Ação da Prefeitura de Porto Seguro aconteceu sem decisão judicial e em plena pandemia
O clima é de tensão na Terra Indígena Ponta Grande em Porto Seguro, extremo sul da Bahia, entre os municípios de Porto Seguro e Santa Cruz de Cabrália. Hoje (31 de agosto de 2021) pela manhã, policiais militares, policiais federais, guarda municipal e servidores da Prefeitura Municipal de Porto Seguro realizaram operação na área da Terra Indígena Ponta Grande.
Legenda: Policiais na área, prestes a demolir casa da família indígena no TI Ponta Grande – Foto: acervo aldeia Novos Guerreiros
Legenda: Casa demolida – Fotos: acervo aldeia Novos Guerreiros
A ação contraria decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu todas as reintegrações de posse e/ou despejos durante a pandemia. Usando poder que não tem, com violência e ajuda de tratores, derrubaram sete casas de indígenas nesta manhã de terça-feira.
Legenda: Derrubada de casas com tratores
Legenda: Denúncia de que estão “bicano o pau nos indígenas” (batendo)
Segundo as lideranças indígenas, os responsáveis pela ação prometeram retornar nesta tarde e continuar a derrubada das casas.
O Cacique Shyrathan, presidente do Conselho de Caciques Pataxó, explica a situação, destaca que “foram surpreendidos pela chegada da polícia que chegou sem nenhum diálogo, sem consultar nenhuma liderança, sem entregar nenhuma notificação da ação”. Ele pede ajuda e conclui reforçando “não queremos ser mais desrespeitados! Estamos aqui com vários caciques e ficaremos até conseguir a demarcação de nosso território”.
Fala cacique Shyrathan
A comunidade indígena se manifestou, publicando carta pedindo ajuda e fechando a estrada para suspender a demolição.
Situação de tensão – três indígenas foram presos
Clique para ler a carta no icone carta_pedido_de_socorro.pdf
Legenda: Comunidade na estrada – Fotos: acervo aldeia Novos Guerreiros
A ação pegou todos de surpresa. Não há auto de infração relativo “ às construções irregulares”, não há notificação prévia para ação de vistoria, não há notificação prévia de demolição, não há processo em trâmite administrativo ou judicial sobre o tema, bem como não há decisão judicial.
A ação da prefeitura além de contrariar decisão do STF sobre despejo e reintegração de posse durante a pandemia, também contraria o artigo 5º da Constituição Federal, na medida em que não possibilitou a ampla defesa.
O Cacique Roberto informa que perguntou ao delegado da polícia federal “se eles tinham o cumprimento da ação”, que respondeu que “eles não tinham”. Ele comunicou que foi até a FUNAI e que o coordenador da FUNAI também foi pego de surpreso. A liderança João Payayá comentou que foram “até a Prefeitura tentar levantar informações, mas a Prefeitura Municipal de Porto Seguro estava fechada”.
Os indígenas informam que a equipe da prefeitura falou que “tem uma ordem do Ministério Público Federal (MPF) para derrubar as casas”. Segundo ofício enviado pelo MPF e compartilhado com a reportagem pelo cacique Roberto, o Ministério Público Federal (MPF) solicita que seja realizada operação para identificar “responsáveis pelas construções irregulares em área da União e tombada pelo IPHAN, na Praia do Mutá, entre a Barraca de Praia do PC e a Barraca Hibiscus”. Ou seja, o MPF solicitou que fosse feita averiguação se teria alguém na hora cometendo suposto crime de construção irregular em área tombada pelo IPHAN. E se tivesse cometendo crime, deveria levar para a delegacia.
Clique ícone para ler o ofício: ofi_cio_sema_porto_seguro.pdf
A Defensoria Pública da União, por meio do Defensor Regional de Direitos Humanos – Bahia, Dr. Vladimir Correa, solicitou informações sobre a situação junto à Polícia Federal, Secretaria de Segurança Pública da Bahia e Prefeitura Municipal de Porto Seguro. Dr. Vladimir informa que acompanha a situação com atenção.
Hoje, às 17h haverá uma reunião online com o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) para tratar da situação. Dela participarão o Cacique Roberto, lideranças do TI Ponta Grande, representantes da APIB, CIMI, entre outros.
A reportagem solicitou informações sobre a situação junto à Polícia Militar do Estado da Bahia, à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal. Também tentamos entrar em contato com a Prefeitura Municipal de Porto Seguro, os telefones não atendem e o SIC não está funcionando. Enviamos email para a Secretaria de Governo e Comunicação da Prefeitura.
A assessoria de comunicação do MPF apresentou a seguinte Nota de Esclarecimento:
“Nota de Esclarecimento: MPF não tem relação com demolições realizadas na manhã de hoje (31) em Porto Seguro
O Ministério Público Federal (MPF) esclarece que o órgão não tem relação ou participação nos atos noticiados pela imprensa baiana nesta terça-feira, 31 de agosto, que relatam a demolição de construções na área litorânea de Ponta Grande, às margens da BR-367, em Porto Seguro.
O MPF esclarece, ainda, que por meio de sua unidade situada em Eunápolis, conduz procedimento, em fase inicial de instrução, para apurar infrações decorrentes do avanço de construções irregulares em áreas tombadas da União, na Praia do Mutá. Tais infrações foram denunciadas em nota técnica enviada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Caso confirmados, os fatos constituiriam crime previsto no art. 63, da Lei nº 9,605/98.
A fim de dar seguimento a essa apuração, na manhã de hoje (31) foi agendada uma operação, a ser realizada pela Polícia Federal, com o apoio da Polícia Militar da Bahia, visando à identificação dos responsáveis pelas construções, que impactariam a composição paisagística tombada da Orla Norte do Município de Porto Seguro. Entretanto, a referida operação consiste em levantamento de informações para a investigação, não se relacionando com qualquer ação de demolição ou similar”
Os demais órgãos ainda não responderam. A reportagem segue acompanhando a situação.
Para saber mais sobre a situação do Território Indígena Ponta Grande e o conflito relativo à demarcação de terras, leia:
Juiz Federal reitera determinação de reintegração de posse contra Pataxós, no extremo sul da Bahia
Fonte: Jornalistas Livres