Parou de verdade por alguns momentos. Nem zap, nem insta, nem face, nem twitter, nem skype, nem google, nem web – só vida real. Lembrou das músicas do Gil e Zeca Baleiro “Pela Internet” e “Meu Amigo Enock”, respectivamente.
Rejeitou clichês sobre o assunto, não sucumbiu ao lugar comum do falso moralismo sobre nossas vidas terem sido engolidas pelo buraco ocre das redes sociais.
Ouviu um vozerio ao longe, comentários sobre futebol e sobre o preço dos alimentos. Rapazes exibiam ao sol seus pássaros engaiolados em incompreensíveis lamentos.
Em sua agenda eletrônica, compromissos mil no zoom, webex, streamyard, RNP, Google meet e afins.
Parou com tudo. Ao menos naquele momento em que desligara pra si a marcha das horas.
Respirou lentamente, com profundidade, sentiu alguns aromas das cozinhas do entorno. Temperos e chás dos canteiros foram notados, aroma de hortelã, coentro e tomilho.
Cheiro da manhã. Um momento mágico de simples existência. Protegido de tudo, percebera, pela primeira vez, que aquela história de viver o presente tinha algum cabimento. Por alguns minutos nenhuma pressa. Um sonho, nenhuma pressa.
No cesto da cozinha, frutas adquiridas na feira agroecológica, diretamente de assentados, quilombolas e agricultores familiares. Sabia que, além de não conter fertilizantes sintéticos e agrotóxicos, os frutos foram colhidos no grau de maturação que garantia seu gosto verdadeiro. Nada fora colocado para amadurecer mais rápido ou atrasar o amadurecimento, estimular a floração ou qualquer processo artificial.
Eram frutos da época, preços justos, vieram de perto, sem intermediários. Imaginado assim, em silêncio, concentrado, dá pra sentir o cheiro e o gosto do abacaxi, umbu, goiaba, banana, mamão, manga, cajá, seriguela, melancia, jaca – uma melhor que a outra.
Houve um esforço para essa conquista: perdera algum conforto e praticidade de comprar no mercado, mudara ligeiramente seus padrões estéticos e suas escolhas.
Adaptou-se à natureza ao invés do contrário. Outros cheiros vieram, agora do café pronto pra servir. Café cuidado com delicadeza, nenhuma mistura de grãos verdes com maduros, nenhuma adição de milho transgênico, a torra em harmonia com as características do café arábica. Pensou nesse produto também adquirido a preços acessíveis, a palavra gourmet não era bem-vinda naquela casa, não era aceitável que fosse um produto caro destinado à elite.
Lembrou da justiça ambiental, os trabalhadores não podem ser privados de comidas saudáveis, água pura, belas paisagens e outros direitos elementares.O cafezal em questão era de um agricultor familiar que entregava seu produto numa cooperativa onde tinha voz e vez. Mantinha no entorno de sua roça uma pequena, mas bela e biodiversa floresta que se estendia até a beira do rio. Isso conferia mais resistência a pragas e doenças, porque ajudavam a fertilidade do solo, que, por sua vez, garantia plantas resistentes. A mata viçosa produzia e protegia inimigos naturais dos insetos e fungos que, outrora, já estiveram em equilíbrio com a natureza.
Ouviu latidos ao longe, sussurro de crianças brincando. Era outro mundo para elas durante a pandemia. Sentiu, por alguns segundos, que nada fazia diferença: sua idade, seus caprichos, suas dívidas e sua dores. Simplesmente viveu.
José Augusto de Castro Tosato
Image: Governo Ceara