa, a key year for the communication debate at the World Social Forum was 2005, when the theme of communication together with culture gained its own space, and the shared communication experiments managed to bring people together and transmit the event globally. As well as Ciranda, Bia remembers, “In 2005, there was the Radio Forum, the TV Forum, and the Free Knowledge Lab, which broadcast another much more diverse and pluralistic perspective on the WSF. And this alternative coverage had a wide reach, being beamed via satellite to several continents.”
Rita, for her part, recalls that the results reaped in 2005 had their beginnings during 2004, in India. “There was shared action in Mumbai, in 2004, and the free software movements, both Brazilian and Indian, forged strong links which proved indispensable in terms of technology and the philosophy they used. In 2005 there were various projects created by and for the alternative press, community TV and radio, and developers of free technology”, she said. Ciranda, which was the first experiment, did not just unite media organizations, but also brought together other collaborative initiatives, like Viração in Brazil, Minga in Latin America, Flamme D’Afrique in Africa, and various others.
In agreement with Rita, these experiments produced ideas that influenced communication practices in the WSF domain, and helped to organize complicated coverage, such as in 2008 when the Forum had no specific centre, and so it was necessary to connect activities scattered around the world in a collaborative and articulate way.
In 2008 – and 2010 will be the same – shared communication and coverage played a key role in bringing together the whole planet in a decentralized edition of the WSF. “Were it not for the initiatives and permanent exchange of information between the various cities that participated in the Global Day of Mobilization and Action, the repercussions and results of 2008 would have been much less. All this leads us to believe that this practice will also be necessary for the success of the WSF’s 10 year commemorations”, explained Bia Barbosa.
Construction of Public Policies
In addition to the experiments with shared communication, the communication debate at the World Social Forum also gave rise to the discussion on public policies of communication, and the role of nation states in guaranteeing the right to information and communication. According to Schröder, these ten years of the WSF established a model, as conceived by social movements, for the production of a nation state’s public policies that is affected by society itself, therefore bringing together national and international policies.
Countries like Uruguay and Argentina, says the coordinator of the FNDC, are rethinking their communication policies. Argentina, for example, has already made changes, and in 2009 they approved a new law for broadcasting services that updated the regulatory guidelines for communications in the country. Schröder believes that these advances can also be attributed to the ideas generated and spread by the activities at the World Social Forum, and that it should continue to encourage a wave of similar actions in other countries.
Amongst the activities that the FNDC is proposing for the Grande Porto Alegre edition of the WSF, there is one that involves the results of the 1st National Conference on Communication and its agenda for 2010. “The idea of this panel is to bring the Conference, which was a major compromise between social movements and the government, to an international debate in order to consolidate what was discussed there, and perhaps to lay down a pattern for other countries that still do not subscribe to this agenda”, Schröder said. He emphasized that “we need post-conference action like there was in Argentina, when the movements got 40 thousand people in the streets, and only after this was the law implemented. We need to display this kind of force, this effort in order for the solutions to become policies.”
One of the most anticipated shared communication events, aside from the actual production of news and information, is the long-awaited coming together of Radio Koch, from Nairobi, and Radio Favela from Belo Horizonte. The African radio station was set up in a container in the Korogocho shantytown after its creators saw the film Uma Onda no Ar (A Wave in the Air), the tale of resistance based on Radio Favela’s operation in the Brazilian state of Minas Gerais. These kinds of community radio stations, which will also be set up in Salvador, are the fruit of efforts by the Brazilian Association of Community Radio Stations, the World Association of Community Radio Broadcasters, Ciranda and other shared communication collectives. “In 2010 we are going to share not just media action, but also thoughts with regards to the future. It will be the beginning of a partnership with Africa, looking towards shared coverage of the WSF 2011, in Senegal. And we are going to cover the activity of the WSF 10 Years in a collective fashion”, Rita announced.
Intervozes will organize an event centred around assessing the actions of the traditional media in the face of changes that seek to put the debate about the right to communication on the agenda. The idea, according to Bia Barbosa, is to debate and analyse the coverage and the points presented as controversial at the 1st National Conference on Communication, the 3rd National Programme on Human Rights and the National Conference on Culture, by the traditional media.
Source: Mariana Martins – Observatório do Direito à Comunicação (Observatory of the Right to Communication.)
Translation: Jack White