Os milhares de ativistas que se reunirão em Porto Alegre, no final desse mês, terão várias razões para comemorar seu feito. Mas também estarão diante do fracasso de um dos conceitos estratégicos que levou à convocação do Fórum Social Mundial no início desse século.
Quando a primeira edição ocorreu, em 2001, as forças progressistas viviam ainda um forte ciclo de dispersão e recuo, apesar das manifestações anti-globalização em Seattle, Washington e Praga durante reuniões de organismos financeiros multilaterais. Os focos de resistência, mesmo se multiplicando, ainda não eram capazes de forjar alternativa ao mundo unipolar surgido após o colapso da União Soviética.
Desse quadro tampouco escapava a América Latina, território onde a hegemonia do neoliberalismo revelava sinais mais evidentes de fadiga, com a ruína de diversas administrações alinhadas com o Consenso de Washington.
A vitória eleitoral do venezuelano Hugo Chávez, em 1998, significara um passo importante na construção de cenário mais positivo para a esquerda, ladeada pela bancarrota do governo conservador equatoriano e pela crise política que, na Argentina, acabaria por desembocar na rebelião contra o governo De La Rua. Mas esses fatos, por relevantes que fossem, ainda não indicavam uma reviravolta continental nos idos de 2001.
O Fórum Social Mundial foi, então, a primeira iniciativa planetária, em muitos anos, capaz de reunir os brotos de mobilização político-social contra a coalizão imperialista liderada pelos Estados Unidos. Sua primeira edição, e algumas das seguintes, deram rosto ao protesto contra o desenho de mundo forjado pelos monopólios e seus governos.
Um dos segredos para reunir correntes e experiências tão diversas talvez residisse, para além do formato de uma feira mundial de idéias, no argumento-força de que os protagonistas do evento deveriam ser os movimentos sociais e as organizações não-governamentais. Havia uma declarada marginalização de partidos e governos, que apenas perifericamente puderam participar das atividades programadas.
Não se tratava de um truque organizativo. Entre os principais articuladores do Fórum, com expressiva repercussão em fatias eventualmente majoritárias dos ativistas presentes, predominava o ponto de vista de que o centro dinâmico de uma estratégia progressista tinha se transferido do Estado para a sociedade, dos partidos para os movimentos, da política institucional para as redes sociais.
Essa opção permitiu construir um arco amplo de participação, além de abrir espaços na couraça midiática. Na prática, o Fórum se apresentava como a negação da forma-política que faz parte da herança genética da esquerda. Apostava na horizontalização contra a verticalização, nas pautas de reivindicação contra os programas de governo, na resistência social contra a alternativa de poder. Muita gente podia entrar nesse barco.
Tal formatação revelou-se, com o passar do tempo, a benção e a agonia do Fórum. Não há dúvidas de que permitiu um impulso inicial sem precedentes, mas se provou um fracasso estrondoso como caminho estratégico.
Afinal, a recuperação política da esquerda, ao menos onde acontece com relevância, como é o caso da América Latina, passou centralmente pelo papel dos partidos e da política, pela conquista de governos e sua defesa. Mesmo as forças acumuladas pelos movimentos sociais confluíram para esse leito, auxiliando a desgastar e a isolar os blocos conservadores.
O discurso autonomista, tão proeminente nas primeiras edições do Fórum, apresenta-se hoje como uma relíquia exótica, desprovido de vida e conexão com a realidade. O que explica a irrelevância à qual, pouco a pouco, vai sendo condenado o próprio Fórum, de onde antes partiam tantas vozes que anunciavam o ocaso da forma-partido.
Já sem o brilho e a capacidade convocatória de suas primeiras edições, o Fórum Social Mundial volta a Porto Alegre. Nada indica que terá a mesma pujança do nascedouro, quando poderia ter desempenhado um papel de maior destaque na composição entre partidos, governos, intelectualidade e movimentos sociais.
Acabou aprisionado a fórmulas que garantiram sucessos iniciais, de público e crítica, mas que acabaram por limitar seus horizontes a uma estrutura de congraçamento, debate e inação.
Breno Altman é jornalista, diretor do site Opera Mundi (www.operamundi.com.br)